Argemiro Ferreira
Os 12 cidadãos acima são uma espécie de tribunal superior, instância última na guarda dos segredos do governo invisível dos EUA. É o Conselho de Inteligência dos EUA (USIB), que à época desta foto, no governo do presidente Richard Nixon, era presidido por William Colby, então Diretor Central de Inteligência (e da CIA) – o terceiro, a partir da esquerda. Para críticos do excesso de sigilo – como o National Security Archive (NSArchive), grupo privado que funciona na Universidade George Washington – o governo Obama tem de buscar transparência na prometida revisão dos exageros, que a dupla Bush-Cheney levou ao extremo.
Quem está à direita de Colby na foto é seu então adjunto e vice-diretor da CIA, general Vernon Walters, em parte premiado com esse cargo pelos bons serviços prestados em favor do sucesso em 1964 do golpe militar que pôs fim à democracia no Brasil (ele conseguiu também instalar como primeiro dos cinco presidentes dos 20 anos de ditadura, o amigo Humberto de Alencar Castello Branco). Os demais são (não nesta ordem) o secretário-executivo do USIB, representantes dos departamentos de Estado, do Tesouro, do FBI (Justiça), da AEC (Comissão de Energia Atômica), da DIA, da NSA e da Inteligência do Exército, Marinha e Força Aérea.
Hoje os integrantes do painel são outros, mas com igual representação. Formalmente cabe a esse “tribunal”, também chamado de ISCAP (iniciais em inglês de Painel Interministerial de Apelações de Classificação de Segurança), levantar ou não o sigilo sobre ações secretíssimas da espionagem, além de antigos estudos, análises e papéis ultra-secretos envolvendo a segurança nacional. Mas o NSArchive criticou na última sexta-feira o fato de decisões do ISCAP, mais arejado por incluir tantas agências e apoiar-se na equipe de um Escritório de Supervisão de Informações de Segurança (ISOO), serem às vezes revogadas depois, pela própria espionagem.
Ainda ocultando a história da guerra fria
A coisa funciona mais ou menos assim: alguém (pessoa ou entidade privada, como a o NSArchive) solicita a liberação de papéis e informações (no jargão da espionagem, “desclassificação”), às vezes de décadas atrás, sobre ações ou operações ainda sob a proteção do sigilo. A tendência das agências de espionagem (CIA, DIA, NSA, etc) é sempre dizer um sonoro “não”. Ou porque coisas feitas no passado, mesmo remoto, acabam por gerar questionamentos fundamentados em critérios novos, a partir do que veio depois, ou mesmo porque entre os segredos há ações equivocadas e erros graves de avaliação das próprias agências, que elas preferem esconder do público.
Estão nessa situação um conjunto de documentos que o ISCAP liberou (ou “desclassificou”) recentemente e uma história da CIA que o mesmo painel acabou não podendo distribuir, conforme explicou o NSArchive. Isso ilustra, segundo a organização não governamental, os problemas gerados “pelos atuais padrões e pelas interpretações abertamente rígidas de tais padrões, alem de obstáculos jurídicos, que bloqueiam a liberação de informações históricas no campo da inteligência”. Ou seja, em princípio o ISCAP tem poderes para revogar, modificar ou ratificar decisões das agências de espionagem nos termos solicitados pelos interessados (como o NSArchive) em grau de recurso ou apelação. Mas na prática não é tão simples.
De acordo com o mesmo relato, recentemente o painel decidiu – em resposta a recurso da entidade privada – revogar várias negativas da CIA relacionadas a documentos das décadas de 1960 e 1970. Apesar do ISCAP ter mantido o sigilo para certo material que encarou como segredos mais sensíveis, também concluiu que muitas das informações negadas pela CIA poderiam perfeitamente ser liberadas sem quaisquer danos para a segurança nacional. Para o NSArchive, a tendência das agências de espionagem, em especial a CIA, é de se exceder no sigilo, insistindo em manter sob controle ainda rigoroso a história da fase inicial da guerra fria.
Seguindo Israel na busca da bomba-A
O lado ainda saudável, obviamente, é que diante da cobrança da sociedade – neste caso, a pressão permanente de organizações como a NSArchive – a muralha do sigilo às vezes é vazada. Assim, entre os resultados trazidos pela vitória mais recente daquele grupo privado, agora anunciados em seu website (leia a íntegra e veja os documentos AQUI), estão os seguintes:
A primeira avaliação de inteligência do governo (SNIE), datada de dezembro de 1960, sobre os propósitos das atividades nucleares de Israel num complexo reator nuclear perto de Beersheba: “Acreditamos que a produção de plutônio para armas nucleares é pelo menos um objetivo maior deste esforço”.
Resumos biográficos de membros da delegação soviética às Conversações para a Limitação das Armas Estratégicas (SALT).
Um relatório ultra-secreto de novembro de 1973 sobre a possibilidade de Moscou enviar armas nucleares para as bases soviéticas no Egito durante a guerra do Oriente Médio daquele ano.
O relatório post-mortem da comunidade de inteligência sobre o fracasso da espionagem ao não antecipar o ataque egípcio-sírio a Israel em dezembro de 1973. Ao ser publicado, esse relatório fascinante teve o efeito de um best-seller, só que circunscrito ao establishment de inteligência.
Uma estimativa nacional de inteligência (NIE), de abril de 1986, sobre “A Probabilidade de Ações Nucleares por Grupos Terroristas”, concluindo que “a possibilidade de terroristas tentarem um terrorismo nuclear de alto nível” era “baixa ou muito baixa”. Analistas da CIA especulavam que os grupos terroristas nos anos 1980 podiam sentir-se inibidos em recorrer a ações com baixas civis em massa, mas que inibições poderiam desaparecer com o surgimento de grupos “com outro estado de espírito”.
A espionagem contra a transparência
Apesar da larga autoridade do ISCAP para tomar suas decisões e de seu papel ser elogiável, destacou o NSArchive, a posição inicial da CIA contrária a liberações sugere que persiste a velha tendência da central de espionagem, fiel aos padrões restritivos rígidos do passado recente. O NSArchive também considerou perturbador a agência recorrer à Lei de Informação da CIA para impedir uma decisão do ISCAP destinada a liberar uma história das operações clandestinas do passado, sob o título ”Office of Policy Coordenation, 1948-1952″.
Tais exemplos da CIA, para o NSArchive, indicam que as regras e regulamentos que sustentam o sistema de sigilo permitem às agências de inteligência, em especial a CIA, continuar impondo os padrões estreitos de uma forma irracional. A aparência é de que a comunidade dos espiões ainda mantém, graças às leis em vigor, o poder de impor o véu do sigilo sobre partes relevantes de sua própria história. A promessa de transparência do governo Obama vai esbarrar ainda numa ordem executiva recente, assinada pelo presidente George W. Bush, que praticamente deu poder de veto à CIA sobre as próprias decisões do ISCAP.
O sistema criado para permitir recurso para uma revisão na classificação de informações data dos anos 1970, ainda no governo Nixon – a mesma época da tempestuosa investigação no Senado, presidida por Frank Church, que revelou excessos escandalosos da CIA, entre eles os planos de atentados contra líderes e governantes estrangeiros (saiba mais sobre ele e a investigação AQUI). A discussão levantada agora pelo NSArchive, com experiência relevante na utilização da Lei de Liberdade de Informação (FOIA), certamente é uma contribuição que ajudará o atual governo a cumprir as promessas sobre transparência.
Fonte:Blog do Argemiro.
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