Militares colombianos assassinaram civis. Depois, eles os vestiram como guerrilheiros para inflar os números da luta antiterrorista, ganhar galões e receber as recompensas prometidas. Quantos crimes foram cometidos dessa forma? A justiça já abriu mais de 1.200 inquéritos.
Philip Alston, relator das Nações Unidas para as execuções extrajudiciais, chegou em 8 de junho a Bogotá. "Estou aqui para escutá-los e tentar entender", ele disse aos parentes das vítimas.
Blanca Gomez vive em Soacha, um subúrbio popular de Bogotá. "Em 2 de março de 2008, meu filho Julian saiu por volta das 19 horas dizendo que ia encontrar um amigo que havia lhe oferecido um emprego. Ele tomou uma ducha e vestiu uma roupa adequada. Nunca mais o vi novamente", ela conta.
Blanca Gomez alertou a Justiça sobre o desaparecimento de seu filho de 19 anos, sem nunca conseguir a abertura de um inquérito. "Somos pobres", ela explica, como que para se desculpar. Cinco meses após o desaparecimento de Julian, um terrível rumor começou a correr.
"Me disseram que jovens do bairro foram encontrados mortos em Ocaña, na região Nordeste", ela diz. A certidão de óbito diz: "Guerrilheiro morto em combate". Seu corpo apresentava seis perfurações de bala nas costas. O rumor virou um escândalo. No jargão militar, um "guerrilheiro morto em combate" é um "positivo". O filho de Blanca faz parte dos "falsos positivos".
"Meu filho tinha problemas, e há vários anos ele se drogava. Imagine, a guerrilha nunca o teria aceitado", suspira Marta Diaz. Ela fechou seu quiosque e viajou a partir de Barranquilla, a grande cidade portuária da costa caribenha. Ela queria que "o homem da ONU" informasse ao mundo inteiro "que o exército colombiano assassina seus cidadãos".
Seu filho Douglas desapareceu em 28 de março de 2006. Ele seria "morto em combate" três dias mais tarde. "A autópsia diz que ele tinha cinco perfurações de bala feitas à queima roupa", ela conta.
Essa mulher vigorosa colocou um anúncio na imprensa, no fim de 2008, para saber se outros partilhavam de seu drama. A Associação das Famílias Unidas para uma Mesma Dor (Asfumido) começou dessa forma. Ela conta com 35 membros. "Todas nós recebemos ameaças", afirma Marta.
Com os depoimentos, é traçado um perfil típico. A vítima de um "falso positivo" é um homem jovem, muitas vezes desempregado, às vezes drogado. Ele mora nos bairros marginais das cidades ou nas zonas rurais afastadas. Um "recrutador" o faz vislumbrar a possibilidade de um trabalho bem pago.
O escândalo dos "falsos positivos" mancha a política de segurança do presidente colombiano, Álvaro Uribe, e faz desconfiar de seus resultados. "Ninguém nega que a guerrilha está enfraquecida. Mas ninguém consegue mais acreditar nos números do governo", resume um diplomata europeu. Segundo pesquisas, o escândalo não foi o suficiente para afetar a popularidade de Uribe, que após sete anos no poder, conta com mais de 60% de opiniões favoráveis.
O chefe do Estado garante que os assassinos serão punidos. Cinquenta e um militares, entre os quais três generais, foram destituídos de suas funções, a primeira vez na historia do país. Mas Uribe recusa qualquer responsabilidade política. De acordo com o discurso oficial, os "falsos positivos" são "casos isolados", que não poderiam lançar culpa sobre a instituição militar. Uribe prefere minimizar o escândalo, ao afirmar que "falsas acusações" foram feitas por advogados "pagos por ONGs internacionais".
No entanto, a ONU denuncia, desde 2004, a prática crescente de execuções sumárias. E as organizações de defesa dos direitos humanos falam de uma prática "sistemática e generalizada".
Será que a política de recompensas financeiras estabelecida pelo governo para vencer as guerrilhas tem sua parte de responsabilidade no escândalo dos "falsos positivos"? O senador Gustavo Petro (esquerda) não tem dúvidas disso. Ele acaba de revelar o conteúdo de uma circular secreta do Ministério da Defesa que data de 2005.
Esse texto fixa o montante de recompensas pagas aos informantes e delatores, em função das capturas que suas colaborações teriam tornado possíveis. Descobriu-se que uma "mula" vale 20 mil pesos (R$ 19); um laptop, 1,5 milhão (R$ 1.360); um fuzil AK-47, 2 milhões, e qualquer guerrilheiro raso, capturado ou morto em combate, 3,8 milhões de pesos.
Petro vê nisso uma "incitação perversa" ao assassinato. Nada nessa circular nº29, parcialmente emendada em 2008, proibia que uma recompensa fosse paga a um militar, que poderia associar-se a um informante para dividi-la. Além disso, o texto menciona as somas a serem pagas para operações "conduzidas no exterior". Ele detalha que as recompensas seriam financiadas pelos recursos nacionais, e pelos fundos trazidos pela cooperação internacional.
O senador Petro se pergunta: será que, por meio do dinheiro do "Plano Colômbia", os Estados Unidos teriam contribuído, sem saber, para remunerar assassinatos de civis?
Fonte: do Le Monde, republicado no UOL/Site O Vermelho.
Um comentário:
Ingrid Bettencourt porque te calas?
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