Há quase 200 dias, desde que Lula foi levado para as masmorras do juiz Sergio Moro em Curitiba, que um grupo de pessoas, a maioria delas do MST (Movimento dos Sem-Terra), se reveza em vigília ao ex-presidente nas proximidades da Superintendência da Polícia Federal. Aproveitei que fui fazer uma oficina para jovens sindicalistas na capital paranaense e visitei o lugar onde estes irredutíveis lulistas esperam seu líder ser libertado.
Na verdade, há vários pontos de apoio a Lula perto da PF, e eu visitei três deles. Bem em frente à Superintendência fica a Vigília Lula Livre, que é onde são dados os bom dias, boa tardes e boa noites ao ex-presidente, com a providencial ajuda do pintor Adinaldo Aparecido Batista, o Batista do Megafone, que partiu para lá de Limeira, São Paulo, no mesmo dia da prisão, em 7 de abril. “Aqui eu tenho tudo, comida, dormida. Só saio daqui quando soltarem o Lula”, diz.
Os famosos que chegaram para visitar o petista, como o prêmio Nobel da Paz Adolfo Perez Esquivel, o linguista e ativista Noam Chomsky, e o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica, foram recebidos ali. O local, alugado pela campanha de resistência para evitar problemas com os vizinhos, é bem simples. Tem algumas cadeiras, um posto de saúde e algumas barraquinhas para venda de camisetas e bonés. O dinheiro obtido é revertido para os gastos com a Vigília, sobretudo alimentação. Tudo está impecavelmente limpo e organizado.
A uma quadra dali fica o Espaço Marielle Franco, onde acontecem cursos de formação para os militantes que permanecem acampados apoiando Lula. Lá, os sem-terra ergueram uma casa para alojar o pessoal, já que a construção que havia no terreno estava destruída.
Chegamos na hora do almoço e subia um cheiro delicioso da cozinha, onde Maria Maciel da Silveira, que mora numa ocupação em Curitiba, cuidava das panelas com o maior apuro: seguindo as normas da vigilância sanitária, ninguém entra na cozinha sem proteger o cabelo.
Pergunto para Maria o que ela cozinha, se há algum cardápio diário. “Nós faz o que tem”, ela responde. A maior parte dos alimentos é doada, mas quando falta alguma coisa é preciso usar o dinheiro em caixa, também proveniente de doações, para fazer compras. Mas dá para mandar uma marmita pro Lula na cela? “Não pode, eles não deixam. Mas com certeza o cheiro ele sente.”
O teólogo Tili Chávez (em homenagem ao líder venezuelano) é o coordenador do espaço. Foi dele a ideia de fazer um mural no lugar, com personagens de esquerda. Além de Marielle, estão retratados Chávez, Fidel, Marx, Engels, Lenin, Rosa Luxemburgo, o papa Francisco… “Escolhi os personagens a partir de uma concepção de crítica e autocrítica da atual conjuntura e do pensamento da própria esquerda. Aqui temos não só um espaço de resistência à prisão do Lula, como de formação política, não tem nada de política partidária aqui.”
Os desenhos incrivelmente realistas foram executados pelo artista Tarcísio Leopoldo, do MST paranaense, com aerógrafo. Quando chegamos ele estava terminando o desenho do Che.
Há um canteiro com mudas de árvores nativas. Todos os dias é plantada uma árvore num terreno baldio mais abaixo, ao lado da escola municipal do bairro. Já foram, portanto, mais de 170 árvores até agora, praticamente um bosque do Lula. Uma das mudas foi plantada pela mãe de Marielle quando visitou o lugar.
A mais ou menos um quilômetro dali fica o Acampamento Marisa Letícia, em outro terreno que estava desocupado. No lugar, há barracas de camping onde dormem cerca de 40 pessoas, entre elas Maria Flor Guerreira, índia pataxó da Bahia. “Me formei em Ciências Sociais na UFMG graças ao Lula”, ela me diz. O grupo promove shows de música, debates e apresentações de teatro para entreter a turma e manter a mobilização.
Maria Flor me mostra o local, também muito bem cuidado e capinado, com jardins e horta mantidos por eles. Em volta da horta, ciscam o galo Zé Dirceu e a galinha Carmen Lúcia. Os banheiros estão limpíssimos, assim como os lençóis e colchões das barracas.
Apesar da precariedade, tudo parece bem aconchegante. “A gente é pobre, mas é limpo”, brinca Maria Flor.
Do acampamento já saiu uma candidata a deputada estadual pelo PT, Edna Dantas, que pretende se tornar a primeira negra a se eleger para a Assembleia Legislativa do Paraná, onde 30% da população se declarem pretos ou pardos.
Na frente do terreno onde está o Acampamento Marisa Letícia tem uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, que já estava ali quando eles chegaram. Coincidentemente, Aparecida era a santa de devoção de Marisa…
Para doar à Vigília Lula Livre, clique aqui.