Peter Kuznick, especialista em questões nucleares, este professor de
História da Universidade Americana em Washington mostra-se profundamente
preocupado com o clima de tensão entre Washington e Moscovo.
"Precisamos com urgência de diplomacia, mas ainda não vimos sinais de
que Trump seja capaz de ser diplomático", lamenta
Quão amigável acredita que será o encontro entre o secretário de Estado
norte-americano, Rex Tillerson, e o ministro dos Negócios Estrangeiros
russo, Sergei Lavrov?
Podem comportar-se como amigos em privado, mas não o farão em público.
Ambos estão numa posição difícil. Tillerson, tal como Donald Trump, tem
de fazer a expiação da sua amizade passada com a Rússia. Trump mostrou
essa distância com o ataque à Síria e Tillerson tem vindo a fazê-lo com a
condenação do alegado papel da Rússia na utilização de armas químicas
por parte de Assad. Atacou a Rússia pela "cumplicidade" ou pela
"incompetência". São declarações significativas e curiosas para um
membro de um governo que sabe algumas coisas quer sobre cumplicidade
quer sobre incompetência.
Em princípio, Vladimir Putin não irá encontrar-se com Tillerson. De que forma interpreta esta atitude do presidente russo?
Putin está a enviar um sinal simbólico. Ele poderá ter esperado por
relações mais amigáveis com a administração Trump, mas já percebeu que
isso não irá acontecer. Neste momento, nos EUA, não há espaço para uma
amizade com a Rússia. A comunicação social está com uma atitude
histérica anti-Rússia e Trump rodeou-se de russofóbicos. Eu sabia que
isto iria acontecer, só não esperava que fosse tão rápido. Durante a
campanha eleitoral, visitei a Rússia por quatro vezes e falei com vários
grupos académicos, além de ter dado entrevistas a vários meios de
comunicação russos. Avisei os meus colegas de que Trump é um homem
vulgar, vazio, impulsivo, com má índole, oportunista e preconceituoso.
Até podia parecer um amigo, mas depois de estar contra a Rússia é muito
mais perigoso do que seria Clinton. Eles na altura não concordavam
comigo, mas agora julgo que já terão aprendido a lição.
É real o perigo de um conflito entre EUA e Rússia?
É real e é assustador. Os especialistas do Bulletin of the Atomic
Scientists sabiam o que estavam a fazer quando acertaram o relógio do
apocalipse para dois minutos antes da meia-noite - o mais perto que já
estivemos de um conflito nuclear desde 1952. Eu já estava muito
preocupado quando Hillary Clinton defendeu uma zona de exclusão aérea na
Síria. O próprio general Dunford, o chefe do Estado-Maior Conjunto dos
Estados Unidos, avisou que isso levaria à guerra com a Síria e com a
Rússia... Agora, depois dos bombardeamentos, não sei o que Trump terá em
mente para o segundo ato. Para já, é certo que a sua taxa de aprovação
irá subir e conseguiu que a comunicação social começasse a falar de
outra coisa que não apenas da incompetência do seu governo.
Desse ponto de vista o ataque resultou?
Sem dúvida. Antes só se falava da incapacidade da administração e agora
as atenções estão centradas no ataque corajoso que foi feito em nome de
valores mais altos. Confesso que o espetáculo é confrangedor. Quem é que
ele vai atacar a seguir? O Irão? A Coreia do Norte? De novo a Síria?
Neste momento a Síria parece o pretexto mais óbvio para um confronto
entre os EUA e a Rússia, mas também existem outras situações instáveis e
por resolver, nomeadamente na Ucrânia e nos países Bálticos, com o
destacamento de tropas da NATO. Não nos podemos esquecer de que a Rússia
colocou mísseis com capacidade nuclear em Kaliningrado.
A Coreia do Norte é outra questão complicada...
Trump ameaçou que lidaria com o assunto se a China não resolvesse a
questão. Antes da Síria essa parecia ser a questão mais explosiva. Seul é
uma das cidades mais populosas do mundo e está completamente à mercê da
artilharia norte-coreana. Também neste caso, tal como na Síria, não
existe uma solução militar para o problema. Precisamos com urgência de
diplomacia, mas ainda não vimos sinais de que Trump seja capaz de ser
diplomático. Ainda não vimos nenhum sinal que indique que ele é capaz de
pensar de forma estratégica e de antecipar as consequências das suas
ações. É assustador que alguém tão instável e impetuoso possa ter o dedo
no botão nuclear.
E Tillerson?
Durante os primeiros 70 dias de governo deve ter estado num programa
qualquer de proteção de testemunhas porque ninguém o viu nem o ouviu.
Agora aparece como o todo-poderoso Rex, para lutar contra a Rússia,
contra as armas químicas e defender os inocentes no mundo. A
confirmar-se será uma mudança positiva, uma vez que antes, enquanto
chefe da Exxon Mobil, proteger inocentes e não envenenar o planeta eram
objetivos que estavam bastante abaixo na sua escala de prioridades.
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