Em 3 pontos: Entenda a queda de braço por trás da decisão sobre os juros
A reportagem é de Ruth Costas, publicada por BBC Brasil.
Até o início da semana, o mercado
apostava em uma alta de 0,5 pontos percentuais (p.p.), em função de
declarações recentes de autoridades do banco ressaltando a necessidade
de se controlar a inflação.
Na terça-feira, porém, o cenário ficou mais turvo com a divulgação de um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) em que a instituição revisou drasticamente suas previsões para a economia brasileira em 2016 - de uma queda de -1% do PIB para uma de -3,5%.
A questão é que o "efeito colateral" de um aumento mais contundente da taxa de juros tende a ser um aprofundamento da recessão.
O presidente do BC, Alexandre Tombini, emitiu uma nota afirmando que via como "significativas" as novas projeções do FMI e que elas serão consideradas pelo Copom.
Muitos analistas interpretaram a declaração como um indício de que a alta pode ser de apenas 0,25 p.p. ou de que o BC pode optar por uma estabilidade da taxa. "Tombini bagunçou o meio de campo", resumiu o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito.
A BBC Brasil
conversou com analistas e economistas de diferentes vertentes teóricas
para entender o que está em jogo nessa tão aguardada decisão sobre os
juros. Confira:
1. Combate à inflação
A taxa de juros sempre foi tida como um
instrumento crucial no combate a inflação. A ideia é que, ao encarecer o
crédito, os juros mais altos ajudam a reduzir o consumo, segurando o
reajuste de preços.
A elevação da taxa também sinalizaria para o mercado que o BC
está disposto a fazer o que for necessário para combater a inflação - o
que faz com que empresários, comerciantes e prestadores de serviço
esperem uma inflação menor para o futuro e reajustem seus preços de
acordo com essa estimativa mais moderada, como explica o professor do Insper Michael Viriato.
"A lógica desse raciocínio é que, com um aumento da Selic, consegue-se ancorar as expectativas para a alta de preços, o que ajuda a conter a inflação inercial", diz.
Como no ano passado a inflação medida pelo IPCA (medição oficial da inflação) ficou em 10,67%, bem acima do teto da meta definido pelo BC
(de 4,5% com margem de 2 p.p. para cima ou para baixo), parte dos
economistas - principalmente os ortodoxos - passaram a defender que,
como resposta, a Selic deveria subir de forma mais contundente.
O próprio presidente do BC deu indicações de que estaria de acordo com essa tese em declarações recentes. Numa carta aberta ao Ministério da Fazenda para justificar o não cumprimento da meta, Tombini reafirmou que adotará as medidas necessárias para manter a inflação de 2016 abaixo de 6,5%. E, em uma entrevista ao Jornal Nacional, ressaltou que a Selic é o instrumento que o BC vem utilizando e "utilizará quando necessário" para atingir tal objetivo.
Tal política, porém, não é consenso.
Para um grupo de economistas, a alta de
juros não seria eficiente no combate à inflação hoje porque não há um
excesso do consumo. Alguns também ressaltam que uma Selic
mais elevada complicaria os esforços do governo de fazer um ajuste
fiscal, uma vez que parte da dívida pública é referenciada pela taxa -
ou seja, essa dívida aumenta conforme os juros sobem.
E alguns acham também que um aumento da
taxa poderia até dificultar o controle de preços, ao fazer com que seja
mais vantajoso para o empresário deixar o dinheiro no banco, rendendo
juros, em vez de investir na economia real - o que poderia levar a uma
restrição da oferta de alguns produtos.
"Em 2015, o que impulsionou a inflação
foi o aumento dos preços administrados, como energia e combustíveis,
além de questões ligadas ao suprimento de alguns alimentos. Como o
problema não é o excesso de consumo, a alta dos juros não será uma
solução. E pode até agravar a recessão na medida em que inibe novos
investimentos", opina Cristina Reis, professora de economia da Universidade Federal do ABC.
Viriato, do Insper,
admite que o peso dos preços administrados na inflação de 2016 foi
grande. "Mas por outro lado, o mercado precisa de um choque de
credibilidade do BC, porque o governo não está dando esse choque quando o tema é o ajuste", diz Viriato.
Para Thais Zara, economista-chefe da Rosenberg Associados, "há argumentos para os dois lados". "Acho que o importante é o BC deixar claro que não vai descuidar da política de inflação qualquer que seja sua decisão agora", diz.
2. Retomada do crescimento
Até quem defende um aumento maior da taxa de juros admite que, no curto prazo, o resultado pode ser um aprofundamento da recessão e mais dificuldade para se retomar o crescimento da economia.
Eles argumentam, porém, que esse é o
preço a ser pago para se segurar a inflação - e que se os preços saírem
do controle, a dificuldade para ajustar a economia será ainda maior.
"A questão é que tanto as expectativas
do cenário nacional quanto as do cenário internacional estão se
deteriorando muito rápido", diz Viriato.
"Recentemente foram reajustadas para baixo as previsões de crescimento para a China e o preço do petróleo caiu em uma velocidade impressionante, por exemplo."
O relatório do FMI, ao fazer um reajuste tão drástico das perspectivas para a trajetória do PIB
brasileiro em 2016, colocou em evidência esse processo e reacendeu os
temores de que a situação brasileira possa piorar bastante antes de
melhorar.
"É por isso que se você tem argumentos
para subir os juros agora, também tem argumentos para esperar um pouco
mais, até porque essa recessão pode ajudar a segurar a inflação", diz Zara.
3. Jogo de interesses e questões ideológicas
Esta será a primeira reunião do BC para decidir sobre a taxa de juros desde a substituição de Joaquim Levy por Nelson Barbosa no Ministério da Fazenda.
A crença do mercado era que Levy
era o defensor, no governo, de um ajuste mais duro, com um corte
drástico de gastos públicos que permitisse o tal "choque de
credibilidade", ainda que isso gerasse mais recessão no curto prazo. Por
isso, ele era o preferido de economistas ortodoxos e do mercado
financeiro.
Já Barbosa - visto com bons olhos por economistas heterodoxos e boa parte do PT - seria adepto de um ajuste brando ou moderado.
Nessa linha de raciocínio, ao nomear Barbosa para a Fazenda - em vez de outro gestor com visão semelhante a Levy -, o Planalto estaria optando pelo ajuste brando, defendido por economistas heterodoxos e parte do PT.
Agora, a decisão do BC sobre os juros também vem sendo analisada à luz dessa queda de braço.
De um lado, o mercado financeiro e economistas ortodoxos pressionam por uma alta mais rápida. Do outro, heterodoxos e parte do PT
são contra essa opção (embora também haja economistas de outras linhas
teóricas e até analistas do mercado defendendo que a alta dos juros hoje
seria ineficiente).
Se o Banco Central
aumentar a taxa em 0,5 p.p. - ou mais - mostrará um alinhamento maior
com o primeiro grupo. Provavelmente será criticado por sindicatos,
movimentos sociais e políticos de esquerda por se "vender ao mercado".
Se a decisão for pela manutenção da taxa
ou uma redução menor, a indicação pode ser a de que está mais permeável
a tese dos que preferem um "ajuste moderado". E no mercado financeiro,
também há quem vá interpretar a decisão como uma capitulação do BC às "pressões do Planalto".
"É claro que os agentes do mercado
financeiro defendem uma alta de juros porque quanto mais a taxa sobe,
mais eles ganham investindo em títulos cuja remuneração acompanha a Selic", critica Reis.
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