A pretexto de analisar a visão política de um dos membros do Partido
dos Trabalhadores (PT) em entrevista concedida ao Valor, o jornal O
Estado de S.Paulo volta a praticar curandeirismo jurídico em seu
editorial de hoje (28/02) para sustentar que “se os processos contra
Lula forem analisados somente no âmbito jurídico, a derrota do petista é
certa”. O próprio jornal, no entanto, não apresentou qualquer argumento
jurídico para sustentar sua posição e a tese que pretende reforçar
junto aos leitores. A realidade é bem diversa daquela exposta pelo
jornal.
Em uma das ações penais que o Ministério Público
Federal promoveu contra Lula, valendo-se do espalhafatoso e indigno uso
de um Powerpoint que chocou a comunidade jurídica nacional e
internacional, sustentou-se que o ex-Presidente teria organizado um
esquema que possibilitou o desvio de valores de três contratos firmados
entre a Petrobras e uma empreiteira, e o produto desse ilícito teria
sido utilizado para a “compra de governabilidade” (daí o aumento da base
parlamentar em seu governo) e resultado em benefícios pessoais (a
propriedade de um apartamento “tríplex” no Guarujá, SP, e o pagamento da
armazenagem de parte do acervo presidencial.
As 65 testemunhas
ouvidas, até o momento, nessa ação - sendo 27 selecionadas pelo
Ministério Público Federal - quebraram a espinha dorsal da acusação.
Nenhuma, inclusive os notórios delatores da Lava Jato, fez qualquer
afirmação que pudesse vincular Lula a qualquer desvio na Petrobras, à
propriedade do triplex ou ainda a recursos utilizados para a armazenagem
do acervo presidencial. Ao contrário, os depoimentos apontaram a
colossal distância entre esses supostos ilícitos na petroleira – que não
foram identificados, diga-se de passagem, por qualquer órgão de
controle interno ou externo – e o ex-Presidente Lula.
Foi nessa
mesma ação penal que o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, ao ser
confrontado com a prática de ilícitos na Petrobras no período em que era
o dirigente máximo do País, com o envolvimento de alguns dos mesmos
atores que hoje figuram na Lava Jato, reconheceu que “o Presidente da
República não tem como saber de tudo”. FHC também esclareceu que mantém
seu acervo presidencial através de doações, exatamente como fez Lula.
Tamanha
é a segurança na inocência de nosso cliente que pedimos - também nessa
ação - a realização de uma prova pericial que pudesse analisar, dentre
outras coisas, se algum valor desviado da Petrobras foi utilizado em
benefício do ex-Presidente Lula. Mas a prova foi negada pelo juiz sem
maior fundamentação. E por quê? Simplesmente, porque iria demonstrar, de
uma vez por todas, que nenhum valor proveniente da Petrobras foi usado
para beneficiar Lula. Outras provas requeridas também foram negadas da
mesma forma.
Quem acompanha o que acontece na 13ª Vara Federal
de Curitiba - presencialmente ou pelas gravações realizadas - sabe a
distância entre o que afirma O Estado de S.Paulo e a condução real das
audiências pelo magistrado responsável pelos processos. São
rotineiramente desrespeitadas expressas disposições legais, como aquelas
que asseguram às partes o direito de gravar as audiências independente
de autorização judicial. A OAB/PR já aderiu à nossa impugnação sobre o
tema e deu prazo para o magistrado se explicar.
O jornal
confunde a combatividade de nossa atuação – que deveria nortear a
conduta de qualquer advogado - com tentativas de “irritar o magistrado”,
deixando evidente a falta de seriedade de sua análise e a conivência do
diário com as ilegalidades praticadas naquele órgão judiciário.
Aliás, esse acumpliciamento entre o juízo e alguns setores da imprensa
está longe de ser novidade. Quando o principal ramal do nosso escritório
foi interceptado, gravando a conversa de 30 advogados, o jornal ficou
absolutamente silente, a despeito de violação flagrante às nossas
prerrogativas. Bem diferente foi a posição quando se buscou quebrar o
sigilo de jornalistas, o que mostra o casuísmo presente nas análises.
Os
abusos praticados contra Lula pelo juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba
não são denunciados apenas por nós, seus advogados. No último dia
26.02, por exemplo, o próprio O Estado de S.Paulo veiculou entrevista
com Nelson Jobim, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal e com
atuação nas mais diversas áreas do governo, afirmando que a condução
coercitiva de Lula foi arbitrária. Ele também lembrou outros atentados
jurídicos praticados contra o ex-Presidente pelo mesmo juiz.
Aliás,
foi esse cenário de flagrantes arbitrariedades e ilegalidades, que
afrontam claramente as garantias fundamentais de Lula, associado à
ausência de um remédio eficaz para paralisá-las, que motivou o
Comunicado de junho de 2016 ao Comitê de Direitos Humanos da ONU, que
assinamos juntamente Geoffrey Roberston, um dos maiores especialistas no
mundo sobre o tema. Em momento algum deixamos de apresentar, com
técnica jurídica, a defesa em favor de Lula.
A propósito, não só elaboramos consistentes trabalhos jurídicos de defesa, como tornamos publico esse material (site
www.averdadedelula.com.br).
Oportuno lembrar, ainda, que o Congresso Nacional reconheceu em 2009 a
possibilidade de qualquer brasileiro levar um comunicado ao Comitê de
Direitos Humanos da ONU, de forma que a providência tem expresso amparo
na legislação nacional. Os erros já cometidos pelo jornal no
acompanhamento da tramitação do comunicado em Genebra também são a prova
cabal da clara e deliberada confusão entre a opinião do diário e a
apuração jornalística. A segunda está a reboque da primeira.
Das
demais ações penais propostas contra Lula nesse assédio de alguns
membros do MPF, com o cristalino objetivo de prejudicar ou inviabilizar
sua atividade política, existe uma em estágio mais avançado, que tramita
perante a 10ª Vara Federal de Brasília. Essa ação penal trata da –
absurda – “compra do silêncio de Nestor Cerveró” e está baseada
exclusivamente em acusação feita pelo senador cassado Delcídio do Amaral
em delação premiada negociada com o MPF, que permitiu que ele deixasse a
prisão. A ação foi proposta sem que Cerveró sequer tivesse sido ouvido
sobre essa acusação de Delcídio, mostrando que a apuração ou a verdade
dos fatos não foram os nortes seguidos pelos acusadores. Também os
depoimentos ali colhidos mostram o óbvio: Lula jamais participou de
qualquer ato objetivando interferir, direta ou indiretamente, na delação
de Nestor Cerveró. O próprio delator deixou claro esse fato quando foi
ouvido em juízo, na mesma linha seguida pelas demais testemunhas.
Esse
balanço é suficiente para mostrar as impropriedades cometidas pelo
jornal, em seu editorial de hoje, sob o disfarce de uma análise jurídica
para a qual sequer dispõe de expertise e isenção para realizar.
Sintomática igualmente a afirmação ali contida de que “sobram provas”
contra Lula, mas nenhuma foi apontada, exatamente porque não existem!
São apenas fruto de construções grosseiras, que O Estado de S.Paulo
insiste em reverberar, com a divulgação constante de erros factuais em
sua pretensa cobertura jornalística "isenta".
Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Zanin Martins