CELSO LUNGARETTI
A ESQUERDA ESTÁ OU NÃO
COLOCANDO AZEITONA NA EMPADA ALHEIA?
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Desde
o primeiro momento estranhei que a atrapalhada tentativa de derrubar o
presidente Michel Temer estivesse se dando por meio de uma ação
concertada entre (pelo menos) delegados de polícia, promotores da
Lava-Jato, o procurador-geral da República Rodrigo Janot e as
Organizações Globo, com um ponto de interrogação no que tange ao
ministro do STF Edson Fachin, que tanto poderia estar envolvido com a
tramoia quanto haver sido feito de inocente útil.
E estranhei muito mais a participação incendiária (no sentido estrito e no sentido lato) da esquerda em tal tentativa, pois seria a última a lucrar com o êxito do plano.
Hoje se percebe que foi uma das toscas conspirações desse tipo já vistas em todos os tempos, um incrível golpe de Brancaleone,
pior ainda do que aquela desencadeada para privar Leonel Brizola de uma
vitória eleitoral em 1982, igualmente sob os auspícios da Globo.
A
principal prova, uma gravação totalmente ilegal, revelou-se
inconclusiva tão logo ficou conhecida no seu todo, apesar dos esforços
retóricos de Janot para, forçando grotescamente a barra, tentar
convencer o respeitável público que a única interpretação cabível das
respostas lacônicas e ambíguas de Temer era aquela que o desgraçaria.
Depois se descobriu que a gravação da discórdia,
ademais, havia sofrido manipulações amplas, gerais e irrestritas. Dada a
gravidade do que se pretendia obter com ela, é simplesmente inaceitável
que nenhuma perícia tenha sido efetuada antes de virarem o país de
pernas pro ar. Ou Janot e Fachin merecem o impeachment por cumplicidade
com um complô, ou por crassa incompetência. A desculpa esfarrapada de
que a perícia se faria depois, no curso das investigações, ofende a
nossa inteligência.
Hoje
(28/05) a imprensa confirma o que eu também afirmei desde o primeiro
momento: derrubar presidente fraco seria fácil, mas forçar a realização
de eleições diretas não passava de sonho de uma noite de verão.
Dos
líderes dos dez maiores partidos da Câmara e do Senado, que reúnem 72
senadores (89% do total) e 397 deputados (77%), só os do PT, PSB e PDT
apoiariam uma emenda que viabilizasse as diretas-já. Os três juntos
representam menos de 30% das principais bancadas. A aprovação exigiria
60%. Não vai rolar.
E chegamos à pergunta que não quer calar: o que lucra a esquerda servindo como força auxiliar de tal conspiração de direita?
Pois,
se não dispõe de maioria parlamentar para forçar a realização de uma
eleição direta, também não a teria para eleger um dos seus na eleição
indireta que ocorrerá caso Temer seja defenestrado.
Mais:
quem conhece os humores de tal colégio eleitoral, aponta favoritismo
para o tucano Tasso Jereissati, presidente do partido. E não é preciso
muito esforço mental para se deduzir que, se o excesso de candidatos e a
falta de uma nítida superioridade por parte de algum deles levar a um
impasse, com a anulação mútua dos pretendentes, a saída óbvia será a
escolha do sábio ancião da República, Fernando Henrique Cardoso, o único dentre eles que já envergou a faixa presidencial (duas vezes!).
Conviria
à esquerda que um político hábil e articulado como Jereissati ou FHC
substituísse Temer, ave de voos rasteiros, cujo partido não passa de um
balcão de negócios?
É quase nenhuma a chance de, mesmo sobrevivendo ao puxa-tapete,
Temer conseguir fazer o seu sucessor. Já qualquer dos outros dois, com a
caneta presidencial na mão, saberia muito bem encaminhar a vitória
eleitoral tucana em 2018.
Escândalo Proconsult: outra fraude desmascarada.
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Por último, há o que a trapalhada escancarou sobre a Lava-Jato: a existência de segundas intenções por trás dela, nem que seja apenas o de prolongar a caça às bruxas que tanto alavanca a carreira dos dela participantes.
Mas, a coisa pode ser bem pior, como advertiram Christian Lynch e Rodrigo Vianna: um tenentismo togado,
que tenta implodir o sistema político para que, sobre seus escombros,
brote algo diferente, que nem mesmo os demolidores têm clareza quanto ao
que possa vir a ser.
Trouxe-me à lembrança a explicação que, em Deus e o Diabo na Terra do Sol, Antônio
das Mortes dá para sua faina exterminadora de cangaceiros e fanáticos:
ele antevê o dia em que o povo enfim se revoltará contra os poderosos e
acredita que tal guerra deva ser travada "sem a cegueira de Deus e do
diabo", daí estar limpando o caminho para o conflito apocalíptico...
A
falta de clareza dos tenentes de 1930 fez com que sua ação abrisse
caminho uma ditadura de 15 anos e, de certa forma, inspirasse outra
ditadura pior ainda, a dos generais, que durou 21 anos.
E
também por conta da falta de clareza, os ativistas do meio jurídico
agora poderão, como alerta Vianna, propiciar o surgimento de "uma
liderança autoritária, que ofereça um sentido para a destruição
promovida pelo tenentismo togado (...), mas agora com um sentido
regressivo, de recolonização do Brasil".
Afora
os temores que nos deve inspirar o fato de ser uma atuação política
nascida no meio jurídico. O fantasma do advogado Maximilien de
Robespierre nos ronda. Jamais podemos esquecer o terror jacobino, quando
a revolução devorou os próprios filhos!
Se a opinião do advogado Cristiano Zanin Martins for a mesma de Lula, a quem ele defende na Justiça, a euforia ingênua com uma possível vendetta contra Temer não deve implicar uma adesão da esquerda à armação ilimitada em curso: Martins afirmou que o editorial publicado pela revista veja desta semana, denunciando o "estado policial" causado pela Lava-Jato, chegou "com um ano de atraso".
Como
Lula não é bobo nem nada, deve saber muito bem que ele será,
inevitavelmente, uma das primeiras vítimas de tal estado policial.
Então,
servir de coadjuvante para os que armam guilhotinas não é, nem de
longe, a coisa mais inteligente para a esquerda fazer neste momento.
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