Guerra sem quartel entre as extremas direitas na Europa
O que está em jogo não é uma mera disputa simbólica, mas sim um pacote de privilégios que se obtém no parlamento europeu para a constituição de um grupo.
Eduardo Febbro
Paris - Os partidos da extrema direita – também chamados de “eurófobos” – que subiram ao topo com as eleições para renovar o parlamento europeu (22 a 25 de maio) sacaram das urnas a machadinha da guerra. Ainda que na França, Inglaterra, Dinamarca, Suécia, Itália, Hungria e Grécia, os extremistas tenham conseguido uma legitimidade jamais alcançada até hoje, e ainda que professem a mesma oposição à União Europeia e alguns tenham ideias similares, hoje eles combatem entre si palmo a palmo para ver quem é capaz de formar primeiro um grupo parlamentar no parlamento europeu.
O fato de terem ideologias similares não significa que se entendam como irmãos, longe isso. O britânico Nigel Farage, chefe do partido UKIP, detesta a líder da extrema direita francesa, Marine Le Pen, a qual julga demasiado extremista. Por sua vez, a senhora Le Pen não quer se associar com os nazis gregos da Aurora Dourada e muito menos com os neonazis alemães do Partido Nacional Democrata, os ultradireitistas húngaros do partido Jobbik ou os búlgaros de Ataka. Há um ardente perfume de incompatibilidade entres estes novos eurodemocratas dos extremos.
O que está em jogo não é uma mera disputa simbólica, mas sim um pacote de privilégios que se obtém dentro do parlamento europeu para a constituição de um grupo: mais dinheiro (três milhões de euros), secretarias, escritórios maiores, mais tempo para usar a palavra, mais visibilidade e postos importantes nas comissões.
Na legislatura 2009-2013, os sete grupos existentes repartiram entre si 57 milhões de euros. As condições para contar com um grupo próprio no Parlamento europeu são drásticas: é preciso ter pelo menos 25 eurodeputados oriundos de sete países distintos. “Há uma série de movimentos que, na minha opinião, estão interessados em participar de uma grande força política cuja meta consiste sempre em impedir qualquer avanço da Europa Federal”, explicou Marine Le Pen.
Essa convergência não resulta, porém, em uma irmandade automática. Hoje, a confrontação mais dura ocorre entre Marine Le Pen e Nigel Farage. O excêntrico líder do UKIP tem um grupo próprio da legislatura anterior (Europa, Liberdade e Democracia), mas a chefe da Frente Nacional francesa também quer ter o seu grupo. A FN ganhou 24 deputados no parlamento de Estrasburgo, o mesmo número que o UKIP. No entanto, as posições radicais da Frente Nacional, seu racismo declarado e sua islamofobia militante o privam de muitos apoios, começando pelo partido britânico. Farage acusou em várias oportunidades a líder francesa e seu movimento de antissemitismo e excluiu por isso qualquer pacto com Marine Le Pen. A mesma reprovação é feita por outros extremistas europeus, especialmente os escandinavos. “Não quero ser mal educado com Marine Le Pen, não é necessário, mas não penso que seu partido faça parte de nossa família política”, disse Farage há alguns dias.
Nesta luta política na qual partidos com o mesmo DNA se rechaçam, a extrema-direita francesa também traçou a sua linha vermelha: os infrequentáveis são o Aurora Dourada (Grécia, três deputados), o Partido Nacional Democrata (Alemanha, um deputado), Jobbik (Hungria, três deputados), Ataka (Bulgária, dois deputados). O eurodeputado eleito pelo Partido Nacional Democrata da Almanha, Udo Voigt, classificou Adolf Hitler como “um grande homem de Estado”.
As contas, no momento, são favoráveis ao britânico UKIP. Nigel Farage pode contar com o apoio dos partidos eurófobos escandinavos, começando pelos dois deputados do partido finlandês Verdearos, dois dos Democratas suecos e os quatro do Partido Popular dinamarquês. É possível, igualmente, que Farage consiga o apoio do partido anti-euro alemão AFD (7 deputados), dos gregos independentes (um deputado) , sobretudo, dos 17 eurodeputados do movimento italiano 5 Estrelas de Pepe Grillo. Ao todo, são seis países. Faltaria um. O britânico teria a promessa de outros dois partidos, o checo Svobodni (um deputado), e o lituano Ordem e Justiça (dois deputados).
Os cálculos de Marine Le Pen são mais apertados. A Frente Nacional poderia contar com os sete deputados do holandês PVV, os quatro do Partido pela Liberdade da Áustria, o único eurodeputado que resta ao Vlaams Belan, da Bélgica, e, talvez, os 5 deputados da autonomista e xenófoba Liga do Norte italiana que antes fazia parte do grupo Europa, Liberdade e Democracia, de Nigel Farage. No total, são cinco países. Faltam dois. A caça se dirige ao KNP, partido eurófobo da Polônia (2 deputados) e ao lituano Ordem e Justiça.
O impacto dos resultados das eleições europeias e seu impressionante exército de neonazistas, neofascistas ou eurocéticos que ingressou no Parlamento não deve, porém, ocultar a realidade da geometria política. Após os primeiros contatos entre o britânico Farage e o italiano Pepe Grillo, o líder do UKIP disse: “se conseguirmos nos entender, poderemos nos divertir e criar muitos problemas para Bruxelas”.
Seria melhor dizer obstáculos antes que verdadeiros problemas. Mesmo que Marine Le Pen e Nigel Farage consigam formar seus respectivos grupos, seu peso é mais que relativo. Os quatro núcleos pró-europeus, centro-direita, socialistas, liberais e verdes, repartem entre si 70% dos 751 eurodeputados.
Tradução: Louise Antônia León