Participei de um surto coletivo de humanidade, saí mais viva. Por Paula Vianna
POR PAULA VIANNA
É ainda meio atordoada que passo os dedos pelas fotos da manifestação de 29 de maio no Instagram. Só ontem e por meia hora, vi todas essas caras de uma vez. Por frações de segundos, estive cara a cara com milhares delas. Visitei as emoções de cada um, quase como turista. Raiva, revolta, dor, luto, fome, solidão, coragem, esperança.
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Há mais de um ano em casa, vendo uma pessoa ou outra a cada quinze dias, o que aconteceu ontem na avenida Paulista trouxe pra mim, e a quem assiste pelas redes sociais, um verdadeiro choque de humanidade.
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O que vemos nas ruas de todo o Brasil é uma mistura incalculável de gritos, que vão das dores mais profundas à alegria e euforia de estar vivo e capaz de lutar por uma vida menos pior. Do filho que carrega um boneco num saco de lixo, lembrando a morte do pai por covid, ao garoto que passeia com o cachorro trajado com Fora Bozo bordado em lantejoulas. Da dança circular de povos indígenas agonizantes ao borogodó de blocos de Carnaval.
É incrível como apesar de vivermos a forma mais dura do que um governo burguês é capaz de impor a seu povo, sempre duvidamos da nossa própria capacidade de reação. A maioria dos analistas, da imprensa do Twitter ou de Instagram, não conseguiu capturar a força desse movimento chegando.
Enquetes publicadas em todo o lugar mostravam baixos índices de adesão, em torno de no máximo 30%, mesmo nos perfis da bolha da esquerda. Apesar do exemplo de manifestações ocorridas já na pandemia, como nos Estados Unidos, que não ocasionou explosão de casos de Covid, e agora na Colômbia, que mostrou protocolos de segurança razoáveis, muitos de nós não foram às ruas.
Eu fui, mas fui com medo, com muito cuidado e a promessa de que se me sentisse insegura, sairia rápido. E foi exatamente isso o que fiz, mas fiz não só pela insegurança da concentração na avenida Paulista crescer muito, antes de descer livre e distanciada pela Consolação. Voltei pra casa satisfeita e confortável com a constatação de que nem todos precisamos vestir escudos de plástico e empunhar álcool gel na mão, enquanto isso ainda não é possível, mas alguma coisa está sendo feita da maneira certa.
O medo real de uma terceira onda existe e é legítimo, o que torna ainda mais digno, engrandecedor e humano o que aconteceu neste 29 de maio. A organização das manifestações que precedem esse ato nos apontaram um caminho. As frentes Povo sem Medo, Brasil Popular e Coalizão Negra por Direitos, que congregam dezenas de entidades, chamaram essa manifestação, ainda que no território hostil em que estamos vivendo, e o chamado ecoou. Ecoou principalmente entre os jovens e uma parcela menor a partir dos 50 anos, é verdade, mas é exatamente essa perspectiva de gerações futuras de lutadores que me fizeram arregar e voltar feliz pra casa.
O anti-bolsonarismo nas ruas em tempos de pandemia ainda tem o que aprender. Evitar muito tempo na concentração, por exemplo, pode melhorar o distanciamento. Nas próximas manifestações, espero estar vacinada. Os atos serão maiores e podemos derrubar juntes a perspectiva de reeleição de Bolsonaro.
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