Sinais de ameganhamento do Ministério Público e do Judiciário
Sinais de ameganhamento do Ministério Público e do Judiciário
por Eugênio Aragão
A linguagem trai, por vezes, nossas
mais íntimas intenções. Adjetivações em excesso, por exemplo, demonstram
estado emocional desequilibrado de quem delas abusa em seus escritos
argumentativos, seja no plano das asserções políticas, seja em peças
processuais em juízo.
É razoável que a parte privada num
processo, no uso de seu direito de espernear e na exibição de sua
inconformação, lance mão de adjetivos e até de agressividade verbal. A
defesa, numa ação penal, é, afinal a parte mais fraca e seu protesto
verbalmente violento contra abusos de agentes público não é nada mais
que o exercício do direito de manifestação política. Às favas com as
descompensações emocionais!
A justiça penal é um espaço público em
que se confrontam o cidadão e o estado, que está no uso de seu
"monopólio de violência". A assimetria entre a posição de um e a de
outro é gritante e, por isso, há, para enfraquecê-la, a previsão de
garantias fundamentais, dentre os quais o direito a contraditar, sem
limites, dentro de balizamentos civilizatórios, os fundamentos da
acusação.
Diferente é a posição da autoridade
que promove a persecução penal, um ator público, representante do
estado. Este não tem direito de exibir emoções. É obrigado à sobriedade,
porque o estado deve usar seu direito de punir de forma parcimoniosa,
dispondo-se eventualmente a recuar no seu impulso acusatório, para obter
a absolvição do réu, quando se convença friamente de sua inocência.
Semana passada, leu-se na mídia, que,
em mais um confronto entre a defesa do presidente Lula e o popstar
Sergio Moro, os advogados reclamaram da ausência de contenção do órgão
do ministério publico, que excessivamente fazia uso de adjetivos
desqualificadores da defesa e da parte. Sugeriram que isso poderia vir a
tornar o órgão de acusação suspeito, porque imbuído de emoções. A
crítica foi rechaçada pelo juiz conferencista premiado, sob o fundamento
de que as peças da defesa continham bem mais adjetivos.
Ora, ora, o juiz parece não ter
entendido qual é a diferença entre a posição da defesa e a da acusação
no processo penal. Há coisas que a defesa pode e o representante do
estado não pode. A defesa não é obrigada a se conter e tem direito, até,
de ir além dos limites da ofensividade, porque goza de imunidade para
isso (Art. 132 do Código Penal), já a acusação, como parte da
administração pública, é submetida ao princípio da impessoalidade e
emoções personalizam o estado de espírito subjetivo do agente que atua
no processo, coisa que infringe nossa constituição, ultimamente tão
aviltada por seus guardiães institucionais.
Ainda que popstars também, os
Dallagnóis não têm direito de fazer do processo uma exibição de seus
impulsos pessoais. A ninguém deve interessar se a acusação é
representada por um Dallagnol, um Joãozinho ou um Manoelzinho e quais
seus estados de ânimo. Eles têm que se conter, porque emoções revelam
simpatias ou antipatias pela parte oposta, que são incompatíveis com a
impessoalidade e a imparcialidade que devem reger a atuação do
ministério público como um misto de parte e fiscal da lei.
Aliás, desde o processo do mensalão no
Supremo Tribunal Federal, assistimos, já sem nenhum espanto ou
estranheza, ao judiciário e ao ministério público se esmerarem no tom
desqualificador dos réus. Muito desse clima de ódio que espalhou pelo
País tem como semente o comportamento emocionalmente desequilibrado do
relator da APn 470-DF no Supremo Tribunal Federal. Achou-se, este, no
direito de usar tom de indignação extrema, atitude que se avizinha ao
populismo. A justiça deixou de se esforçar por ser imparcial, passou a
adjetivar suas manifestações e a usar até linguagem de baixo calão
jurídico, típico das repartições policiais. Só como exemplo, observemos
como os substantivos "oitiva", "oitivado" e o verbo "oitivar", estranhos
ao vernáculo, passaram a pulular nas decisões do excelso sodalício.
Essas palavras, em tempos normais, eram típicas do dialeto de meganhas,
mas jamais seriam usadas no ambiente mais elaborado do judiciário, onde
se costumava usar os termos técnicos "inquirição", "inquirido" e
"inquirir". Do mesmo modo, denúncias eram "oferecidas" e não
"ofertadas", particípios que não são sinônimos. Aliás, até o
"oferecimento" de denúncia denota postura submissa de quem o faz,
impróprio de um processo de discurso horizontal, típico do processo
acusatório. O correto seria usar-se "apresentar denúncia". Mas, "ofertar
denúncia", se parece mais com sacrifício de um cordeiro à Deusa Diké.
A disseminação do "meganhês" no fórum é
um mal sinal dos tempos dramáticos que vivemos. Magistrados já não se
veem como agentes imparciais do julgamento justo. Não se faz justiça,
mas show midiático para o deleite de um público desorientado, ávido por
valores que possam nortear sua atitude perante fatos que a grande mídia
retrata como hostis ao "sentimento saudável do povo", bem ao estilo do
"gesundes Volksempfinden" do tribunal popular do Sr. Roland Freisler.
A justiça, portando-se não como
magistratura isenta, mas como um bate-pau, não contribui para a imagem
duma instituição do estado democrático de direito, mas, sim, para a de
um apêndice do aparato repressivo deformado de nosso recém instalado
estado de exceção permanente. Tem razão, a defesa de Lula, de chamar
atenção para mais esse sinal de deterioração do tecido institucional,
necessário para dar credibilidade ao estado.
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