SEX, 18/05/2018 - 10:11
A homília do Papa Francisco, ontem no Vaticano, é uma catilinária contra o pacto mídia-Justiça na política.
Criam-se condições obscuras para condenar uma pessoa. Esse método é muito usado hoje também na vida civil, na vida política, quando se quer fazer um golpe de Estado".
A mídia começa a falar mal das pessoas, dos dirigentes, e com a calúnia e a difamação essas pessoas ficam manchadas. Depois chega a justiça, as condena e, no final, se faz um golpe de Estado”.
Essa instrumentalização do povo é também um desprezo pelo povo, porque o transforma em massa. É um elemento que se repete com frequência, desde os primeiros tempos até hoje. O que aconteceu? Fizeram uma lavagem cerebral e mudaram as coisas. E transformaram o povo em massa, que destrói."
Papa Francisco
O papa só assistiu o início do filme. Quando descobrir o filme completo, nem exorcismo e reza brava para resolver.
O roteiro completo é o seguinte:
Passo 1 – A besta contra as instituições.
Cria-se o discurso anticorrupção e de ódio, visando destruir o adversário político. Por ser instrumento de um futuro golpe, o discurso precisa investir contra a Constituição e as prerrogativas dos poderes e impor o chamado direito penal do inimigo, visando despertar a besta que habita a alma dos movimentos de massa.
Passo 2 – A besta contra os conceitos civilizatórios.
Toda a construção democrática repousa em sistemas de freios e contrapesos, não apenas entre instituições mas intra-instituições. E essa construção é cimentada por princípios doutrinários que estão na base do processo civilizatório. Por isso, o movimento precisa desqualificar, igualmente, o conhecimento jurídico, substituindo pelas platitudes punitivistas de Luis Roberto Barroso e Deltan Dallagnol.
Passo 3 – A besta desconstrói as instâncias de apelação
Depois de provar sangue, a besta não quer voltar para a jaula. Amplia-se a busca da justiça direta, com o atropelo da Constituição e a eliminação sucessiva das instâncias de apelação, cujo clímax é a aprovação da prisão após sentença em segunda instância. Consolida-se mais ainda o direito penal do inimigo, especialmente depois que o STF acaba com o instrumento do habeas corpus.
Passo 4 – A besta rompe com a hierarquia do Sistema de Justiça
Ocorre que, no Sistema de Justiça, as instâncias de apelação são um instrumento de controle da base pela hierarquia, na parte positiva impedindo os abusos, na parte negativa se expondo a arreglos políticos.
Em um primeiro momento, a cúpula do Judiciário – em parceria com a mídia – controla o processo. No entanto, a eliminação das instâncias leva, automaticamente, à redução do poder da hierarquia sobre a massa de juízes e procuradores.
Quando se tem uma cúpula do Judiciário dúbia, como o STF (Supremo Tribunal Federal), corporativa ou intimidada, como o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) o quadro desanda e há uma perda total de controle sobre a tropa.
A partir daí, a besta se livra das amarras e todos os abusos são permitidos. E se tem esse espetáculo dantesco do juiz de 1ª instância de Jundiaí investindo contra benefícios concedidos a ex-presidente; a juíza substituta impedindo Prêmio Nobel de visitar Lula; a perseguição implacável do juiz Sérgio Moro a Lula e a perda do pudor, indo se confraternizar com atores políticos estrangeiros beneficiados pelo golpe; juízes, procuradores e delegados alucinados invadindo universidades, tentando impedir debates.
O que se tem, no momento, é o velho Oeste. A tradição imemorial do jagunço brasileiro é incorporada pelo sistema judicial. E passam a explodir justiceiros por todos os cantos, enquanto os xerifes dormitam em algum canto da cadeia e pedem para não serem incomodados.
Mas o jogo não acabou.
Passo 5 – A besta se volta contra suas chefias
Depois da perda de foro dos políticos, o movimento se volta contra os privilégios dos Ministros e desembargadores dos tribunais superiores, e dos próprios integrantes do Ministério Público, com o movimento para retirar também deles as prerrogativas de foro. A rebelião das massas vai chegando ao ápice.
Passo 6 – o grande final
O fim da prerrogativa de foro abriu espaço para um zorra geral e irrestrita. Tornou-se um chá de ipê roxo, que se presta para todas as jogadas. Permite blindar amigos, acelerar punição aos inimigos, sem nenhuma espécie de ordenamento.
O que se tem, agora, é a balbúrdia final, expressa nos seguintes episódios picarescos.
O caso Aécio
Aécio Neves estava prestes a ser julgado pelo STF. Seus advogados sugeriam até que renunciasse ao cargo de Senador, para o caso ser remetido para a 1ª instância e ter o mesmo longo final do mensalão tucano. Aí o Ministro Alexandre Moraes remete o caso para a 1ª instância, livrando Aécio do sacrifício final.
O caso Geraldo Alckmin
O vice-procurador Geral Luciano Maia remete o processo de Geraldo Alckmin, de financiamento de empreiteiras, para o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de Sâo Paulo. Não viu nenhuma contrapartida do governo Alckmin, apesar das empreiteiras em questão terem conquistado todas as grandes obras do Estado.
Depois de livrar Alckmin, resolveu fechar correndo a porta, denunciando a composição dos TREs como ilegítimas.
O caso Gilmar Mendes
O algoritmo amigo do STF jogou no colo de Gilmar Mendes todo o alto tucanato apanhado pela Lava Jato: José Serra, Aloysio Nunes, Aécio Neves, Cunha Lima.
Gilmar montou uma estratégia para aparentar isenção. Tentou reduzir a pena de Lula apenas à inabilitação para as eleições. Ou seja, Lula livre, mas sem se candidatar. Com isso reforçaria a imagem do garantista isento, podendo livrar os amigos aplicando o mesmo peso.
Não deu certo. Toca, então, a distribuir HCs para livrar Paulo Preto, o cúmplice do Paulo Preto, visando blindar os chefes de Paulo Preto. Como observou a arguta Maria Cristina Fernandes, do Valor, com esse movimento Gilmar tornou-se o principal cabo eleitoral do PT, ao comprovar a seletividade do direito brasileiro.
A prerrogativa de foro dos procuradores
A brava Raquel “Janot” Dodge foi uma guerreira incansável contra a prerrogativa de foro dos políticos. A onda criada voltou-se contra o próprio MPF.
O próximo passo provavelmente seria os Airton Beneditos da vida – o inacreditável Procurador Federal dos Direitos Humanos de Goiás – denunciando como “subversiva” a própria Raquel, por requerer a revisão da Lei da Anistia. Toca a colocar o pobre Luciano Maia a discursar no STJ contra a perda dos privilégios de foro do MPF.
Ao mesmo tempo, o CNMP tenta enquadrar procuradores falastrões da Lava Jato, enquanto a ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) defende o que ela chama de “direito de expressão” – o ato de um procurador, com poderes de Estado, fazer proselitismo político nas redes sociais.
Passo 7 – o fator Ernesto Geisel
Geisel enfrentou descontrole similar dos porões quando assumiu a presidência da República. A diferença é que os porões da época matavam fisicamente os adversários; os de agora limitam-se a assassinar a imagem pública e a tirar a liberdade dos inimigos. Mas ambos se tornaram poderes autônomos e anárquicos.
Tendo como estrategista militar o irmão Orlando, a estratégia de Geisel para domar a besta foi, primeiro, convalidar a matança, mas com a condição de prestar conta aos chefes.
Depois, foi gradativamente as enquadrando. Na investida final, a reação foi a sucessão de atentados, culminando com o caso Riocentro e a morte da secretária da OAB. Mas, aí, ele já tinha o controle da situação para demitir Silvio Frota e Hugo Abreu.
O quadro que se tem agora é similar, mas sem Ernesto(s) Geisel(s) no Judiciário e no Ministério Público Federal, e sem OABs, que se tornaram cúmplices do arbítrio do Judiciário.
De qualquer forma, mostra o enguiço institucional desse liberou geral.
Enquanto não for recomposto o poder do Executivo, em mãos firmes, o caos irá se ampliando.
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