sexta-feira, 12 de outubro de 2018

POLÍTICA - "Guarda esta carta".

Gerson Carneiro ao irmão Pedrinho: ”Guarde esta carta; pode ser nossa despedida”


12/10/2018 - 16h21

Da Redação
Gerson Carneiro é leitor e colaborador do Viomundo há quase dez anos.
No primeiro turno dessas eleições, ele votou em candidatos do PT, de cima a baixo, como invariavelmente faz.
Porém, como milhares de brasileiros, Gerson enfrenta um drama político familiar neste momento.
Seu irmão Pedrinho, apaixonado pelo exército brasileiro e evangélico, declarou voto no neofascista Jair Bolsonaro.
Nesta sexta-feira, 12/10, bem cedindo, Gerson mandou-lhe então uma carta, que abaixo reproduzimos:
Meu irmão Pedrinho,
Eu vou te falar uma coisa muito séria.
Isso aqui é uma carta que estou escrevendo.
Você tem sua liberdade de escolha que eu respeito muito.
Eu também tenho.
E na minha liberdade eu penso e digo o que penso.
Tenho vinte mil seguidores no facebook e com eles eu dialogo todos os dias.
Com eles eu falo coisas sérias, conto piadas, dou risada, choro, me emociono, me divirto.
Muitos deles eu já conheço pessoalmente. Sem eles, eu poderia ser um sujeito depressivo.
Caso os militares venham assumir o poder, a primeira coisa que eu vou fazer é encerrar minha conta no facebook e perder o contato com meus amigos.
Porque com os militares no poder eu não vou ter mais liberdade de dizer o que penso e dialogar livremente com meus amigos como hoje eu ainda consigo fazer.
Caso eu não encerre minha conta no facebook, eu vou correr o risco de perder meu emprego, ser torturado, ser assassinado, e ser desaparecido.
Moro em um lugar onde muitas pessoas foram torturadas e desaparecidas simplesmente por dizer o que pensavam.
Ou simplesmente porque os militares julgaram que a pessoa dizia o que pensava, muitas vezes a pessoa nem dizia nada. Mas os militares achavam que ela era subversiva. Ser subversivo é pensar e dizer o que é proibido pensar e dizer.
E muitas vezes as pessoas torturadas e desaparecidas eram delatadas por parentes, vizinhos, colegas do trabalho que por algum motivo, ou por nenhum motivo, não gostavam delas por simplesmente elas pensarem diferente.
Isso pode vir a acontecer comigo. E não é porque sou um vagabundo. Eu não sou vagabundo.
A violência contra os que pensam diferente, especialmente contra os que têm ideologia esquerdista iguais a mim está cada dia mais aumentando. E as autoridades estão incentivando.
Caso ocorra algo comigo nesse sentido, eu quero que você lembre que a tua admiração pelo Exército brasileiro — mais do que pela liberdade das pessoas –, contribuiu para esse estado de coisas.
Mas saiba que você é livre para fazer as tuas escolhas e eu respeito.
Porém, é muito importante para mim que eu deixe isso registrado.
Quero que você saiba que eu tenho uma admiração pela liberdade de pensar e falar infinitivamente maior do que a admiração que eu tenho pelo Exército brasileiro.
Por fim, digo que nossos pais foram perseguidos, sim.
A perseguição aos nossos pais se deu através de duas formas:
1. Eles não podiam pensar e falar o que pensavam. Quantas vezes papaim e mãinha falaram sobre Política com a gente?
Ao menos comigo papaim e mãinha nunca conversaram sobre Política.
Pelo contrário, foram até humilhados por seu Edinho, que era o vereador sabe tudo da cidade e que, na verdade, não passava de um vagabundo. E achava que detinha o direito exclusivo da fala.
O Anselmo, filho do Edinho, arrogante, chegou até a puxar revólver para papaim. Eu, aos onze anos de idade, testemunhei isso.
2. Nossos pais sempre foram obrigados a viver na pobreza.
Na Barra do Mendes chegamos a trocar pedra por comida.
Mãinha só foi viajar de avião e conhecer o mar muito tempo depois de os militares saírem do poder.
Papaim não chegou a viajar de avião e nem conheceu o mar.
Guarde esta carta com você. Pode ser nossa despedida.
Um forte abraço, meu irmão.
12.10.2018. Gerson Carneiro.
Seis horas depois meu irmão respondeu:
“Ideologia eu quero uma pra viver” Cazuza
PS de Gerson Carneiro: Depois que eu publiquei a carta aqui no Viomundo, minha irmã Solange postou uma foto do nosso álbum de família com a mensagem que faço questão de compartilhar com vocês:
Iolanda, eu [Solange] e Gerson. Irmã e irmão. Éramos crianças caladas na época da ditadura militar (sim, era ditadura, não era um “movimento”). Roubaram nossos sorrisos. Esse foi um dia diferente, nos produzimos para o retrato para a posteridade. Crescemos, vencemos a fome e a opressão. Preservamos os sonhos de liberdade e não nos calaremos jamais. #Haddadsim, #Haddad13 #orgulhodesernordestinos

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