Novo leilão da Petrobras, maná para as petroleiras
As empresas irão lucrar, estima-se, até 3 trilhões de reais.
Por Eduardo Costa Pinto*
Na sexta-feira 28, a Agência Nacional do Petróleo realizará a 5ª rodada de partilha para a exploração e produção de petróleo e gás natural no pré-sal.
Serão licitados quatro blocos (Saturno, Titã, Pau-Brasil e Sudoeste de Tartarura Verde) que abrangem uma área de 2.864 quilômetros quadrados e com capacidade de óleo recuperável estimado (in situ não riscados) de 17,39 bilhões de barris. O valor arrecadado com o bônus de assinatura pode alcançar o montante de 6,82 bilhões de reais caso todos os blocos sejam adquiridos.
Esse volume estimado de óleo recuperável para os quatro blocos representa hoje – considerando o câmbio de 4,10 reais por dólar e o preço do petróleo Brent de 80 dólares por barril – uma riqueza potencial da ordem de 5,7 trilhões de reais (86% do PIB brasileiro em 2017). Mas será viável economicamente extrair essa riqueza enterrada abaixo de 7 mil metros na camada pré-sal?
Há pouco tempo a mídia e alguns especialistas da área de energia questionavam a viabilidade econômica do pré-sal. Em editorial de 20 de dezembro de 2015, o jornal O Globo afirmou que o pré-sal poderia ser um patrimônio inútil. O ex-presidente da Petrobras, Pedro Parente, quando assumiu a empresa, afirmou que “houve certo endeusamento do pré-sal”.
Em menos de três anos, O Globo estampou (em 16 de julho deste ano) na capa do caderno Mercado a seguinte manchete: “Pré-sal de Ouro”. Muitos especialistas passaram a afirmar que o pré-sal se tornou a mais importante região petrolífera do mundo e com custos de exploração decrescente em virtude da alta produtividade dos poços, da melhora na eficiência operacional e da elevada taxa de sucesso na exploração.
Chama atenção que essa mudança na avaliação do pré-sal somente tenha ocorrido depois do golpe parlamentar de 2016 e das profundas mudanças regulatórias que beneficiaram as petroleiras internacionais (retirada da Petrobras como operadora única, redução da exigência do conteúdo local e ampliação do Repetro, que ampliou a redução de tributos para as importações de máquinas e equipamentos para o setor).
O pré-sal, desde a sua descoberta, sempre foi viável economicamente. Ficou ainda mais evidente com o avanço da exploração e desenvolvimento dos blocos. Em março de 2016, a apresentação do balanço da Petrobras de 2015 deixava muito claro, ao destacar que projetos do pré-sal apresentavam as maiores produtividades mundiais e custos decrescentes. Não por acaso, os projetos atuais no pré-sal são competitivos com os desenvolvidos no Oriente Médio que possui os menores custos de produção.
Com isso, a produção no pré-sal gerará enormes excedente/lucro econômico –a diferença entre o preço de mercado do petróleo e os custos de produção – que estão e serão disputados por diversos segmentos nacionais e estrangeiros.
Ou seja, o argumento que somente com as mudanças regulatórias haveria atração das petroleiras internacionais para investir no pré-sal é uma falácia. Essa abordagem, na contramão dos interesses nacionais, desfrutou de forte apoio dos meios de comunicação e do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, que tem como associados as principais petroleiras internacionais.
No caso específico dos quatro blocos ofertados na 5ª rodada de partilha, o excedente estimado é da ordem 3,7 trilhões de reais a valor presente. Esse montante é obtido pela diferença entre a riqueza potencial (volume estimado x preço do Brent x taxa de câmbio = 5,7 trilhões de reais) e os custos dos projetos com investimentos, operacionais e tributos (volume estimado x break even = 2,1 bilhões).
Para esse cálculo, os seguintes dados correntes foram utilizados: i) preço do Brent de 80 dólares; (ii) taxa de câmbio de 4,10 reais por dólar; e (iii) break even de 30 dólares por barril (preço mínimo a partir do qual a produção é economicamente viável levando em conta os investimentos, custos operacionais e tributação a valor presente) que é o divulgado pela Petrobras para os seus atuais projetos no pré-sal.
Na atual rodada, o modelo de contrato de exploração é o de partilha, cujo critério de decisão do leilão é dado pela parcela do excedente óleo destinado à União.
A ANP estabeleceu os seguintes percentuais mínimos: 17,5% para Saturno, 9,5% para Titã, 24,8% para Pau-Brasil e 10% para Sudoeste de Tartaruga Verde. Caso todos os blocos sejam arrematados pelo percentual mínimo, a União irá obter cerca de 700 bilhões, ao passo que as petroleiras obterão 3 trilhões de lucro.
Com o atual preço do petróleo e com a estrutura de custos dos projetos no pré-sal, as áreas arrematadas deverão apresentar um ágio elevado. Mesmo assim ainda garantirá uma expressiva apropriação da renda pelas petroleiras, em especial as estrangeiras.
