sexta-feira, 19 de outubro de 2012

MÍDIA - Cháves e a mídia brasileira.


Francisco Fernandes Ladeira
 
Especialista em Ciências
 
Humanas, Brasil: Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de História e Geografia em Barbacena, MG
 
Adital
 
No domingo (7/10), Hugo Chávez foi reeleito presidente da Venezuela pela terceira vez. Em um pleito disputado, conforme já indicavam as pesquisas de intenção de voto, Chávez, candidato do Partido Socialista Unido da Venezuela, obteve 54,66% dos votos, enquanto seu principal adversário, Henrique Capriles, apoiado por uma ampla aliança de partidos de direita, recebeu 44,73% dos votos. Os demais candidatos (Reina Sequera, Luís Alfonso Reyes, Maria Josefina Bolívar e Orlando Chirinos) não atingiram 1%. Em um país onde o voto não é obrigatório, somente 19% do eleitorado não compareceu às urnas.
No poder desde fevereiro de 1999, Chávez passou por diversas intempéries ao longo de seu mandato presidencial: enfrentou uma ferrenha oposição da elite venezuelana, foi ridicularizado pela mídia local, sofreu uma tentativa de golpe de Estado em 2002 e enfrentou um grave câncer de próstata, diagnosticado há pouco mais de um ano.
Hugo Chávez é certamente o líder latino-americano mais polêmico da atualidade. É admirado por uns, odiado por outros. De acordo com o jornalista Saul Leblon, "Chávez fez da Venezuela a sociedade menos desigual da América Latina”. Já o editorial de um partido político da esquerda brasileira aponta que "os logros dos programas sociais implementados por Chávez são indiscutíveis. O percentual de pobres passou de 50,4% da população para 31,6% e o de pessoas vivendo na pobreza extrema de 20,3% para o 8,5%. A expectativa de vida subiu de 72,16 para 74,30 anos e o número de moradias de 2 milhões para 8,2 milhões. O desemprego diminuiu de 16,6% para 7,9%. A renda per capita passou de US$ 8.500 para US$ 12.700”.
O "vencedor moral”
Por outro lado, entre os ferrenhos opositores do presidente venezuelano está a mídia hegemônica brasileira (leia-se famílias Marinho, Civita, Saad e Frias). Desde a primeira eleição de Chávez há uma ostensiva campanha da nossa imprensa conservadora para deturpar a imagem do líder bolivariano no Brasil. Segundo uma matéria da revista Veja, publicada em maio de 2005, "por três razões principais, Chávez representa perigo para a democracia e ameaça à estabilidade na América Latina. A primeira é que, claramente, ele não se contenta em infernizar a vida do próprio venezuelano e começa a lançar pseudópodes por toda uma crescente área de influência no continente americano. Segundo, porque tem a mover seu expansionismo o dinheiro fácil dos petrodólares oriundos da riqueza do subsolo venezuelano. Terceiro, Chávez está semeando insurreição e instabilidade em países que ainda lutam para solidificar suas instituições políticas e jurídicas e suas bases econômicas de progresso material”. Para Arnaldo Jabor, cronista da Rede Globo, Hugo Chávez é um ditador fascista que ainda vai criar uma guerra na América Latina.
Sendo assim, logo após o anúncio da vitória chavista, a mídia hegemônica brasileira, como era de se esperar, despejou todo o seu ódio contra o líder venezuelano. "Na Venezuela de Hugo Chávez, a eleição de domingo nada mudou. O caudilho venceu a oposição de novo [...]