seg, 27/02/2017 - 07:45
A Lava Jato e seus inimigos íntimos
por Aldo Fornazieri
A
grande frente que se formou para perpetrar o golpe do impeachment está
se desfazendo aos poucos. O ponto de convergência desta frente foi a
Operação Lava Jato. Ela era o estandarte, a bandeira tremulante, na qual
estava estampada a cruz para liderar o expurgo dos corruptos que
haviam se apossado do país. Sérgio Moro parecia ser uma espécie de São
Bernardo de Clairvaux, cujos pareceres nos processos e nos mandatos eram
verdadeiras chamadas à mobilização de cruzados. Ou, quem sabe, era o
bispo Fulk um dos chefes da Cruzada Cátara para combater com violência
os hereges porque, entre outras coisas, estes queriam uma maior
igualdade.
Nas
cruzadas do impeachment todos eram santos: os que foram às ruas, os
integrantes do judiciário, os porta-vozes da grande mídia, os políticos
contrários ao governo Dilma, os deputados do indescritível espetáculo do
17 de abril, os grupos que pregavam a volta dos militares etc. São
Michel, com seu cortejo de anjos e arcanjos, haveria de purificar o
Brasil com seu jeitinho manso, com sua habilidade de conversar, com sua
capacidade de construir consensos. O Brasil, livre dos demônios
vermelhos, seria unificado, num estalar de dedos a economia voltaria a
crescer e o manto verde e amarelo da ordem e do progresso haveria de
produzir paz, contentamento, empregos e opulência.
Esta
grande mentira, que embebedou boa parte da sociedade, hoje não passa de
um espelho estilhaçado em mil pedaços, todos eles refletindo a face da
maior quadrilha de corruptos que se apossou do poder. Todos eles
refletindo as faces de um grupo indigesto de políticos que se acotovelam
para participar da suruba do Foro Privilegiado. Todos eles refletindo
as faces de antigos comparsas que agora querem queimar o sagrado
estandarte no fogo cruzado que objetiva bloquear a marcha da libertação
da terra santa. Até os santos, os chefes dos cavaleiros templários, o
São Bernardo, são diariamente chamuscados pelas chamas que vêm das
barricadas que tentam bloquear a justiça purificadora.
O
PMDB, principal beneficiário, se tornou também o principal inimigo da
Lava Jato. Já tentou várias manobras no Congresso para detê-la. Agora
vêm os ataques públicos. Junto com alguns colunistas e blogueiros de
direita, que se valeram de todas as ilegalidades da Lava Jato e do juiz
Moro para derrubar o governo Dilma, desferem petardos contra os
vazamentos seletivos, contra a criminalização da política, contra as
conduções coercitivas, contra a manutenção de acusados na cadeia para
que eles façam delações premiadas, contra o "lado obscuro" da operação e
assim por diante. Investigar corruptos do PMDB e do PSDB virou sinônimo
de "criminalização da política". Contra o PT se tratava de "limpeza
moral". Mas a partir do governo Temer, a fetidez do ar bloqueou até
mesmo a chuva nos céus de Brasília.
O
PMDB está na linha de frente no combate à Lava Jato. Age como se fosse
uma infantaria, uma espécie de bucha de canhão. Já, o PSDB, age como se
fosse um grupo de comando de forças especiais. Usa a inteligência, tem
infiltrados poderosos nas trincheiras "inimigas" como Rodrigo Janot, o
próprio Moro, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e o ministro plagiador. Entre
os infiltrados, nem todos são amigos entre si. O único ponto de
convergência consiste em proteger os caciques do tucanato. Uns
torpedeiam a Lava Jato, citando, inclusive, ilegalidades contra
petistas; outros, querem preservá-la no que lhes interessa.
As
direitas que patrocinaram as mobilizações de rua agora estão divididas.