Além da questão da viabilidade econômica, outro ponto muito debatido entre os especialistas da economia da energia diz respeito à velocidade de exploração do pré-sal e, consequentemente, do cronograma de leilões que foi acelerado após 2016.
Muitos analistas, assim como o IBP, defendem essa estratégia, pois acreditam que ocorrerá a partir de 2030 uma redução contínua da demanda de petróleo (peak oil demand) em virtude do crescimento de energias alternativas para o transporte automotivo (expansão do carro elétrico).
Com isso, os preços do petróleo apresentariam uma tendência de queda, reduzindo a capacidade de geração de excedente nos projetos do pré-sal. Ou seja, quanto mais rápido explorar maiores seriam os ganhos. E como a Petrobras não tem capacidade financeira para explorar o pré-sal de forma acelerada, a melhor opção econômica seria incentivar a entrada de petroleiras estrangeiras.
É evidente que a utilização de fontes alternativas no transporte automotivo pode alterar o consumo do petróleo num determinado momento do tempo, dada uma determinada trajetória tecnológica, economia e institucional/política. A previsão de um peak oil demand para 2030 é, porém, um cenário pouco provável.
Documento da BP (Peak oil demand and long-run oil prices de 2018) afirmou que: i) caso a demanda de petróleo atinja uma pico, é incerto prever quando isso pode ocorrer dada as suposições dos cenários de previsão; e ii) mesmo que a demanda de petróleo alcance esse pico, o mundo continuará consumindo grandes quantidades de petróleo.
Ou seja, o petróleo continuará por um bom tempo como importante recursos estratégico. Nesse sentido, a teoria do peak oil demand para 2030 tem sido utilizada no Brasil como instrumento política para legitimar a ampliação da apropriação dos excedente do pré-sal pelas petroleiras estrangeiras.
Dado o grande potencial atrativo dos leilões do pré-sal (custos de exploração decrescente e elevada taxa de sucesso exploratório), as mudanças regulatórias adotadas após 2016 significaram a seção de enormes massas de excedente para as empresas petroleiras internacionais em detrimento da redução dos ganhos para o Estado que poderia usar esses recursos para obtenção de avanços tecnológico, industrial e social.
Em linhas gerais, a ampliação das petroleiras estrangeiras na exploração do pré-sal está muito mais associada à pressão por elas exercida, desde a descoberta dessas reservas, do que fruto de medidas institucionais e setoriais voltadas ao aumento da concorrência que supostamente provocaria um aumento do bem-estar para todos.
Somente no Brasil, sob profunda crise institucional, a teoria do peak oil demand consegue dar legitimidade para que as petroleiras possam obter até 3 trilhões de reais de lucro em uma única rodada.
* Professor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do INEEP/FUP.
Serão licitados quatro blocos (Saturno, Titã, Pau-Brasil e Sudoeste de Tartarura Verde) que abrangem uma área de 2.864 quilômetros quadrados e com capacidade de óleo recuperável estimado (in situ não riscados) de 17,39 bilhões de barris. O valor arrecadado com o bônus de assinatura pode alcançar o montante de 6,82 bilhões de reais caso todos os blocos sejam adquiridos.
Esse volume estimado de óleo recuperável para os quatro blocos representa hoje – considerando o câmbio de 4,10 reais por dólar e o preço do petróleo Brent de 80 dólares por barril – uma riqueza potencial da ordem de 5,7 trilhões de reais (86% do PIB brasileiro em 2017). Mas será viável economicamente extrair essa riqueza enterrada abaixo de 7 mil metros na camada pré-sal?
Há pouco tempo a mídia e alguns especialistas da área de energia questionavam a viabilidade econômica do pré-sal. Em editorial de 20 de dezembro de 2015, o jornal O Globo afirmou que o pré-sal poderia ser um patrimônio inútil. O ex-presidente da Petrobras, Pedro Parente, quando assumiu a empresa, afirmou que “houve certo endeusamento do pré-sal”.
Em menos de três anos, O Globo estampou (em 16 de julho deste ano) na capa do caderno Mercado a seguinte manchete: “Pré-sal de Ouro”. Muitos especialistas passaram a afirmar que o pré-sal se tornou a mais importante região petrolífera do mundo e com custos de exploração decrescente em virtude da alta produtividade dos poços, da melhora na eficiência operacional e da elevada taxa de sucesso na exploração.
Chama atenção que essa mudança na avaliação do pré-sal somente tenha ocorrido depois do golpe parlamentar de 2016 e das profundas mudanças regulatórias que beneficiaram as petroleiras internacionais (retirada da Petrobras como operadora única, redução da exigência do conteúdo local e ampliação do Repetro, que ampliou a redução de tributos para as importações de máquinas e equipamentos para o setor).
O pré-sal, desde a sua descoberta, sempre foi viável economicamente. Ficou ainda mais evidente com o avanço da exploração e desenvolvimento dos blocos. Em março de 2016, a apresentação do balanço da Petrobras de 2015 deixava muito claro, ao destacar que projetos do pré-sal apresentavam as maiores produtividades mundiais e custos decrescentes. Não por acaso, os projetos atuais no pré-sal são competitivos com os desenvolvidos no Oriente Médio que possui os menores custos de produção.
