quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

LULA E OS CATADORES DE PAPEL.

Kotscho

Lula é só mais um no Natal do povo da rua.

Fazia tempo que eu não chorava, mas não deu pra segurar vendo o povo da rua, os catadores de papel e os paulistanos sem nada, excluídos de tudo, dançando e cantando na maior alegria com o presidente Lula, ontem à tarde, na quadra do Sindicato dos Bancários, na rua Tabatinguera, centro de São Paulo.

“A única coisa que eu peço a Deus é estar com saúde para poder trabalhar mais, viajar mais, inaugurar mais obras no ano que vem”

Quem lê o texto e o título acima, e não conhece a história, ou simplesmente não gosta do presidente, eu sei, pode achar que é demagogia, coisa de líder populista em final de mandato, fazendo média com seus eleitores na véspera do Natal.

O mandato do presidente Lula está mesmo entrando na reta final, faltam só mais dois anos. Ele mesmo lembrou várias vezes do pouco tempo que lhe resta de governo no discurso que fez ao final desta festa natalina sem luxo nem pompa, da qual já participa religiosamente faz seis anos, desde o primeiro dezembro de seu primeiro governo. O corintiano Lula também é hexa, pelo menos aqui…

O compromisso dele com este povo, porém, para quem conhece a história, vem de muito antes, e não termina junto com seu segundo mandato. “Espero ser convidado quando não for mais presidente”, brincou, andando pela quadra como um animador de auditório, para uma platéia que nunca o chamou de senhor, muito menos de excelentíssimo senhor presidente da República.

Aqui ele volta a ser só o Lula do Estádio de Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, no final dos anos 1970, quando comandava uma multidão de metalúrgicos em greve _ ali onde tudo começou durante a resistência á ditadura militar.

O jeito de falar, como se estivesse conversando com cada um em particular, no balcão de um boteco, e a empatia natural com a platéia, são exatamente iguais. Só a roupa dele agora é mais chique e os assuntos são outros _ da vida dos moradores de rua à crise econômica mundial.

Se não estivesse de terno e gravata, cercado de assessores, seguranças e ministros, ele seria apenas mais um neste encontro da Associação Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis.

Lula tinha acabado de chegar de um encontro no Copacabana Palace, no Rio, em que discutiu os destinos do mundo com o presidente francês Nicolas Sarkozy. Pode-se imaginar o choque cultural na cabeça dele entre um compromisso e outro, separados por apenas uma hora de vôo. Em seguida, voltaria a Brasília para passar o Natal com a família.

Ao falar destes dois encontros tão diferentes no mesmo dia, o presidente reparou que estas coisas só acontecem no Brasil. “Por isso, a gente nunca deve esquecer de onde veio”.

Pois eu me lembrei na hora de uma frase dele muito repetida em velhas campanhas eleitorais: “A cabeça da gente pensa e o coração sente, de acordo com o lugar onde nossos pés pisam”.

Vai ver que é por isso que Lula viaja tanto, aqui dentro e lá fora, querendo estar em todo lugar ao mesmo tempo, sem se perder no caminho.

Prestou muita atenção e balançou a cabeça no discurso empolgado de Anderson Miranda, do Movimento Nacional do Povo da Rua, que denunciou violências cometidas pelo poder público em São Paulo, Belo Horizonte e outras cidades chamadas de higienistas. Depois, cobrou providências dos ministros que o acompanhavam, Patrus Ananias e Paulo Vanucchi, além do chefe de gabinete, Gilberto Carvalho.

Todo ano o ritual se repete: o pessoal do governo conta o que foi feito, o povo da rua agradece e faz mais reivindicações, o governo promete atender e, no ano seguinte, a cobrança continua. Desta vez, Lula mandou que, já em janeiro, os dois lados fizessem uma reunião juntos para se entender e resolver os problemas de uma vez, “porque agora só faltam dois anos”.

Até o cardeal arcebispo de São Paulo, D. Odilo Scherer, sempre muito reservado, entrou na dança junto com Lula e os músicos da orquestra, todos moradores de rua, que apresentaram uma ópera chamada ”Confabulário”.

Entra ano, sai ano, Lula não foi embora antes de dar uma estocada na imprensa. “Vi na manchete de um jornal hoje que perdemos 40 mil empregos em novembro. Mas não vi nenhuma notícia de que este ano, de janeiro a outubro, o Brasil criou 2,2 milhões de novos empregos”.

Planos pessoais para 2009? “A única coisa que eu peço a Deus é estar com saúde para poder trabalhar mais, viajar mais, inaugurar mais obras no ano que vem”, contou-me, quando lhe fiz a pergunta, assim que chegou à quadra do Sindicato dos Bancários, com o mesmo pique do primeiro dia de governo em Brasília.

Férias? Como ninguém é de ferro, e este sempre é um drama para resolver na família Silva, a cada final de ano, Lula já decidiu que vai passar dois dias na ilha de Fernando de Noronha em janeiro. “Só para levar os meninos, porque eu não gosto de mergulhar…”.

Seis anos depois do primeiro encontro com o povo da rua na véspera do Natal, muita coisa mudou na vida deles, do presidente e do país. Para Lula, este talvez seja o melhor momento do ano na pesada rotina da agenda presidencial, aquele em que fica mais à vontade _ e já chama as pessoas pelo nome para brincar com elas. Como ele mesmo diz, só no Brasil…

Vida que segue. Neste primeiro Natal do Balaio, espero que todos os leitores possam ter hoje a mesma felicidade que senti ontem ao participar novamente desta festa do povo da rua, organizada todo ano pelo meu amigo padre Júlio Lancelotti.

Como Lula, conheço esta história: desde o começo dos anos 80, quando trabalhava na Folha, acompanho e faço reportagens sobre a luta deste povo por uma vida mais digna. Foi bonito.
Fonte: Balaio do Kotscho.

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