Adulador de Lula, autor de áudios que viralizaram, sonhou que recebeu chaves de Moro para tirar o ex-presidente da cadeia
22 de setembro de 2018 às 15h00
Ouça acima alguns dos áudio de “adulador” de Lula
Áudios para ‘adular’ Lula e Haddad são gratidão por feitos no Nordeste, diz autor
Mensagens que viralizaram pelo WhatsApp brotaram da história de Pedro Félix, que trocou a roça pela construção e por conta de políticas sociais viu sua vida, da família e dos amigos se transformar
Em Lavras de Mangabeira, no interior do Ceará, a 434 quilômetros de Fortaleza, o sol esturricante é comum.
A cidade de 31 mil habitantes tem como principais atividades econômicas a agricultura, a pecuária e o trabalho nas indústrias localizadas nos municípios da microrregião do Cariri — uma das regiões visitadas pela Caravana Lula pelo Brasil, há um ano.
Em Mangabeira, um dos seis distritos da zona rural de Lavras, povoado em sua maior parte por agricultores, a rotina é de carências.
Lá nasceu e vive até hoje Pedro Félix Diniz, de 44 anos.
Pedro se identifica como construtor, porque faz um conjunto de atividades entre pedreiro, mestre de obras e operador na recuperação de edificações, ao lado de uma equipe de amigos.
Com pouco estudo, trabalhador da roça desde a infância ao lado dos cinco irmãos e do pai, que com mais de 70 anos continua com seu roçado, ficou conhecido nos últimos meses por gravar áudios engraçados e espalhar por redes sociais.
Neles, manifesta seu carinho extremo pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – “hoje acordei com uma vontade danada de adular Lula…”, diz em um dos mais famosos.
Os áudios, como ele conta, representam um reconhecimento das mudanças ocorridas em sua vida pessoal e em sua região depois dos governos de Lula
Depois da proibição da candidatura do líder petista pelo Tribunal Superior Eleitoral, Pedro Félix incorporou o entendimento de que “Haddad é Lula”.
E passou a gravar frases transferindo sua “adulação” para o candidato oficializado pelo PT à presidência da República.
Fernando Haddad, segundo colocado nas pesquisas eleitorais, segue em busca da transferência das intenções de voto que davam a liderança ao ex-presidente.
Muitos chegaram a achar que os áudios eram feitos por algum comediante, ou tinham orientação publicitária.
Pedro, por sua vez, fica assustado quando é chamado para participar de algum programa de rádio.
Os áudios, como ele conta, representam um reconhecimento das mudanças ocorridas em sua vida pessoal e em sua região depois dos governos de Lula.
São sua forma de “lutar” para que o país volte a oferecer condições para os que querem trabalhar, investir e, como ele, “melhorar de vida”.
Dividir sandálias
“Eu falo em tom de brincadeira quando digo que vou dar meu dedo mindinho ao doutor para implantar no Lula, ou quando peço para ser preso com o Lula, mas isso tudo traduz minha verdade. Esse homem mudou minha vida e a de minha família. E o Haddad é o candidato capaz de fazer voltar os programas que foram implantados da época dele até o impeachment da Dilma”, ressalta.
Da infância à adolescência, Pedro tinha de dividir sandálias com o irmão que tivesse o número do pé mais próximo do dele, todas as vezes em que o pai comprava calçados para a família.
“O dinheiro não dava para comprar para todo mundo, então meu pai comprava um par para dois filhos. Um calçava durante a manhã e o outro à tarde e a gente se dividia sobre os lugares para onde iria trabalhar para não ir descalço onde a falta de sapato fizesse os pés doerem mais.”
Um dia, no período de entressafra, quando não há nada a ser plantado e as pessoas procuram atividades provisórias para ganhar um dinheirinho até voltar ao roçado, ele arrumou uma ocupação como ajudante de pedreiro.
Pôs na cabeça: “Prefiro essa vida do que trabalhar na roça”.
Achou que tinha encontrado ali sua vocação.
Aprendeu tudo direitinho, voltou para a plantação ao lado do pai e dos irmãos, mas continuou em paralelo como ajudante em obras diversas.
“Muitas vezes, o pessoal não confiava em mim, não achava que eu soubesse fazer direito. Então eu dizia ‘deixa eu trabalhar de graça. Vou aprendendo e você vai vendo que eu sei fazer. Se eu errar, pago o prejuízo’.”
Ganhou confiança, chamou colegas para montar uma equipe e começou, ele mesmo, a trabalhar em reformas de casas, consertos, pintura.
Mais adiante, passou a construir e a ganhar mais credibilidade.
A vida continuava dura, mas tinha ficado um pouco melhor.
