Luciano Huck e o jornalismo que perdeu o faro na classe média midiatizada, por Wilson Ferreira
ter, 23/05/2017 - 08:30
por Wilson Ferreira
A corrida de celebridades como Luciano Huck para apagar fotos nas redes sociais com o, agora, radioativo senador Aécio Neves, é a face mais visível de um novo fenômeno: o surgimento uma classe média midiatizada: jornalistas, artistas, celebridades esportivas entre outros da fauna midiática que, por respirarem e viverem em uma bolha que os isola das ameaças do deserto do real, começam a criar relações promíscuas e comprometedoras com personagens empresarias e políticos que habitam no entorno do poder. Como sintoma “tautista” (tautologia + autismo) desses ambientes midiatizados, confundem câmeras, teleprompter e claque de aplausos em auditório com a própria realidade, chegando alguns a acreditar que de fato ocupam “espaço de poder”. Casadas com políticos e empresários além de manter amizades com centros de poder corporativos e governamentais fazem muitos jornalistas acreditar que também pertencem à classe dominante, criando um tipo de jornalismo e entretenimento marcado por relações promíscuas e conflitos de interesses.
A corrida de celebridades como Luciano Huck para apagar fotos nas redes sociais com o, agora, radioativo senador Aécio Neves, é a face mais visível de um novo fenômeno: o surgimento uma classe média midiatizada: jornalistas, artistas, celebridades esportivas entre outros da fauna midiática que, por respirarem e viverem em uma bolha que os isola das ameaças do deserto do real, começam a criar relações promíscuas e comprometedoras com personagens empresarias e políticos que habitam no entorno do poder. Como sintoma “tautista” (tautologia + autismo) desses ambientes midiatizados, confundem câmeras, teleprompter e claque de aplausos em auditório com a própria realidade, chegando alguns a acreditar que de fato ocupam “espaço de poder”. Casadas com políticos e empresários além de manter amizades com centros de poder corporativos e governamentais fazem muitos jornalistas acreditar que também pertencem à classe dominante, criando um tipo de jornalismo e entretenimento marcado por relações promíscuas e conflitos de interesses.
Lá pelos idos de setembro de 1999, em artigo no jornal Folha de São Paulo intitulado
"Ninguém ousa namorar as deusas do sexo", o ex-cineasta e jornalista
Arnaldo Jabor qualificava o apresentador Luciano Huck como um
“fazendeiro de bundas”.
Na época Huck era a estrela do programa H da
Band, depois de uma trajetória como estagiário em agências de
publicidade, revista Playboy, colunas sociais e sócio de casa noturna na
praia de Maresias/SP. O Programa H costumava
revelar beldades como a “Feiticeira” e a “Tiazinha” que, para Jabor,
eram produtos de uma “revolução da vulgaridade regada a funk e pagode”
– clique aqui.
Dezoito anos depois, o outrora “fazendeiro de bundas”, em recente entrevista para a mesma Folha,
passou a se autonomear como representante de uma geração que está
“pronta para ocupar espaços do poder” diante do “colapso do sistema
político”. E em tom messiânico, declara-se com uma “missão conquistada
pelo poder do microfone resultado de muito trabalho”. - clique aqui
Depois de jornalistas como Ivan Moré tentar criar uma espécie de Lava Jato moralizadora no esporte (o quadro “Jogo Limpo”, clique aqui) e jornalistas como Fátima Bernardes migrarem para programas de entretenimento (clique aqui),
dessa vez é Huck que foi contaminado pela metástase do tautismo
(tautologia + autismo) que impregnou os corredores, estúdios e redações
da Globo.
Huck
acredita que falar ao microfone, receber aplausos de uma claque em um
auditório e ler o teleprompter é um contato real com o povo e o poder.
É
o sintoma tautista de confundir o signo com a própria coisa (confundir a
câmera com a própria realidade). Inebriado por esse ambiente midiático
auto-referencial e fechado em si mesmo, Huck distribui indícios que
possa se candidatar à presidência e se vangloria de ter amigos íntimos
do poder como Fernando Henrique Cardoso (“a cabeça mais moderna do
Brasil”) e o senador Aécio Neves (“tenho carinho por ele”).
Tautismo e a classe média midiatizada
Depois
do escândalo das delações premiadas dos donos do frigorífico JBS,
abalando o governo do desinterino Temer e levando junto Aécio Neves,
Huck corre para as redes sociais e apaga suas fotos nas quais posava
orgulhosamente ao lado do seu amigo senador – assim como também fizeram
diversas estrelas midiáticas apoiadoras de primeira hora do impeachment
como Ana Paula do vôlei, o jogador Neymar entre outras celebridades.
O
que revela um fenômeno derivado do tautismo que agora parece demonstrar
não ser só propriedade exclusiva da Globo: também contamina o próprio
contínuo midiático como um todo. Esse fenômeno é o do surgimento de uma,
por assim dizer, nova classe média midiatizada – jornalistas, artistas, celebridades esportivas et caterva que,
por respirarem e viverem nessa atmosfera tautista que os blinda das
ameaças do deserto do real lá de fora, começam a criar relações
promíscuas e comprometedoras entre mídia e personagens empresarias e
políticos que habitam no entorno do poder.
No
futuro, esse fenômeno (que está muito além das tradicionais
celebridades das colunas sociais) ainda será objeto de estudos
acadêmicos da sociologia até a antropologia urbana. Mas, desde já,
podemos perceber que o ponto de partida do fenômeno está na boa
remuneração e no fascínio em constatarem o alcance na opinião pública
das suas visões de mundo.
Imersos
e intoxicados por essa atmosfera viciada, tornam-se veículos fáceis
para aqueles que verdadeiramente detém o poder – o Capital, seja
político, financeiro e dos meios de produção.
Lauro Jardim |
“Furo” e vazamentos
Por exemplo, o jornalista de O Globo,
Lauro Jardim, após o suposto “furo” que virou o barco da República
publicado em sua coluna, passou a ser entrevistado como fosse a estrela
do jornalismo que poderá mudar o rumo da política – algo assim como Bob
Woodward e Carl Bernstein que derrubaram o presidente Nixon com o
escândalo Watergate no anos 1970 nos EUA.
Nesse
ambiente tautista, editar vazamentos produzidos pelo Ministério Público
e Polícia Federal tornou-se sinônimo de “furo” – ou como o jornalista
Caco Barcelos chama de “jornalismo declaratório” no qual a
“investigação” consiste em meramente republicar documentos vazados, sem o
jornalista se interessar em ligar pontos ou checar a veracidade das
informações.
De
Luciano Huck a Lauro Jardim, todos são membros dessa nova classe média
midiatizada. Pensam ter o poder, mas são apenas assalariados altamente
remunerados por aqueles que detêm o monopólio dos meios de produção e
distribuição. O verdadeiro poder, o Capital.
Os
altíssimos ganhos (sejam simbólicos ou financeiros) e o engrandecimento
do próprio ego levam a criar esse novo estamento mediador entre o
Capital e a opinião pública.
Cães perdidos
No livro A Saga dos Cães Perdidos,
o pesquisador e professor da ECA/USP Ciro Marcondes Filho traça a
história de como o Jornalismo perdeu o seu faro e se perdeu. Ele aponta
dois fatores: o primeiro, de ordem tecnológica, a prática da profissão
“sentada”, em estúdios e redações na qual o trabalho passa a ser de
meramente editar e repassar informações (releases, vazamentos ou notas)
diante de terminais nas estações de trabalho.
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