Vende-se: aos pedaços, grande empresa brasileira de engenharia
Autor: José Augusto Ribeiro
A Odebrecht pôs a
venda vários ativos milionários, alguns no exterior, inclusive uma
hidrelétrica completa. Isso acontece algum tempo depois de um grupo
multinacional radicado na França ter manifestado interesse em comprar
toda a Odebrecht e confirma as ponderações do Presidente do Clube de
Engenharia, Pedro Celestino, de que é preciso evitar a destruição das
empresas brasileiras de engenharia no processo de apuração e punição dos
muitos crimes investigados pela Lava Jato.
Pelos padrões ainda
hegemônicos de filosofia econômica neoliberal, não tem a menor
importância pedaços da Odebrecht ou a Odebrecht inteira serem vendidos a
capitais estrangeiros. Por esses padrões, até a Petrobrás poderia ser
desnacionalizada ou, de preferência, nem ter ido inventada.
No caso da Petrobrás é
tão mais visível e gritante o vínculo entre sua preservação e o
interesse nacional brasileiro que as próprias propostas
desnacionalizadoras (ou, com menos delicadeza, entreguistas) surgem
sempre fantasiadas com algum subterfúgio. Foi com a palavra
“flexibilização” que empurraram o fim do monopólio estatal do petróleo e
a adoção do regime das concessões e leilões da ANP.
No caso das empresas de
engenharia é mais difícil esclarecer a maioria menos informada da
opinião pública, porque a concentração da mídia, sobretudo a TV, em uns
poucos grupos impõe ao país um pensamento único que se fantasia de
modernidade e impede a discussão pública e ampla de qualquer ideia
alternativa. O próprio Clube de Engenharia, com sua tradição centenária
de fidelidade ao Brasil, não tem na mídia nem dez por cento da
presença, por exemplo, dos porta-vozes do mercado financeiro, chamados
todo dia e a toda hora para dizer o que devemos pensar.
Da importância da
engenharia brasileira e suas empresas existe um exemplo bastante
expressivo que nunca é mencionado. Quando a China, no início de um salto
para a frente que assombra o mundo, resolveu construir a hidrelétrica
de Três Gargantas, planejada para ser a maior do mundo, sua primeira
providência foi mandar engenheiros e outros técnicos ao Brasil, para
aprenderem com os engenheiros brasileiros que tinham construído a usina
de Itaipu. Entre esses engenheiros estavam alguns da Odebrecht e das
outras empreiteiras hoje afundadas no lamaçal da Lava Jato.
Antes mesmo da Lava
Jato, a Odebrecht era considerada, inclusive por engenheiros da
Petrobrás, uma das maiores, se não a maior corruptora entre as
empreiteiras. Essa avaliação conduz necessariamente a uma pergunta que
não vem sendo feita: como a Odebrecht poderia ser tão corruptora se do
outro lado não existissem tantas pessoas tão dispostas a ser
corrompidas?
Outro dia, em seminário
da Unafisco, o sindicato dos funcionários fazendários, o juiz Sérgio
Moro afirmou que em qualquer caso de corrupção há dois culpados: o que
paga e o que recebe. Aparentemente o juiz não vê diferença entre a culpa
de um e a culpa de outro. No entanto, um é agente de interesses
privados e outro agente do governo e, portanto, do interesse público,
seja como diretor, gerente ou simples funcionário de uma estatal, seja
como ocupante de qualquer cargo na administração direta ou em qualquer
órgão autárquico da União, dos Estados ou dos municípios. A ética de um
agente do governo não pode ser reduzida aos padrões atuais da ética de
um agente de empresa privada, da mesma forma como não se pode reduzir
tão permissivamente a responsabilidade de um chefe de governo, de um
ministro de Estado, de um detentor de mandato legislativo, de um
militar, de um membro do Ministério Público ou de um juiz ou ministro do
Supremo Tribunal.
Talvez comece por aí o
reconhecimento de que as culpas são diferentes, sempre maior a do agente
do governo, até porque, na maioria dos casos, o ato de corrupção
resulta de um movimento de extorsão: se o que paga não quiser pagar, é
inevitável que perca o contrato. E nos casos em que o que paga teve a
iniciativa de oferecer a propina, o que recebe o oferecimento tem o
dever de recusá-lo e denunciá-lo.
Só que a prática da
vida, anterior mesmo ao capitalismo (no século 13 feudal, Santo Tomás
de Aquino já falava na occulta compensatio), registra muitos casos de
aceitação, em meio a muitos outros de recusa. Os jornalistas sabemos
disso por experiência própria.
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