De um lado estão aqueles que querem salvar Temer para salvar o PSDB em
2018. Além de atacarem a Lava Jato, acusam seus ex-colegas
classificando-os de "direita xucra", de fazer o jogo da esquerda por
querem continuar mobilizando contra a corrupção. Ocorre que as
perspectivas de 2018 colocam as direitas em uma encruzilhada, em marchas
para caminhos distintos. A "direita xucra" quer a continuidade das
mobilizações por duas razões: 1) ficar com Temer poderá significar um
naufrágio; 2) não quer uma alternativa tucana, pois está engajada na
construção de um projeto mais à direita - talvez Bolsonaro, talvez um
outro candidato a la Trump.
Temer deveria renunciar e Moro se afastar
Não
é necessário muito esforço de lógica para perceber o que a "Operação
Mula", que envolve José Yunes, Eliseu Padilha e Michel Temer quer
esconder. O PMDB tinha três chefes que recebiam e distribuíam propinas:
Michel Temer, Eduardo Cunha e Eliseu Padilha. Não se tratava atos
fortuitos, ocasionais, mas de operações sistemáticas de corrupção
tramadas, inclusive, em palácios da República.
A
continuidade de Temer na presidência da República foi, é e será uma
afronta à dignidade nacional, à moralidade social, aos conceitos
fundantes da Constituição Federal. Se ainda restam alguns resquícios de
comunidade política nacional, Temer precisa se afastar ou ser afastado.
Aqui cabe uma cobrança às sumidas oposições: sem o afastamento de Temer,
o futuro da dignidade da política, da sua moralidade, da
responsabilidade, estará comprometido por anos seguidos. Sem a saída de
Temer a herança que ficará serão os escombros da democracia e a
percepção de que golpes valem a pena.
O
juiz Moro, por seu turno, não tem mais condições morais de permanecer à
frente da Lava Jato. Em recente palestra proferida nos Estados Unidos
ele afirmou que não contribuiu para derrubar Dilma. Ele não só
contribuiu de forma decisiva como, agora se sabe, agiu deliberadamente
para proteger os mal-feitos de Temer ao cancelar perguntas dirigidas
pela defesa de Cunha ao presidente-usurpador. Ao barrar as perguntas de
Cunha, o juiz Moro cometeu duas ilegalidades: 1) barrou o direito de
defesa, algo que não cabe a nenhum juiz praticar; 2) prevaricou, pois o
certo era permitir que se pudesse conhecer aquilo que as perguntas
pretendiam revelar.
Vejam-se
apenas duas das perguntas barradas por Moro dirigidas a Temer: "Qual a
relação de Vossa Excelência com o Sr. José Yunes?" e "O Sr. José
Yunes recebeu alguma contribuição de campanha para alguma eleição de
Vossa Excelência ou do PMDB?". Moro classificou como "chantagem" e
"provocações" as perguntas da defesa de Cunha. Está claro que ele agiu
para proteger Temer, protegendo um esquema criminoso.
A
cada dia que passa, as provas deixam mais evidente que quem destruiu a
Petrobras pela corrupção foi o PMDB. A destruiu para agora entregar os
seus ativos ao capital estrangeiro. Este governo foi instituído para
liquidar as empresas brasileiras a preço de banana, para entregar os
direitos dos trabalhadores ao capitalismo de predação, para vender as
aposentadorias de pobres idosos ao capital financeiro, para destruir a
educação e a saúde públicas.
Agora
a mídia e setores de direita querem vender a seguinte equação: a
política vai mal, mas a economia vai bem, pois os indicadores estariam
melhorando. Proclamar a queda da inflação e dos juros como grande feito
desse governo significa vender fumaça, pois os dois indicadores são
consequência do efeito inercial da recesssão. Na verdade, a política
está podre e a economia vai mal. Uma economia que tem mais de 12% de
desempregados não pode estar bem. Uma economia que produz novos pobres
todos os dias não pode estar bem. Uma economia que destrói o pouco de
seguridade social do seu povo vai muito mal.
Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política.
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