. Diante de um Executivo que faz uso irrestrito de cadeias de rádio e TV para cultuar a própria personalidade e da renda do petróleo para multiplicar programas assistencialistas, Capriles teve bom desempenho”, apontou o editorial da Folha de S.Paulo. Já o portal Terra ressaltou que a vitória de Chávez frustrou milhares de venezuelanos que moram no exterior. "Chávez, reeleito, pode apertar o cerco à liberdade de imprensa, às liberdades individuais, às liberdades das empresas privadas”, afirmou Veridiana Morais, da BandNews. "Quase metade dos venezuelanos deixou um claro recado nas urnas: não está satisfeita com o governo, que considera centralizador. Chávez ganhou, mas dessa vez não como invencível. Mais de seis milhões de venezuelanos votaram contra o governo do bolivariano. Ou seja, não estão de acordo com as políticas estatizantes, o exercício do poder e a condução dos programas sociais”, asseverou a repórter Delis Ortiz, da Rede Globo. Segundo o cientista político Carlos Romero, entrevistado pelo Jornal Nacional, "Chávez foi castigado pelas urnas, o que o obriga a considerar a força da oposição. O presidente terá que optar por uma abertura econômica e política”. Seguindo essa linha de raciocínio, para Caio Blinter, apresentador do programa Manhattan Connection, Henrique Capriles, apesar de eleitoralmente derrotado, foi o "vencedor moral” do pleito venezuelano: "Parabéns a Henriques Capriles por sua vitória moral contra Hugo Chávez. Nunca seria fácil para este David sul-americano derrotar o Golias bolivariano (a metáfora bíblica marcou a campanha eleitoral). Mas Capriles fez bonito com sua campanha vibrante, moderna e pragmática contra um aparato de poder fossilizado, corrupto e aparelhado, comandado pelo Hugolias Chávez. [...] Chávez tem câncer e Capriles tem vigor. Claro que o sistema pode inventar um fisiologismo para se preservar se Chávez não conseguir terminar o seu mandato. Em tese, caso o presidente morra durante os primeiros quatro anos do seu mandato, devem ser convocadas novas eleições”. Por fim, a revista Veja destacou, em seu website que o "ditador” e "caudilho” Chávez poderá "estender seu reinado para vinte anos”.
Democracia passa pelo fim do coronelismo midiático
Ora, pelo que consta, Chávez (como todos os governantes progressistas da América do Sul) chegou ao poder pela via eleitoral e está sustentado por uma Constituição recém construída e aprovada pela ampla maioria dos venezuelanos. Como bem destacou Angelo Kirst Adami, em seu trabalho Hugo Chávez, o ditador: o discurso da revista Veja sobre o presidente da Venezuela, "o presidente Hugo Chávez foi eleito e reeleito em eleições democráticas, avalizadas por observadores internacionais e dentro das normas constitucionais; há eleições diretas tanto para o Poder Legislativo quanto para o Executivo; é garantido o direito de voto para todos os cidadãos maiores de idade, sem distinção; e é observado o princípio da maioria numérica. Não se vislumbra, portanto, a existência de um regime ditatorial na Venezuela”.
Diante dessa realidade, cabe aqui uma pergunta capciosa: por que, para a mídia brasileira, governos eleitos pelo voto popular, mas contrários aos interesses estadunidenses, são considerados antidemocráticos; e, por outro lado, as atrocidades de regimes aliados à Washington (Arábia Saudita, Bahrein e Colômbia, por exemplo) são escamoteadas? Ademais, o que se pode esperar de uma imprensa que criminaliza movimentos sociais, que já tentou manipular um processo eleitoral (contra Leonel Brizola em 1982) e contribuiu para a eleição de um presidente altamente corrupto (Fernando Collor em 1989)? Não obstante, é preciso questionar o porquê de a grande mídia brasileira apresentar quase sempre uma visão unidimensional da realidade. Apenas determinado ponto de vista tem espaço nas maiores emissoras de televisão e nos principais jornais e revistas do país. Opiniões divergentes ao status quo são peremptoriamente ignoradas.
Sendo assim, é preciso democratizar os meios de comunicação para que os diferentes setores sociais tenham a oportunidade de defender os seus valores políticos. Em última instância, uma verdadeira democracia passa, inexoravelmente, pelo fim do coronelismo midiático.
[16/10/2012 na edição 716, Observatório da Imprensa].

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