terça-feira, 12 de abril de 2016

ECONOMIA - O Dr. Moro não está nem um pouco preocupado com isso.

Vende-se: aos pedaços, grande empresa brasileira de engenharia


          
Autor: José Augusto Ribeiro

A Odebrecht pôs a venda vários ativos milionários, alguns no exterior, inclusive uma hidrelétrica completa. Isso acontece algum tempo depois de um grupo multinacional radicado na França ter manifestado interesse em comprar toda a Odebrecht e confirma as ponderações do Presidente do Clube de Engenharia, Pedro Celestino, de que é preciso evitar a destruição das empresas brasileiras de engenharia no processo de apuração e punição dos muitos crimes investigados pela Lava Jato.

Pelos padrões ainda hegemônicos de filosofia econômica neoliberal, não tem a menor importância pedaços da Odebrecht ou a Odebrecht inteira serem vendidos a capitais estrangeiros. Por esses padrões, até a Petrobrás poderia ser desnacionalizada ou, de preferência, nem ter ido inventada. 

No caso da Petrobrás é tão mais visível e gritante o vínculo entre sua preservação e o interesse nacional brasileiro que as próprias propostas desnacionalizadoras (ou, com menos delicadeza, entreguistas) surgem sempre fantasiadas com algum subterfúgio. Foi com a palavra “flexibilização” que empurraram o fim do monopólio estatal do petróleo e a adoção do regime das concessões e leilões da ANP.

No caso das empresas de engenharia é mais difícil esclarecer a maioria menos informada da opinião pública, porque a concentração da mídia, sobretudo a TV, em uns poucos grupos impõe ao país um pensamento único que se fantasia de modernidade e impede a discussão pública e ampla de qualquer ideia alternativa.  O próprio Clube de Engenharia, com sua tradição centenária de fidelidade ao Brasil, não tem na mídia nem dez por cento da presença, por exemplo, dos porta-vozes do mercado financeiro, chamados todo dia e a toda hora para dizer o que devemos pensar.

Da importância da engenharia brasileira e suas empresas existe um exemplo bastante expressivo que nunca é mencionado. Quando a China, no início de um salto para a frente que assombra o mundo, resolveu construir a hidrelétrica de Três Gargantas, planejada para ser a maior do mundo, sua primeira providência foi mandar engenheiros e outros técnicos ao Brasil, para aprenderem com os engenheiros brasileiros que tinham construído a usina de Itaipu. Entre esses engenheiros estavam alguns da Odebrecht e das outras empreiteiras hoje afundadas no lamaçal da Lava Jato.

Antes mesmo da Lava Jato, a Odebrecht era considerada, inclusive por engenheiros da Petrobrás, uma das maiores, se não a maior corruptora entre as empreiteiras. Essa avaliação conduz necessariamente a uma pergunta que não vem sendo feita: como a Odebrecht poderia ser tão corruptora se do outro lado não existissem tantas pessoas tão dispostas a ser corrompidas?

Outro dia, em seminário da Unafisco, o sindicato dos funcionários fazendários, o juiz Sérgio Moro afirmou que em qualquer caso de corrupção há dois culpados: o que paga e o que recebe. Aparentemente o juiz não vê diferença entre a culpa de um e a culpa de outro. No entanto, um é agente de interesses privados e outro agente do governo e, portanto, do interesse público, seja como diretor, gerente ou simples funcionário de uma estatal, seja como ocupante de qualquer cargo na administração direta ou em qualquer órgão autárquico da União, dos Estados ou dos municípios. A ética de um agente do governo não pode ser reduzida aos padrões atuais da ética de um agente de empresa privada, da mesma forma como não se pode reduzir tão permissivamente a responsabilidade de um chefe de governo, de um ministro de Estado, de um detentor de mandato legislativo, de um militar, de um membro do Ministério Público ou de um juiz ou ministro do Supremo Tribunal.

Talvez comece por aí o reconhecimento de que as culpas são diferentes, sempre maior a do agente do governo, até porque, na maioria dos casos, o ato de corrupção resulta de um movimento de extorsão: se o que paga não quiser pagar, é inevitável que perca o contrato. E nos casos em que o que paga teve a iniciativa de oferecer a propina, o que recebe o oferecimento tem o dever de recusá-lo e denunciá-lo. 

Só que a prática da vida, anterior mesmo ao capitalismo   (no século 13 feudal, Santo Tomás de Aquino já falava na occulta compensatio), registra muitos casos de aceitação, em meio a muitos outros de recusa. Os jornalistas sabemos disso por experiência própria.

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