sexta-feira, 15 de abril de 2016

POLÍTICA - Desfazer um "já ganhou".

Desfazer um “já ganhou” e assinalar a emergência de um grande movimento popular e nacional


“A história traz surpresas inéditas e por isso temos de estar abertos ao inédito e à recriação. Quando e onde surgirão novos quadros, lideranças arrojadas? A tarefa, num primeiro momento parece difícil, mas de nenhum modo impossível, evitando o risco de cair num certo voluntarismo ou de fáceis predições enganosas”, escreve Luiz Alberto Gómez de Souza, sociólogo, em artigo enviado pelo autor e que publicamos a seguir.
Eis o artigo.
Tarefa urgentíssima para os próximos dois dias: desmascarar a grande mídia, que quer mostrar como inevitável um governo Temer. É verdade que cúpulas de vários partidos, que pareciam alinhar-se com o governo, se posicionam pelo impeachment, ainda que com parlamentares de suas bases divididos. Um número deles corre ao palácio Jaburu, para prestar vassalagem a um possível novo governo que reuniria o que de pior tem o país e o parlamento. “Debandada na Câmara”, manchete de O Globo, para dar a impressão de movimento irrefreável. E um discurso açodado de posse, vazado propositadamente, faz lembrar FHC sentando-se antes do tempo na cadeira de prefeito, logo desinfetada por Jânio, “onde pousaram nádegas indevidas”. Deputados afoitos correm atrás de benesses de um possível novo governo, segundo rumores dos bastidores, alguns talvez recebendo altas somas de dinheiro vivo. Fala-se de um absurdo bolão de apostas. Pior do que isso é a vergonhosa compra de votos.
Há que mobilizar os eleitores para cobrar um pouco de decência dos seus eleitos, num dos piores parlamentos – na verdade o pior- com boa parte dos seus membros enredados nos processos do Lava Jato e em outras denúncias de improbidade.
A mobilização popular tem de ser implacável e urgente. Um grande movimento de ficha limpa nas bases poria contra a parede o parlamento presidido por um bandido, que faz o que bem entende, diante de incompreensível paralisia dos seus pares.
Tudo leva a crer, como denunciam Janio de Freitas, Élio Gaspari e tantos outros, que muitos têm a esperança de que um governo Temer ponha de escanteio os resultados da Lava Jato e empurre para baixo do tapete tantas irregularidades, como era habitual até o governo de FHC. Eles indicam que, na fala de Temer, faltou significativamente qualquer menção à corrupção, carro-chefe até então da direita.
Isso é a urgência urgentíssima que temos pela frente, contada em horas.
Mas quero lembrar o efeito de tantas movimentações e movimentos, com resultados muito além do imediato. O grande encontro da Lapa, no Rio, na segunda-feira, pode ser um sinal premonitório. Pelo país afora cresce a articulação nas bases da sociedade, com movimentos populares, urbanos e rurais, movimentos sociais os mais diversos, universitários, juristas, intelectuais e artistas, jovens, mulheres e minorias descriminadas. Dois grandes conjuntos, Frente Povo sem Medo e Frente Brasil popular, vão aglutinando forças esparsas pelo país, na construção, a médio e longo prazo, de uma grande Frente Democrata e Nacional.
Democrata, quer dizer apostando numa participação popular de largos horizontes, com prioridade aos setores excluídos, na lenta formação de uma nova hegemonia. Isso não se fará de uma hora para outra. Estamos em plena “guerra de posições”, para usar a terminologia gramsciana.
Nacional, mais imediata e urgente, na luta contra os que querem entregar a nação ao capital especulativo internacional e suas empresas colonialistas. A defesa da Petrobrás e do pré-sal é paradigmática. A proposta de José Serra sobre esse último, apontado para um possível governo Temer, é sinal claríssimo de uma política entreguista.
Isso exige fôlego e tempo. Os pleitos municipais estão muito perto, ainda que a eleições de vereadores e prefeitos ligados a esse movimento popular emergente, possam fazer surgir novas lideranças.