Reflexo de políticas sociais
As políticas públicas que passaram a influenciar a vida das pessoas pobres no Nordeste a partir de 2003 não demoraram a surtir efeito.
Com a transferência de renda, a valorização do salário mínimo e a oferta de crédito surge uma nova classe consumidora.
As economias de pequenas cidades e microrregiões se transformam.
Não à toa, em recente entrevista ao Jornal da Globo, Haddad observou que o PIB no Nordeste cresceu em ritmo chinês na década passada.
E entre os que passaram a ter possibilidade de ter em casa uma televisão de plasma, uma geladeira nova e mais moderna, um telefone celular, escola para as crianças, também veio a vontade de reformar ou pintar a casinha.
Pedro sentiu o impacto positivo disso tudo.
Conta que desse período até 2016, trabalhou tanto que a vida de extrema pobreza que levava se transformou.
Ele hoje é dono de duas casas.
A primeira, onde vivem seus pais e irmãos, e outra onde mora com a mulher e os dois filhos.
A sua, diz com orgulho, “tem primeiro andar”.
Foi também o primeiro morador da cidade a comprar um automóvel Gran Siena, da Fiat.
“Cheguei todo feliz na concessionária para tirar meu carrinho sonhado. Na época, custou R$ 45 mil. Nunca pensei que chegaria a isso algum dia.”
Pedro ajuda até hoje familiares e prossegue com sua equipe fazendo trabalhos no município.
Mas reclama que sente o tranco da crise econômica, que os pedidos não são como antes, o trabalho caiu.
Reflexo do golpe
“Dá para viver, mas o que temos notado desse governo para cá é uma queda grande para todo mundo. Eu faço estes áudios por brincadeira, mas também porque precisamos da volta do Lula. E eu sei que o Haddad vai retomar a linha de trabalho implantada no governo dele e da Dilma”, afirma, prometendo fazer “tudo o que for possível para contribuir para a transferência de votos de Lula para Haddad”.
“Oxe, menino. Lula é Haddad e Haddad é Lula.”
Sobre o fato de ter um candidato cearense na disputa, Ciro Gomes (PDT), afirma que não vê problema.
“O voto do Lula é do Lula. As pessoas até gostam do Ciro, mas entre ele e o candidato do Lula, vamos votar no Haddad.”
Ele só tem uma reclamação, mas que considera superável.
“Só tenho problema com o Camilo Santana (atual governador do Ceará, do PT, que tem como candidato em sua chapa o senador emedebista Eunício Oliveira). Fiquei chateado com ele porque está unido com o Eunício e o Eunício é do MDB do Temer, ajudou no impeachment da Dilma. Mas se é para ajudar o PT, aqui em casa estaremos com Camilo também.”
E explica. “O que acontece é que hoje a gente vive muito preocupado com a situação do país. As pessoas voltaram a viver em dificuldade outra vez. Eu fiquei espantado com a amplitude que minhas mensagens tiveram, mas se elas puderem ajudar a eleger o Haddad, já estou satisfeito. Muitas pessoas que não iam votar nele já me procuraram para dizer que mudaram de ideia depois de conversar comigo. Falo e brinco dessa forma porque sou louco pelo Lula de verdade, porque senti na pele os efeitos do governo dele.”
Quando indagado sobre o candidato a presidente pelo PSL, Jair Bolsonaro, Pedro Félix diz que não o vê como uma ameaça ao PT, ao menos no Nordeste.
“Não é daqui, não demonstra conhecer a sofrência (sic) do nosso povo com a seca, não vai trazer nada de bom para os nordestinos. Já Haddad tem todo o caminho a percorrer que foi deixado por Lula e que nos ajudou a melhorar. E não foi pouco não, pode perguntar para as outras pessoas”, acrescenta.
Lavras de Mangabeira fica a 60 quilômetros de distância de Juazeiro do Norte, uma das maiores cidades do Ceará, onde está previsto comício com Haddad nas próximas semanas.
O sonho de Pedro, agora, é ir até lá para ouvir “o que o substituto do Lula vai falar” e, se conseguir, tirar uma foto ao lado de Haddad.
O sonho maior, de estar ao lado de Lula, nunca foi realizado, mas ele diz que espera um dia conseguir realizá-lo.
“Se Haddad me receber em Juazeiro levo até minha bicicleta (que é constantemente citada nos áudios e utilizada no seu trabalho) para ele sentar nela”, diz.
Mídia espontânea
A ideia de Pedro Félix de fazer áudios começou em 2016, logo após o impeachment de Dilma Rousseff. Mas os áudios viralizaram mesmo depois da prisão de Lula, no primeiro semestre.
As mensagens contagiaram primeiro os amigos próximos, passaram a ser reproduzidas para várias cidades do Ceará e ganharam o Brasil.
