segunda-feira, 16 de abril de 2012

GRÉCIA - Mídia ajudou a aterrorizar os gregos.

Por J.R. Penteado, de Atenas, no sítio Opera Mundi:

Foram mais de 2 milhões de espectadores na Internet, transmissões em canais de TV do mundo inteiro, e uma popularidade que despertou ataques diretos de parte da mídia conservadora local. O documentário “Debtocracia” fez grande sucesso na web em 2011, ao abordar sob uma ótica crítica as origens da crise da dívida da Grécia, apontando todo o sistema do euro como fadado ao fracasso desde o início. “O melhor filme de análise econômica marxiana já produzido”, escreveu um colunista no The Guardian.




Com um orçamento de apenas 8.000 euros e financiado completamente pelo seu público, “Debtocracia” é fruto do trabalho dos jornalistas gregos Aris Chatzistefanou e Katerina Kitidi. O documentário sugere que o governo grego deveria buscar renegociar sua dívida externa, e mesmo se recusar a pagar a parte que seja considerada ilegítima, como já fizeram Equador, Argentina e Islândia – alternativa jamais cogitada nos principais veículos de comunicação da Grécia. “A grande mídia cumpriu o papel crucial de aterrorizar as pessoas e dizer: ‘fiquem na Zona do Euro. Não deem o default. Tentem pagar tudo e aceitem que seus salários sejam cortados’”, disse Aris, em entrevista ao Opera Mundi.

Agora, os diretores de “Debtocracia” preparam um novo documentário. Ainda influenciados pela crise do país e os subsequentes pacotes de austeridade impostos pelo triunvirato (Banco Central Europeu, FMI e Comissão Europeia) conhecido como Troika, que vem afetando duramente a vida dos gregos, Aris e Katerina devem lançar ainda neste ano Catastroika – privatization goes public. Desta vez, o filme irá abordar as privatizações de empresas públicas ocorridas nos países ricos. “Nós percebemos que o que costumava acontecer em países do chamado Terceiro Mundo agora está vindo para o centro do sistema capitalista, está vindo para União Europeia”, revela Aris.

Como a esmagadora maioria da população grega, Aris também foi um dos afetados pela crise. Recentemente, na empresa em que trabalhava, a Sky Radio, Aris se negou a assinar um contrato que determinava a diminuição de seu salário, medida considerada ilegal por seu sindicato. De cerca de 200 empregados, apenas 20 não assinaram. Todos, inclusive ele, foram demitidos.

Aris tem 34 anos, é formado em Ciências Políticas pela Universidade de Atenas, e trabalha como jornalista desde os 16. Ele falou com o Opera Mundi no fim de março, durante um show em Atenas para arrecadar fundos para seu novo documentário.

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Sobre o que é o documentário “Catastroika”?

É sobre a privatização num sentido amplo. Tentamos explicar que quando um programa massivo de privatização acontece, normalmente está conectado com a falta de democracia, e é por isso que usamos o termo “Catastroika”, que foi criado na Era Yelstin, na Rússia, depois de um pequeno golpe de estado em 1993, onde eles implementaram essa privatização massiva , entregando grandes partes da propriedade pública. E agora nós percebemos que o que costumava acontecer em países do chamado Terceiro Mundo agora está vindo para o centro do sistema capitalista, está vindo para União Europeia. E nós acreditamos que vivemos num país sob ocupação econômica, e o próximo passo depois dessa ocupação econômica é tentar entregar tudo, tentar privatizar tudo.

O filme trata de quais países?

Viajamos para a Rússia, o primeiro exemplo, mas também queríamos casos da sociedade ocidental. Fomos à Califórnia ver a nova regulação do sistema de eletricidade, fomos ao Reino Unido ver a privatização do sistema ferroviário, para a Alemanha conhecer a companhia que eles criaram para privatizar as propriedades da Europa Oriental. Estamos tentando dizer que isso não é apenas sobre o que acontecia na América Latina ou em lugares que o FMI interveio para impor privatizações. Agora nós temos os mesmos efeitos nas sociedades ocidentais europeias e é por isso que precisamos olhar para áreas como Ásia ou América Latina, e aprender com os exemplos de destruição causados pela privatização. Mas também qual foi a reação das pessoas e como elas tentaram impedir esse processo.

Como foi o financiamento para a produção do documentário?

Não aceitamos nenhum dinheiro de empresas ou partido políticos, apenas doações de pessoas, de pequenas organizações estudantis ou organizações de trabalhadores que querem alguma coisa diferente do que veem na grande mídia. Mesmo quando eles discordam do que nós queremos dizer, eles entendem que é um ponto alternativo, e querem nos apoiar. E pela primeira vez, agora nesse segundo documentário, as pessoas podem doar não apenas da Grécia, mas também de outros países ao redor do mundo. Eles podem ir até o nosso site e fazer uma pequena doação.

Qual o orçamento para “Catastroika”?

Vai passar de 20.000 euros que é o mínimo para um documentário de longa metragem. Mesmo para um episódio de um documentário semelhante na televisão grega eles pagam 40.000 euros, e nós temos um longa-metragem por 20.000. Já conseguimos arrecadar mais da metade do previsto.

Como “Debtocracia” foi recebido pelo público?

