domingo, 26 de fevereiro de 2023

Sigilo do general Pazuello encobria farsa vergonhosa do Exército.

 

Sigilo do general Pazuello encobria farsa vergonhosa do Exército. Por Jeferson Miola

 Atualizado em 25 de fevereiro de 2023 às 22:27
Eduardo Pazuello e Jair Bolsonaro em ato político no Rio de Janeiro em maio de 2021. (Foto: Reuters)

“E aí, galera […] eu não podia perder este passeio de moto de jeito nenhum. Tamo junto, hein. […]Parabéns pra galera que está aí, prestigiando o Presidente”

General da ativa Eduardo Pazuello em discurso aos “moto-fascistas” no Rio de Janeiro em 23/5/2021.

O levantamento do sigilo de 100 anos mostra que o procedimento instaurado pelo Exército para simular a apuração da transgressão disciplinar cometida pelo general e ex-ministro da Morte Eduardo Pazuello é uma farsa do início ao fim.

A farsa começa logo na inicial do processo, na descrição capciosa do “relato do fato” a ser apurado pelo então Comandante do Exército.

O Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar assinado pelo general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ao invés de descrever com objetividade o enquadramento do caso dentre as 113 transgressões definidas no Anexo I do Regulamento Disciplinar do Exército [RDE, Decreto 4346/2002], assim justifica o motivo da apuração: “Por ter o Gen Div EDUARDO PAZUELLO, militar da ativa, participado de manifestação popular, no Aterro do Flamengo, na cidade do Rio de Janeiro-RJ, no dia 23 de maio de 2021” [grifo meu].

A escolha da expressão “participado de manifestação popular” na inicial do simulacro de apuração do Exército foi cirúrgica, feita à feição para a estratégia de defesa do general Pazuello.

E por quê? Porque em nenhuma norma legal se encontra a expressão “manifestação popular”. E por isso, portanto, o general da Morte não poderia ser investigado e julgado por cometer transgressão ou crime não tipificado na legislação.

O Regulamento Disciplinar do Exército relaciona como transgressão “tomar parte em qualquer manifestação coletiva, seja de caráter reivindicatório ou político, seja de crítica ou de apoio a ato de superior hierárquico …” [item 103 do Anexo I do Decreto 4346].

Este jogo providencial de palavras – manifestação popular em lugar de manifestação coletiva – foi uma das chaves usadas pelo general Pazuello na sua defesa, com o seguinte argumento: “Assim, na minha avaliação a conduta descrita não se enquadra em nenhuma das transgressões disciplinares previstas no Anexo I do Regulamento Disciplinar do Exército, ou tampouco no Estatuto dos Militares e demais leis que nos norteiam e regulamento”.

Pazuello também evocou “os laços de respeito e camaradagem” entre ele e Bolsonaro para aceitar o convite e participar da motociata fascista e do comício político-partidário com ativistas de extrema-direita.

Quanto à transgressão definida no item 57 do Anexo I do RDE, que proíbe militar da ativa de se manifestar publicamente “a respeito de assuntos de natureza político-partidária”, Pazuello não economizou nos sofismas.

Ele argumentou que “um passeio de moto organizado e patrocinado por associações e clubes de motociclistas para demonstrar apoio ao Presidente da República, ao meu ver não possui natureza político-partidária”.

Pazuello foi ainda mais longe na arte diversionista e sustentou que “sequer estamos no período eleitoral e o Excelentíssimo Sr Presidente da República não é filiado a nenhum partido político, o que evidencia ainda mais que o passeio não possuía natureza político-partidária”. E arrematou: “Ressalte-se que no passeio não havia qualquer bandeira ou panfleto de partidos políticos”.

O general Paulo Sérgio, que na véspera foi informado pelo próprio Pazuello da participação nos atos políticos de Bolsonaro, acatou os argumentos falaciosos do seu correligionário do partido dos generais e entendeu “que a conduta em comento não se amolda à definição de crime, contravenção ou transgressão disciplinar”. E mandou arquivar a “apuração”.

O levantamento do sigilo de 100 anos da não-apuração das transgressões e crimes cometidos pelo general e ex-ministro da Morte Eduardo Pazuello revela a tremenda farsa que o Exército encobria. E indica, também, que os militares aspiravam um projeto longevo – para não dizer eterno – de poder.

Este caso, infelizmente, não é isolado, mas a expressão da mais profunda e generalizada deterioração institucional das Forças Armadas, que pagam o preço da queda livre da credibilidade e confiança que a sociedade tinha na instituição.

O artigo 42 da Lei 6880, que dispões sobre o Estatuto dos Militares, define que “a violação das obrigações ou dos deveres militares constituirá crime, contravenção ou transgressão disciplinar, conforme dispuser a legislação ou regulamentação específicas”.

O Decreto 4346, que instituiu o RDE, vai na mesma linha, e define que “transgressão disciplinar é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe” [artigo 14].

E, por outro lado, o item 5 do Anexo I do RDE considera transgressão o superior hierárquico [no caso, o general Paulo Sérgio] que “deixar de punir o subordinado que cometer transgressão, salvo na ocorrência das circunstâncias de justificação previstas neste Regulamento”.

A publicidade da farsa do Exército cobra das instituições civis e do Congresso Nacional a apuração e punição dos envolvidos nela.

Pazuello e outros generais que tanto mal causaram ao país e ao povo brasileiro desonram o Exército, e deveriam ser expulsos da Força Terrestre.

Publicado originalmente no blog do Jeferson Miola

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