De volta à Era FHC: Não há nenhum sinal de recuperação da economia no Brasil, diz ex-diretor do Ipea João Sicsú
Professor alerta que política econômica do país hoje é de "retorno ao passado"
"Cada dia se espera menos da economia brasileira", destaca Sicsú
Há poucos anos,
quando se discutia sobre os obstáculos do Brasil para se desenvolver
efetivamente, autoridades e especialistas indicavam que faltava uma
coisa, planejamento de longo prazo. As políticas de curto e médio prazo,
contudo, geravam resultados satisfatórios. Hoje, após o afastamento de
Dilma Rousseff, temos uma "política velha", que deve garantir um retorno
para a posição que o país estava há 15 anos ou mais, acredita o
professor do Instituto de Economia da UFRJ João Sicsú.
"Não há horizonte de otimismo para a economia brasileira", alerta Sicsú,
que foi diretor de Políticas e Estudos Macroeconômicos do Ipea entre
2007 e 2011. Ele defende que uma nova recessão deve ser esperada para
este ano, já que falta um plano de recuperação da economia e de combate
ao desemprego.
O Boletim Focus previa em outubro do ano passado uma alta no PIB de 1,3%
para 2017. Em dezembro, a previsão caiu para 0,5%, e pode cair ainda
mais. Como aponta Sicsú, o desemprego crescente e a crise nos estados
afetam o consumo, empresários deixam de investir porque não há
perspectiva de crescimento da economia, não há política de investimento
do governo e as estatais também investem menos.
"Estamos tendo políticas econômicas que não resolvem o desemprego.
Milhares de famílias já voltam para o programa Bolsa Família. Temos
dados bastante assustadores, 500 mil famílias que saíram do programa até
2011 retornaram só no ano de 2016. Esta é a política econômica que nós
temos hoje, uma política velha que produz antigos resultados. Vamos
retornar ao passado que tínhamos", alerta Sicsú.
Jornal do Brasil - Há um tempo, em 2013, início de 2014, se discutia que
o Brasil não tinha planos econômicos de longo prazo, como teriam sido
implementados na Índia e na China. O que podemos dizer agora sobre a
política econômica brasileira?
João Sicsú - De fato, a gente não tinha um projeto de desenvolvimento
nesses últimos anos, o que não quer dizer que não avançamos, no sentido
de melhorar a infraestrutura do país e a qualidade de vida das pessoas.
Mas eram políticas conjunturais, programas específicos, isolados. Porém,
que deram excelentes resultados.
A política econômica de hoje é uma política regressiva, de volta ao
passado. Além de ser velha, vai produzir resultados que nós vamos
retornar a situações que tínhamos há 10, 15 anos, ou até mais.
Estamos tendo políticas econômicas que não resolvem o desemprego.
Milhares de famílias já voltam para o programa Bolsa Família. Temos
dados bastante assustadores, 500 mil famílias que saíram do programa até
2011 retornaram só no ano de 2016.
Esta é a política econômica que nós temos hoje, uma política velha que
produz antigos resultados. Vamos retornar ao passado que tínhamos.
Jornal do Brasil - O senhor comentou nas redes sobre a revalorização das
ideia do Consenso de Washington turbinadas por planos das experiências
recentes europeias. No caso do Brics, só pra usar como exemplo, os
debates sobre o assunto na época, 2013/2014, falavam sobre a importância
dele justamente como um contraponto ao Consenso de Washington. Como
você enxerga a força deste movimento?
João Sicsú - O Brasil tomou medidas no sentido correto a partir de 2003,
que foi no sentido de fortalecimento dos Brics, e até de fazer um banco
de financiamento para infraestrutura nesses países. Os Brics realmente
tinham um sentido que levava os países para o desenvolvimento, em
especial para construção de infraestrutura nesses países. E isto era
extremamente positivo, tinha aspectos isolados importantes como no caso
do Brasil, com um foco na política social muito forte, e também a ideia
de construção física dos países, de infraestrutura.
O que isso tem de oposto é que o Consenso de Washington pressupõe que os
países podem até investir na infraestrutura, mas isto dependeria da
iniciativa privada. Porém, por exemplo, no caso brasileiro, esta tem
peso nulo para construção da infraestrutura [que dependeria mais do
setor público]. Vale para a China a mesma coisa.
A volta do Consenso de Washington, além de ser um retrocesso do ponto de
vista de construção de infraestrutura dos países, traz consigo a
extinção das políticas sociais, o que, no caso brasileiro, é muito
significativo, com a Previdência Social, o SUS, o sistema federal de
educação -- tudo que vem sendo debilitado pelo menos profundamente. Isto
é extremamente negativo. Os Brics têm um sentido, o Consenso de
Washington tem outro, com resultados opostos também.
Jornal do Brasil - Você também comentou que uma nova recessão deve ser
esperada para 2017, já que o governo Temer não teria um plano de
recuperação da economia e de combate ao desemprego. PEC 55, China e
Trump colocam novos impasses. O que podemos esperar para a economia do
país nos próximos anos. Você vê algum horizonte capaz de gerar otimismo
em relação à situação brasileira?
João Sicsú - Não há nenhum sinal de recuperação da economia. O consumo
das famílias está extremamente debilitado, o investimento público
também, e o investimento privado depende de expectativas em relação à
economia do país, que hoje são cadentes. Cada dia se espera menos da
economia brasileira, o investimento privado está parado.
O canal das exportações poderia ser uma saída, mas ele é muito limitado,
pois não depende do que acontece no Brasil. O Brasil não tem nenhum
controle sobre o comportamento da China, ou sobre as medidas a serem
adotadas pelos Estados Unidos, sobre a trajetória dos preços de
commodities, Apostar no caminho da exportação em um país tão grande e
com um mercado volumoso é apostar no nada. Podemos ter algum sinal
positivo, mas não compensará o sinal negativo dos outros -- no consumo
das famílias, no investimento público e privado. O ano de 2017 deve ser
de recessão, não de estagnação. Será uma repetição de 2016.
Jornal do Brasil - O desemprego não para de subir no país. Ao mesmo
tempo, se articulam movimentos de "reforma" da legislação trabalhista. A
proporção de pessoas em situação de pobreza deve aumentar, como apontou
o estudo do Banco Mundial. A crise é projeto?
João Sicsú - Não é um projeto. Se bem que já há muitos analistas que
consideram a crise como algo positivo para 'higienizar' a economia, a
sociedade, quando 'incompetentes' são tirados de cena.
O projeto não é de crise, é de reduzir os custos empresariais, os custos
trabalhistas -- o que no ponto de vista do trabalho é direito --, para
aumentar a produtividade. Só que nenhum trabalhador aumenta
produtividade quando está inseguro, vulnerável, do ponto de vista
social.
Na verdade, o governo e os empresários olham para o trabalhador como um
custo. A reforma trabalhista, da previdência, as desonerações, são todas
no sentido de aumentar o volume de recursos para empresários, para que
eles resolvam investir. Mas eles não vão investir apenas se o dinheiro
está disponível, eles vão investir se houver perspectiva de crescimento,
sem direito trabalhista ou não.
Em 2010, por exemplo, quando os direitos estavam mantidos, o
investimento era alto, porque havia perspectiva de crescimento. O que
mostra que, para haver investimento, precisa haver expectativa em
relação ao futuro. Precisamos e não temos.
Se busca aumentar os lucros empresariais em cenário de estagnação e
recessão prolongada, com retirada de diretos de trabalhadores, para que
os trabalhadores custem cada vez menos para a produção.
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