Temos agora mais de 2 milhões de espectadores na internet, mas não podemos realmente contar porque ele tem sido projetado e transmitido em vários lugares, desde a televisão nacional do Japão, até Malásia, América Latina, via Telesur e outras estações de TV. Foi engraçado que nenhuma estação de TV da Grécia, entre as grandes, quis transmiti-lo. Mas milhares de pessoas na Grécia assistiram nas praças, quando estas estavam ocupadas, e também pela internet.

Qual foi o comportamento da mídia grega sobre o documentário?

A mídia televisa, a mídia eletrônica estava tentando ignorá-lo. Porque eles sabiam do poder do filme e sabiam que mesmo se falassem algo negativo seria uma publicidade para nós. Então eles não disseram uma palavra. Nos jornais, primeiro tivemos ataques dos comentaristas neoliberais. No maior jornal da Grécia, disseram que não fomos imparciais, que os exemplos que usamos do Equador não estavam corretos e coisas assim. Respondemos que nunca dissemos que seriamos imparciais. As pessoas sabem o que o governo e a grande mídia querem dizer e nós queremos dizer algo diferente. Gostando ou não, este é o resultado de entrevistas e do trabalho que fizemos.

E qual tem sido o papel da mídia nessa crise?

Eles estavam trabalhando juntamente com o governo, primeiramente para aterrorizar a população. Para dizer que se você não aceitar o que o FMI e o BCE querem que vocês façam, o país será destruído, caixas-automáticos não te darão dinheiro, seus avós morrerão nas ruas porque eles não terão as aposentadorias, e caos total virá para a Grécia. Apesar de que já vimos em países como Argentina, Islândia ou Equador, quando eles deram o default, não era apenas o fim, mas o início de um crescimento enorme depois disso. A grande mídia cumpriu o papel crucial de aterrorizar as pessoas e dizer ‘Fiquem na Zona do Euro. Não deem o default. Tentem pagar tudo e aceitem que seus salários sejam cortados’. Porque a mídia grega é controlada pela mesma elite econômica que controla o país. Então não é que o governo controla a mídia, mas os proprietários da mídia que controlam o governo.

Qual sua visão sobre a situação da Grécia neste momento?

Somos um país que já demos o default, mas não queremos aceitar. E há uma grande diferença entre tomar a iniciativa de ir para o default – como a Argentina, Equador e Islândia – e eles [a Troika] imporem o default. Infelizmente o nosso caso é o segundo. Foram nossos credores que impuseram o default. Mas ainda temos tempo. Nós ainda temos exemplos para seguir e para dizer “não” para o FMI, dizer que não somos obrigados a pagar uma dívida que foi criada pelo sistema financeiro, que as pessoas não são responsáveis. Não estou dizendo que não há problemas estruturais na economia grega, mas não é o povo que deve ser culpado e pagar por essa dívida. Minha opinião pessoal é que nós devemos deixar a Zona do Euro e tomar todas as medidas necessárias – como nacionalizar os bancos e impor controles no fluxo de capital. Isso pode soar revolucionário ou socialista ou extremo radical, mas não é, é o que o país deve fazer em tempo de crise.

Por que o governo grego não considera essa possibilidade?

O governo tem razões específicas. Primeiramente, eles querem dar tempo para os estrangeiros e os bancos gregos se livrarem dos papéis gregos, para devolvê-los ao Banco Central Europeu. Dessa forma eles os estão enviando para os contribuintes europeus, eles querem proteger os bancos, primeiramente. E depois foi uma oportunidade para eles imporem condições aos trabalhadores para nos trazer ao século 19, e estou falando literalmente aqui. O que o povo conseguiu conquistar no século 20, como os acordos coletivos, o Estado do Bem Estar Social, mesmo esse pequeno Estado do Bem Estar Social que nós temos, agora eles estão pegando tudo de volta – e aí nós temos as condições do século 19.

Deveria ser implantanda uma comissão da “dívida odiosa” como no Equador?

É um instrumento. Não é a solução para todos os problemas, mas você tem que conhecer as características da dívida. Você tem que saber que parte que é odiosa, que parte que é ilegal, e para que isso seja feito, você precisa dessa comissão. É uma ferramenta útil na negociação. Mas ao mesmo tempo, quando você tenta criar uma comissão de dívida odiosa, é como explicar para o povo que nós não temos realmente que pagar tudo, porque o que eles estão tentando fazer em todos esses países que eles possuem dívidas é dizer que uma dívida pessoal é a mesma coisa que uma dívida nacional. Não é a mesma coisa. Se eu tenho uma dívida particular com você, eu sou moralmente obrigado em pagá-la. Mas esse não é o mesmo caso que um país. Um país pode dar o default e estar completamente legal e moral para fazer isso. Na verdade é imoral pagar, algumas vezes, os bancos estrangeiros.

A Grécia tem visto manifestações massivas nos últimos tempos, com milhões de indignados contra as medidas de austeridade. O que deve ser feito na sua opinião?

Infelizmente, o povo grego não tem no momento partidos políticos para guiá-los. Isso é positivo e negativo ao mesmo tempo. Mas eles precisam encontrar uma solução, e não sei se é bom ou ruim, mas todas as soluções são achadas nas ruas. Primeiro as pessoas vão para as ruas, e então o sistema político, os economistas e os acadêmicos, eles encontrarão a solução. Elas não são economistas, mas se mostrarem seu poder e dizerem 'já basta', aí haverá soluções para serem encontradas.

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