Não esqueçamos que as últimas eleições estaduais trouxeram a vitória de Flávio Dino, do PC do B, no Maranhão, derrubando a gangue Sarney, esta apoiada, vejam só, pelo PT nacional. É para ver como poderíamos estar no meio de um processo embrionário e contraditório. Essa frente assinalaria uma aliança nova, pós-PT, ainda que inclua setores desse partido que foi se descaracterizando, mas tem figuras exemplares como Tarso Genro, Olívio Dutra ou Paulo Teixeira. Mesmo o ano de 2018 estaria relativamente próximo, porém poderiam dar-se passos importantes em certos estados e municípios, ainda que talvez seja ainda cedo para catalisar um novo e profundo movimento renovador.
Prefiro dizer Frente Ampla e não somente uma frente das esquerdas. Há uma velha esquerda ainda presa a seus esquemas de mais de um século. Não esqueçamos que uma figura como Jean Jaurès, na França, não entraria numa classificação ortodoxa da esquerda marxista. Se por esquerda, na linha de Norberto Bobbio, se agrupam os que lutam pela justiça social, muito bem. Há independentes e novas lideranças que não estarão sensíveis a velhas palavras de ordem desgastadas e tradicionais, mas sim abertos a novas propostas.
E poderemos ter surpresas pela frente. Porém, há outro obstáculo perigoso a vencer. Aqueles setores que se organizavam contra o governo em São Paulo e expulsaram de suas manifestações Aécio e Alckmin, têm uma tendência de ser contra todos os partidos e contra uma participação política. “Que se vayam todos”, gritavam em Buenos Aires no tempo de Menem. Aqui tivemos um caçador de marajás, que mais adiante seria cassado ele mesmo como um marajá e dos piores.
Eu estava em Madri quando, na Puerta del Sol, surgiram as tendas do 15M e, em Barcelona, os Indignados. Sua posição negativa permitiu a volta do PP ao poder. A lucidez de Marilena Chauí nos põe em guarda contra um perigoso tipo de despolitização, que pode ser o caldo de cultivo de messianismos ou autoritarismos. Assim surgiram as hordas nazistas numa Alemanha humilhada pela primeira guerra europeia, ou o fascismo numa Itália sem lideranças significativas.
Mas, num outro sentido, desses movimentos aparentemente amorfos surgiu, na Espanha, Podemos, tornando-se em pouco tempo o terceiro partido espanhol. Essa é a potencialidade ambígua dos movimentos que são, num primeiro momento, contra qualquer forma de política. Há que apostar que, dentro deles, possam surgir tendências e propostas políticas novas.
No caso da Europa, por exemplo, com uma união que se esgarça, uma liderança renovadora como Yanis Varoufakis, fundador de Syriza, que abandonou quando este capitulou diante da troika poderosa, lançou um novo movimento, Diem 25 (Democracy in Europa Mouvement, com um 2025 que aponta para uma década mais adiante). E ali se somam Noam Chomsky, o diretor de cinema Ken Loach, Boaventura de Sousa Santos, Pablo Iglesias de Podemos, Toni Negri na Itália. E Varoufakis dá como exemplo de novas práticas, organizações católicas de base e ONGs, que vão criando, no drama terrível dos refugiados, “corredores humanitários”, apontando para uma nova ética e uma nova maneira de fazer política. Ali quase não encontramos uma velha esquerda, a não ser setores que se renovam dentro dela.
Entre nós o PC do B é um bom exemplo dessa transformação, numa prática nova criativa, que entra em conflito e, aos poucos, afasta uma velha ideologia.
Eis a tarefa que teríamos por diante. Criar um amplo movimento que vá definindo suas orientações básicas, com novas políticas econômicas, na luta contra as enormes desigualdades, em boa parte a partir da sensibilidade nascente dos jovens. Ali estariam, junto a movimentos de base, partidos como o PC do B, PSOL, PDT, todos ou em parte, setores democratas de outros partidos, inclusive hoje na oposição, lideranças populares, universitárias, artísticas, assim como setores do PT fieis a suas intuições de origem. A história traz surpresas inéditas e por isso temos de estar abertos ao inédito e à recriação. Quando e onde surgirão novos quadros, lideranças arrojadas? A tarefa, num primeiro momento parece difícil, mas de nenhum modo impossível, evitando o risco de cair num certo voluntarismo ou de fáceis predições enganosas. Essa pareceria ser uma grande e difícil aposta que teríamos pela frente, num país dividido por paixões e intolerâncias. Seria necessário criar uma nova e ampla aliança transformadora, unindo o que de melhor temos no Brasil, com o surgimento inesperado de lideranças audazes, que as redes sociais poderiam fazer emergir.

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