Quando o plenário do Senado Federal se reunir na tarde desta quarta-feira para decidir o destino do senador goiano Demóstenes Torres (ex-DEM), estará chegando ao fim — ou não — uma das maiores farsas já vistas no Parlamento brasileiro.
Tudo indica que o antigo queridinho da imprensa de Brasília, apresentado ao País como o denunciador-geral da República, o último dos honestos, terá seu mandato cassado pelo conjunto da obra, revelada após a prisão do seu amigo e parceiro Carlinhos Cachoeira, mas ninguém pode garantir esse desfecho porque o voto é secreto.
Enquete publicada na edição da Folha de terça-feira informa que 52 dos 81 senadores declararam que vão votar pela cassação de Demóstenes (bastam 41 para que perca o mandato).
O próprio jornal, porém, lembra que, em 2007, 43 senadores também haviam se manifestado numa enquete a favor da cassação de Renan Calheiros (PMDB-AL), acusado de receber uma espécie de ajuda de custo de uma empreiteira, mas na hora do vamos ver apenas 35 confirmaram o voto.
Um deles foi justamente Demóstenes Torres, que fez questão de abrir seu voto com pompa e circustância: "Vou votar da mesma forma que votei da outra vez, pela perda do mandato do senador Renan. Se não serve para ser presidente, não serve para ser senador", pontificou na tribuna, no dia 5 de dezembro de 2007.
Agora, nas voltas que a vida dá, o advogado de Demóstenes, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, ameaça ir ao Supremo Tribunal Federal se algum senador abrir seu voto amanhã.
Pois é exatamente isso que o País espera dos seus representantes: que cada um revele como votou e dê seus motivos. Se, por acaso, Demóstenes for absolvido, e a farsa não chegar ao fim, os eleitores têm o direito de saber quem foi responsável pela desmoralização do Senado Federal.
Por confiar nos milagres do voto secreto, Demóstenes cumpriu sua promessa de ir à tribuna todos os dias, mesmo falando para ninguém no plenário, como aconteceu mais uma vez na segunda-feira.
Cada dia mais patético, o senador goiano nem piscou ao proclamar sua inocência, contra todas as provas e evidências das suas relações especiais com o "empresário de jogos" Carlinhos Cachoeira, de quem foi acusado de ser "despachante de luxo". Naquele que pode ter sido um dos seus últimos atos como senador, Demóstenes teve a coragem de dizer:
"E a verdade é que não quebrei o decoro parlamentar, não cometi ilegalidades, não menti em discurso no plenário do Senado, não percebi vantagem indevida, não pratiquei irregularidades, não me envolvi em qualquer crime ou contravenção, não conhecia as atividades de Carlinhos Cachoeira investigadas pela Operação Monte Carlo".
Só faltou dizer que, ao contrário do que todos pensam, o Demóstenes Torres de quem tanto falam não é ele. Se o ainda senador acredita mesmo no que está dizendo, seu caso é bem mais grave do que se imaginava quando acumulou por muito tempo os papéis de baluarte no combate à corrupção e a de interlocutor preferencial de Carlinhos Cachoeira no Congresso Nacional, sem que ninguém da imprensa desconfiasse.
Como grande ator, o nosso inverossímil personagem conseguiu representar ao mesmo tempo o protagonista e o antagonista de uma farsa que nem os melhores autores de ficção seriam capazes de criar.
Após as últimas cenas em que falou sozinho na tribuna, indiferente ao desprezo dos antigos colegas e dos seus admiradores na imprensa, o nome da peça poderia ser algo na linha "O Grande Cara de Pau".
Blog do Ricardo Kotscho.
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