domingo, 28 de dezembro de 2008

A BOLÍVIA QUE EU VÍ.

Guiado pelo amor à verdade, acompanhei de perto ao longo do ano o intenso e rico processo que vive o povo boliviano na afirmação da sua soberania, no resgate da sua auto-estima, no reencontro com a luta dos seus ancestrais pela dignidade e a justiça. Decretada em 1º de Maio de 2006, a nacionalização dos hidrocarbonetos (petróleo, gás e minérios) representou mais do que a inversão de uma lógica excludente e parasitária, por meio da qual as transnacionais se apropriavam de 82% dos recursos desta imensa riqueza natural, propriedade dos bolivianos, que ficavam tão somente com os 18% restantes.

Por Leonardo Wexell Severo*

Invertidos os sinais, agora são 82% para a nação e 18% para as empresas estrangeiras, o que redundou num salto espetacular da balança comercial de US$ 1,5 bilhão para US$ 7 bilhões de dólares, o que tem proporcionado inúmeros avanços na área social, melhorando os salários, garantindo bolsa para todos os estudantes, aposentadoria para os maiores de 60 anos, aceleração da reforma agrária e o mais simbólico: investimentos que tornarão a Bolívia, nos próximos dias, o terceiro país livre do analfabetismo, depois da Cuba de Fidel e a Venezuela de Hugo Chávez. Digno de nota, o aporte que estes dois países fizeram para tornar possível tamanho feito.

Com o fortalecimento do mercado interno, outrora devastado pela subserviência ao amo estrangeiro, o país ostentou este ano crescimento de 6,7% no PIB, o maior das últimas três décadas, ampliando a distribuição da renda e a justiça social, que haviam sido riscadas do dicionário neoliberal, com suas privatizações, desnacionalizações, arrocho e subemprego.

Evo tomou posse em 2006 com 53% dos votos e nas eleições de agosto de 2008 ampliou sua votação para 67,4%, tendo vencido em 95 das 112 províncias. Diante do crescente apoio popular e tentando reverter o revés, a direita fascista organizou boicotes e sabotagens, com ocupações de prédios públicos, fazendo o sangue jorrar forte e caudaloso em agressões que redundaram em dezenas de camponeses e indígenas assassinados, como no massacre de Pando, e prejuízos econômicos da ordem de US$ 200 milhões.

Com serenidade e firmeza, que pude comprovar em minhas visitas a Tarija, La Paz e Santa Cruz, o governo instalou a ordem, isolou os golpistas, ganhou o respaldo do conjunto da população e o respeito dos presidentes e povos da América do Sul, que se pronunciaram em defesa do governo Evo Morales. Agora, o primeiro presidente indígena se concentra para uma disputa chave para o avanço da democratização do Estado.

No dia 25 de janeiro, os bolivianos voltam às urnas para dizer Sim ou Não à nova Constituição Política do Estado que, entre outras conquistas, estabelece “a direção integral do desenvolvimento econômico e seus processos de planificação”; aprofunda e massifica a reforma agrária; fomenta a industrialização; impede a privatização e a concessão dos serviços públicos essenciais; estabelece normas de proteção aos trabalhadores (reconhecidos como a principal força produtiva da sociedade); subordina a propriedade privada à função social e ao interesse coletivo; garante a educação pública, universal, descolonizadora e de qualidade; fortalece a democracia e a soberania popular com o voto e o serviço militar obrigatórios, impede os monopólios e oligopólios nas comunicações, fomenta a criação e manutenção de meios comunitários “em igualdade de condições e oportunidades”, garantindo o direito à retificação e a réplica, assegurando a liberdade de expressão, opinião e informação.

Na nova Constituição, podemos ver com clareza o horizonte que se descortina, vivo e rico para o povo, com as cores do arco-íris da bandeira andina, mas também trágico e lúgubre para os servos da ignorância e subserviência ao amo estrangeiro.

* Leonardo Wexell Severo é assessor da CUT Nacional, editor do jornal Hora do Povo e autor do livro “Bolívia nas ruas e urnas contra o imperialismo”.
Fonte:Site O Vermelho.

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