Com isso, a produção no pré-sal gerará enormes excedente/lucro econômico –a diferença entre o preço de mercado do petróleo e os custos de produção – que estão e serão disputados por diversos segmentos nacionais e estrangeiros.
Ou seja, o argumento que somente com as mudanças regulatórias haveria atração das petroleiras internacionais para investir no pré-sal é uma falácia. Essa abordagem, na contramão dos interesses nacionais, desfrutou de forte apoio dos meios de comunicação e do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, que tem como associados as principais petroleiras internacionais.
No caso específico dos quatro blocos ofertados na 5ª rodada de partilha, o excedente estimado é da ordem 3,7 trilhões de reais a valor presente. Esse montante é obtido pela diferença entre a riqueza potencial (volume estimado x preço do Brent x taxa de câmbio = 5,7 trilhões de reais) e os custos dos projetos com investimentos, operacionais e tributos (volume estimado x break even = 2,1 bilhões).
Para esse cálculo, os seguintes dados correntes foram utilizados: i) preço do Brent de 80 dólares; (ii) taxa de câmbio de 4,10 reais por dólar; e (iii) break even de 30 dólares por barril (preço mínimo a partir do qual a produção é economicamente viável levando em conta os investimentos, custos operacionais e tributação a valor presente) que é o divulgado pela Petrobras para os seus atuais projetos no pré-sal.
Na atual rodada, o modelo de contrato de exploração é o de partilha, cujo critério de decisão do leilão é dado pela parcela do excedente óleo destinado à União.
A ANP estabeleceu os seguintes percentuais mínimos: 17,5% para Saturno, 9,5% para Titã, 24,8% para Pau-Brasil e 10% para Sudoeste de Tartaruga Verde. Caso todos os blocos sejam arrematados pelo percentual mínimo, a União irá obter cerca de 700 bilhões, ao passo que as petroleiras obterão 3 trilhões de lucro.
Com o atual preço do petróleo e com a estrutura de custos dos projetos no pré-sal, as áreas arrematadas deverão apresentar um ágio elevado. Mesmo assim ainda garantirá uma expressiva apropriação da renda pelas petroleiras, em especial as estrangeiras.
Além da questão da viabilidade econômica, outro ponto muito debatido entre os especialistas da economia da energia diz respeito à velocidade de exploração do pré-sal e, consequentemente, do cronograma de leilões que foi acelerado após 2016.
Muitos analistas, assim como o IBP, defendem essa estratégia, pois acreditam que ocorrerá a partir de 2030 uma redução contínua da demanda de petróleo (peak oil demand) em virtude do crescimento de energias alternativas para o transporte automotivo (expansão do carro elétrico).
Com isso, os preços do petróleo apresentariam uma tendência de queda, reduzindo a capacidade de geração de excedente nos projetos do pré-sal. Ou seja, quanto mais rápido explorar maiores seriam os ganhos. E como a Petrobras não tem capacidade financeira para explorar o pré-sal de forma acelerada, a melhor opção econômica seria incentivar a entrada de petroleiras estrangeiras.
É evidente que a utilização de fontes alternativas no transporte automotivo pode alterar o consumo do petróleo num determinado momento do tempo, dada uma determinada trajetória tecnológica, economia e institucional/política. A previsão de um peak oil demand para 2030 é, porém, um cenário pouco provável.
Documento da BP (Peak oil demand and long-run oil prices de 2018) afirmou que: i) caso a demanda de petróleo atinja uma pico, é incerto prever quando isso pode ocorrer dada as suposições dos cenários de previsão; e ii) mesmo que a demanda de petróleo alcance esse pico, o mundo continuará consumindo grandes quantidades de petróleo.
Ou seja, o petróleo continuará por um bom tempo como importante recursos estratégico. Nesse sentido, a teoria do peak oil demand para 2030 tem sido utilizada no Brasil como instrumento política para legitimar a ampliação da apropriação dos excedente do pré-sal pelas petroleiras estrangeiras.
Dado o grande potencial atrativo dos leilões do pré-sal (custos de exploração decrescente e elevada taxa de sucesso exploratório), as mudanças regulatórias adotadas após 2016 significaram a seção de enormes massas de excedente para as empresas petroleiras internacionais em detrimento da redução dos ganhos para o Estado que poderia usar esses recursos para obtenção de avanços tecnológico, industrial e social.
Em linhas gerais, a ampliação das petroleiras estrangeiras na exploração do pré-sal está muito mais associada à pressão por elas exercida, desde a descoberta dessas reservas, do que fruto de medidas institucionais e setoriais voltadas ao aumento da concorrência que supostamente provocaria um aumento do bem-estar para todos.
Somente no Brasil, sob profunda crise institucional, a teoria do peak oil demand consegue dar legitimidade para que as petroleiras possam obter até 3 trilhões de reais de lucro em uma única rodada.
* Professor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do INEEP/FUP.
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