quinta-feira, 6 de maio de 2021

Uma introdução meticulosa e abrangente a Marx.

 

Uma introdução meticulosa e abrangente a Marx

Ricardo Antunes escreve sobre a incomum conjunção entre densidade, rigor e clareza presentes no novo livro de Jorge Grespan sobre Marx

Jorge Grespan na sede da Boitempo em 2019. Foto: Artur Renzo.

Por Ricardo Antunes.

Não é fácil escrever uma introdução a Marx, autor tão marcante que, como nenhum outro, descortinou as tantas e tão agudas contradições que se desenvolveram com o capitalismo. Autor que manejava filosofia, economia política, teoria social, análise política, literatura (chegando a flertar com as ciências exatas) e que era capaz de ler esse conjunto imenso de obras clássicas quase sempre em suas línguas originais. Como consequência deste incomensurável labor intelectual, floresceu um empreendimento verdadeiramente monumental: a crítica da economia política, que encontrou sua síntese maior em O capital.

Grespan pode escrever Marx: uma introdução porque, sendo um profundo conhecedor da obra marxiana, é capaz de indicar nos livros II e III de O capital (publicados depois da morte de Marx) o que é próprio da escrita marxiana e o que devemos ao contributo engelsiano, que foi vital para que os dois volumes inacabados pudessem ser finalmente publicados.

Assim, Marx: uma introdução realiza uma feliz e incomum conjunção entre densidade, rigor e clareza, típicos de um pesquisador que mergulhou na interioridade da opera de Marx.s

O sumário do livro estampa essa qualidade e abrangência. Um exemplo: Grespan demonstra que o fenômeno da alienação, tratado por Marx em seus escritos de juventude, ganhou forte adensamento e concretude na magistral formulação do fetichismo da mercadoria (e para além dela), indicando algumas de suas profundas ressonâncias nas subjetividades plasmadas pelos interesses do capital. Sem cair na esparrela das “rupturas epistemológicas”, apresenta os avanços existentes entre a conceituação inicial da alienação e seu corolário, o fetichismo, que aparece no Livro I de O capital.

Esse mesmo procedimento analítico está presente nos capítulos seguintes, nos quais o autor discute a mercadoria, o capital e as crises econômicas, indicando pistas para se compreender as complexas abstrações presentes na obra marxiana. Ou ainda, ao discorrer sobre os conceitos de ideologia, história e revolução, o que lhe permite oferecer uma introdução ao mesmo tempo meticulosa e abrangente, na qual os textos de juventude e maturidade de Marx se articulam com fina fluidez.

Assim procedendo, Marx: uma introdução se qualifica para incentivar a juventude a estudar um autor que escreveu no século XIX, mas parecia estar olhando para o XXI.

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Jorge Grespan é conhecido entre os estudiosos brasileiros de Marx por obras densas, com abordagens detalhadas e de imenso rigor. Em Marx: uma introdução, de caráter didático e introdutório, o autor não só expõe em prosa ágil o núcleo da crítica de Marx à sociedade capitalista, mas também enfatiza a atualidade de seus conceitos para a compreensão das transformações do capitalismo dominado pelas finanças e suas crises. 

O que distingue essa obra de outras introduções concisas é a reconstrução do encadeamento lógico dos conceitos utilizados por Marx, que reverbera décadas de estudo filológico realizado por Grespan, desta vez numa linguagem acessível ao público não especializado. Das oposições que permitem a análise da forma mercantil simples até o caráter contraditório do capitalismo enquanto sistema social, Marx: uma introdução abrange o essencial do pensamento desenvolvido pelo pensador alemão, ajudando tanto leitores novos quanto os experientes a compreender melhor sua potência científica e revolucionária.

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O livro de Jorge Grespan tem texto de orelha de Ricardo Antunes e capa de Maikon Nery.

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