sábado, 18 de março de 2023

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Sábado, 18 de março de 2023Um ano com Marielle

E cinco anos sem respostas. Quem mandou matar Marielle?

As mãos trêmulas deslizaram devagar no volante do Spacefox azul escuro. O rosto pálido entregou o nervosismo daquele começo de noite. Marinete acompanhava o trajeto de Bonsucesso à Lapa no banco da frente. Sentada atrás do carona, Monica, que divide o assento traseiro com Luyara e Anielle, checava constantemente o celular e anunciava cada atualização em tempo real. 11 mil. 12 mil. Marielle se esforçava ainda mais para manter as mãos firmes. Não deu. Tirou as mãos do volante, esfregou o suor na calça legging, voltou para o volante. O relógio não marcava nem 18h30, o alvoroço festivo da rua Joaquim Silva, destino final, ainda rolava distante e alheio a elas. 13 mil, 14 mil. Não tinha mais volta, Marielle Franco estava eleita vereadora do Rio de Janeiro.*Aquele dia – 2 de outubro de 2016 – mudaria a trajetória da menina nascida na favela da Maré, da mulher graduada em ciências sociais pela PUC-Rio e mestra em administração pública pela Universidade Federal Fluminense. Nem Marielle, nem ninguém próximo a ela esperava os expressivos 46.502 votos – foi a quinta mais votada da cidade. Mas quando subiu as escadas da Câmara dos Vereadores, sabia bem seu propósito: fazer a política alcançar mulheres pobres e faveladas, principalmente as negras, como ela.Trabalhou como ninguém para isso. Em um só ano, protocolou 13 projetos de leis e atendeu 35 pessoas no gabinete – as visitas eram uma herança do trabalho cuidadoso e combatente na Comissão de Direitos Humanos da Alerj, ao longo de quase 10 anos, quando o celular dela era o primeiro vislumbre de esperança aos familiares e vítimas da violência do estado. Assumiu a presidência da Comissão da Mulher e fez reuniões toda semana – antes dela, quase não havia encontros. Apresentava projetos de políticas públicas criados pelo mandato, relatava os atendimentos, falava do andamento de pesquisas e audiências públicas. Só ela usou tão bem aquele espaço. Depois de março de 2018, a comissão voltou a ser apática.Uma votação expressiva, um mandato atuante. Talvez Marielle amedrontasse os planos políticos de rivais. Talvez tenha chamado atenção demais da milícia, de bicheiros. Não sabemos. Impossível apostar em qualquer teoria sobre a motivação do assassinato da vereadora e de seu motorista, Anderson Gomes, enquanto não soubermos quem mandou matá-la. O inquérito do caso apontou a existência de uma espécie de 'bancada das milícias', como mostramos no Intercept na época. Depois das prisões de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, em 2019, acusados de serem os executores do do crime, muito se descobriu sobre o submundo do crime no Rio de Janeiro — e muito pouco sobre os mandantes do assassinato de Marielle. Na trilha das amizades e parcerias de Lessa, a polícia prendeu o ex-vereador Cristiano Girão por duplo homicídio, sem qualquer relação com o caso, e investigou Domingos Brazão, ex-deputado e conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro. Girão, como também mostramos, foi à Câmara no dia 7 de março, uma semana antes do crime. Outro miliciano também esteve no local naqueles dias. O Ministério Público também sondou o nome do bicheiro Rogério de Andrade, antigo parceiro de Lessa. Mas nenhuma das linhas chegou à resposta definitiva.No ano passado, conversei com Giniton Lages, o primeiro delegado do caso. Marcado por falsos testemunhos, tentativas de obstrução e “investigação da investigação”, o trabalho de Lages culminou na prisão de Lessa e Élcio de Queiroz em março de 2019 – mas, no mesmo dia, o delegado soube que seria afastado do caso. "Os autores se deslocaram de forma muito devagar, muito tranquila, tudo estava previamente definido", me contou na entrevista. "Tinham informação privilegiada". Foram quatro anos de trevas no andamento da investigação, em um governo desinteressado (para se dizer o mínimo) em concluir o caso. Do governo Lula espera-se empenho e, enfim, uma resposta. Flávio Dino, ministro da Justiça e Segurança Pública, montou uma força-tarefa para que o Ministério Público do Rio e a Polícia Federal cheguem aos mandantes – ele descarta a possibilidade de os executores terem agido sozinhosA imprensa precisa também seguir atenta – e cobrar respostas do governo sobre um dos maiores crimes políticos da história do país. Por que mataram Marielle? Quem mandou matar? O Intercept quer ser parceiro na luta por justiça – e não daremos trégua nas matérias investigativas sobre o caso. Cinco anos sem resposta é muito tempo. QUERO MAIS INVESTIGAÇÕES DO CASO MARIELLE  → *Esse parágrafo é o abre de uma biografia independente sobre Marielle Franco – um projeto pessoal que está ainda em construção e sem data de publicação. 

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