“Olha só isso”, contou rindo o publicitário Alexandre Fernandes, que tinha acabado de receber um dos áudios de um colega, durante almoço de trabalho no restaurante Francisco – ponto frequente de encontro de políticos e assessores parlamentares em Brasília, na última semana.
“Em Fortaleza todo mundo conhece essas mensagens, só não tem muita ideia de quem é o cara que está por trás delas”, afirmou o engenheiro agrônomo Marcio Rodrigues, brasiliense que mora há 15 anos na capital cearense e vai todo mês a Brasília.
Com a formalização da candidatura de Haddad, Pedro Félix passou a ter o ex-ministro e ex-prefeito paulistano como principal alvo.
A mídia espontânea é direta e ele tem, inclusive, na imagem que ilustra seu perfil no aplicativo WhatsApp, uma foto dele com os dizeres “Haddad é Lula”.
“Tive um sonho em que estava debaixo de um pé de goiabeira e o Lula me pedia para adular Fernando Haddad. Disse a ele: homem, pois já está adulado”, afirma, numa das mensagens.
“Eu tinha coragem de passar os 12 anos na cadeia mais Lula”, ressalta em outra, com sotaque carregado.
“Meu sonho era pegar um dedo que tenho aqui e o doutor fazer um transplante para colocar nele, para ele ficar com os dedos completos, sem faltar mais nada”, diz.
“Quando como uma galinha capoeira cozinhada com cuscuz, não lembro de outra pessoa não. Só do Lula. Fico imaginando, será que o bichinho já almoçou nesse instante?”, arremata na seguinte.
“Se pudesse, faria tudo o que digo”
Felix revela já ter feito mais de 500 áudios, pelas suas contas, e não tem noção da quantidade de vezes que foram reproduzidos.
Já concedeu inúmeras entrevistas, com esta, ao Brasil de Fato.
“Sei de gente na Paraíba, Pernambuco e Maranhão que está recebendo essas mensagens. É uma coisa fora do comum, nunca pensei que fosse chegar a uma repercussão desse tamanho”, conta.
“Somos do sertão, pessoas pobres e sem chances. O Brasil teve muitos presidentes, mas só o Lula conseguiu fazer tanta coisa. O que eu falo sai de dentro de mim, do meu coração. Se pudesse, faria tudo aquilo que digo nos áudios”, destaca.
Na avaliação da professora da faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB) e doutora em Ciência da Informação, Márcia Marques, a repercussão dos áudios de Pedro Félix é reflexo do que tem acontecido nos últimos tempos em todo o mundo, que está mexendo com o “fazer” da comunicação e levando os profissionais a avaliarem outras formas de comunicar.
“As pessoas não comentam mais nas redes sociais uma postagem, vão lá e fazem elas mesmas. Esse protagonismo está aparecendo e tem sido muito favorecido pela mídia digital. É interessante e tem conseguido passar o recado. Tem uma característica que foge da mídia hegemônica”, afirma.
“Ele segue, ao seu modo, o caminho que o pessoal da Porta dos Fundos (conjunto de vídeos que viralizaram na internet e depois resultaram em um programa, veiculado na televisão) começou lá atrás, reservadas as proporções por que lá os participantes eram profissionais de comunicação e o Pedro, não. Hoje todo mundo sabe imitar uma repórter de TV, todo mundo sabe agir como um repórter de rádio”, destaca a professora.
Para a profissional em marketing Fernanda Estelita Soares, iniciativas do tipo são formas de expressão que têm tudo para serem expandidas neste período eleitoral, sobretudo num momento em que são publicadas informações falsas (as fake news) e contratados robôs para sugestionar os eleitores sobre os atuais candidatos.
“Os áudios do Pedro Félix consistem numa forma natural de se expressar da população mais simples. Representam uma outra via encontrada pela massa para passar sua mensagem diante do império da mídia tradicional. E, ainda por cima, trazem o apelo bem-humorado do sotaque do homem simples nordestino”, explica a professora.
“Não me espantarei se souber de vários apresentados por autores diferentes.”
Enquanto isso, Pedro segue com suas atividades e seu jeito. Está longe de ser rico e trabalha duro ao lado da sua equipe.
Tanto que não pode atender celular durante o dia, quando está nas obras.
Volta para casa durante a noite. O telefone quebrou e, em vez de trocar por um mais novo, mandou consertar.
Mas sabe que os pais, ele e os irmãos possuem outras condições econômicas em relação aos anos 1990 e que os filhos estão sendo criados, hoje, em situação bem melhor do que a dele.
Não pede um governo de vantagens, nem benefícios, só a chance de continuar tendo a oportunidade de ser chamado para mais serviços. E ver as pessoas próximas também levando uma vida melhor. “Com menos sofrência.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário