182 - Em briga de tucano, marreco morre na praia
1ª de abril de 2022
Em briga de tucano, marreco morre na praia
Olá, Milton Ribeiro, Joaquim Silva e Luna e Sérgio Moro caíram na mesma semana. João Dória caiu, mas não caiu. E fica tudo como está no MEC, na Petrobras e na corrida presidencial.
.Nesse vai e vem. Eduardo Leite renunciou ao governo do Rio Grande do Sul para tentar derrubar João Dória e disputar a presidência pelo PSDB, prometendo uma unidade em que ninguém acreditou. Talvez por ciúmes, Dória também se movimentou para chamar a atenção, anunciando o abandono da candidatura para ficar no governo de São Paulo. A jogada pode ter sido inspirada em Jânio Quadros, mas Dória não foi tão longe para não correr o risco de alguém aceitar a desistência de sua candidatura. Em poucas horas, ele desistiu de desistir. Mesmo sem afinidade com o forró, Dória faz de tudo para ganhar no xenhenhém. Enquanto Sérgio Moro, abandonado pelo Podemos, deixou a corrida de verdade e, minúsculo, deve disputar uma cadeira na Câmara. Sem o ex-ministro de Bolsonaro no páreo, Dória ainda pode tentar juntar o que sobrou da terceira via numa aliança com o União Brasil e o MDB. Independente disso, a crise interna do PSDB não tem prazo para acabar. E, quem diria, quem pode ficar com o espólio é Lula. Depois de atrair Geraldo Alckmin, os petistas mantêm conversas com outras “cabeças brancas”, a ala mais antiga do partido, alijada por Dória e Aécio, e apostam que nos bastidores nomes como FHC, José Serra e Aloysio Nunes vão trabalhar para a campanha de Lula. Nada mais simbólico do que o encontro entre o coordenador do programa de Lula, Aloizio Mercadante e Pérsio Arida, ícone econômico dos tucanos. Soma pontos na aproximação o discurso de Lula para os empresários de que seu governo será previsível na economia, com segurança jurídica e sem revanchismo. E de quebra, o PT ainda volta a flertar com o PSD de Gilberto Kassab, que chega ao fim da janela partidária sem um candidato próprio à presidência.
.E o Oscar vai para... Se nada der certo, Bolsonaro ainda pode tentar a carreira de ator. Afinal, sua luta contra a escalada no preço dos combustíveis nunca passou de uma peça de ficção, com cenas memoráveis como a batalha do capitão contra a ganância dos governadores. Mas, acossado pela maioria da população que considera-o culpado pela alta da gasolina, Bolsonaro teve que vestir o figurino do intervencionista. É verdade que o mercado também cumpriu seu papel dramático, dizendo temer os arroubos e possíveis aventuras do capitão. O desfecho do drama merecia pelo menos um Kikito: Bolsonaro encenou o sacrifício do gen. Silva e Luna, mesmo indispondo o exército e a marinha, que caiu atirando contra a mudança da política de preços da Petrobras, enquanto o espectador era induzido a ver um capitão defensor do povo contra as mesquinharias do mercado. Mas a reviravolta era falsa. No lugar do militar, ascende à presidência da Petrobras Adriano Pires, que já defendeu até a privatização da estatal. Assumem novamente o protagonismo aqueles que nunca deixaram de estar lá, o mercado e o centrão, que agora não dependem mais da intermediação de generais para ter acesso ao comando da empresa. Sobra de pé apenas o arquirrival, Lula, denunciando que a única solução é o fim da política de paridade de preços do combustível no mercado internacional. Fora isso, são os remendos típicos de fim de novela. Sem solução à vista para o aumento de preços, ressuscita-se a proposta de criar um fundo de estabilização de preços que se arrasta desde o ano passado. E na disputa pelo prêmio de melhor coadjuvante, temos Paulo Guedes como homem humilde que diz que baixar impostos sobre a gasolina beneficia quem tem barcos e aviões e Sérgio Moro, no papel de aprendiz de neoliberal, dizendo que se fosse ele o presidente, privatizaria tudo de uma vez.
.Tapa na cara. Não durou uma semana a promessa de Bolsonaro de que colocaria a cara no fogo pelo pastor Milton Ribeiro. É verdade que Ribeiro contou com a solidariedade não apenas de Jair, mas da primeira-dama, dos ministros Tarcísio de Freitas e Damares. Sempre leal ao capitão, o pastor caiu para ajudar na reeleição e segurou a barra do chefe até no depoimento para a PF, mesmo com os rastros que levam diretamente ao gabinete de Bolsonaro no Planalto, onde os dois pastores foram recebidos mais vezes que o general Mourão. Ainda assim, segundo o Datafolha, o escândalo aumentou a percepção de que há corrupção no governo, quando justamente a anticorrupção era bandeira do bolsonarismo para se reaproximar da classe média morista. Os escândalos desagradaram também a ala evangélica que trabalha pesado para a reeleição. A reclamação é de que o caso manchou a imagem dos evangélicos em geral, além do fato de que Ribeiro só agilizava os pleitos de dois pastores da Assembleia de Deus, enquanto parlamentares da bancada evangélica e de outras igrejas ficavam na fila. Depois de tanta desmoralização, os pastores desistiram de disputar um sucessor e a vaga ficou temporariamente com Victor Godoy, um servidor de carreira, com mais proximidade com a área econômica do que com a educação. No entanto, a saída de Ribeiro não encerra o assunto para a oposição, que tenta abrir uma CPI, enquanto o MP começa a investigar os desdobramentos do caso. O troca-troca também não muda o essencial: o projeto de destruição do MEC e seu controle ideológico. Enquanto os evangélicos miram no controle do Conselho Nacional de Educação, o desmantelado INEP recomenda utilizar questões antigas no Enem por falta de novos testes prontos. Resta saber se o tema da educação vai motivar a juventude que embalou a campanha para tirar o título de eleitor para engrossar também as novas mobilizações pelo Fora Bolsonaro convocadas para 9 de abril.
.O futuro é um bolso vazio. Infelizmente a inflação não é uma peça de ficção. Este ano, o IPCA para o mês de março foi o maior desde 2015, sendo puxado pelos alimentos e pelo transporte. A única coisa que o governo conseguiu democratizar nos últimos anos foi a fome. Segundo a pesquisa DataFolha, ao menos 24% da população reconhece que a quantidade de comida em casa não foi suficiente nos últimos meses, situação que atinge não só os mais pobres mas também aqueles com renda superior a cinco salários mínimos. Sinal de que o cinto está apertando é que 70% dos endividados com cartão de crédito o fizeram para comer. Além dos alimentos e dos combustíveis, a inflação chegou a outro artigo de primeira necessidade, os remédios, que terão um reajuste de 11%. O efeito de tudo isso é a redução do poder de compra dos salários. Dados compilados pelo IBGE apontam que a renda média do brasileiro ficou em R$ 2.444 por mês entre setembro e novembro de 2021, o pior índice já registrado pelo Instituto. Com tudo isso, o bolso vazio pode se tornar o principal fator eleitoral deste ano. O economista Paulo Kliass alerta que a esquerda está sendo tímida ao tratar da crise social em andamento. Para ele, o cenário atual é favorável a uma iniciativa de massas similar ao movimento contra a carestia que ocorreu no final da ditadura. Aliás, Bolsonaro já percebeu isto, mas não tem nada a oferecer. Até mesmo para beneficiar os policiais o governo é cauteloso, temendo uma escalada de reivindicações por parte do funcionalismo público, que já se intensifica com a greve dos servidores do Banco Central. Já,no setor privado, os entregadores e motoristas de aplicativos também convocaram uma greve geral. Só resta mesmo a Bolsonaro repetir a mesma ladainha de que a inflação foi causada pelas restrições impostas pelos governadores durante a pandemia. Haja paciência!
.Ataque dos cães. Sem ter nenhuma resposta concreta para a inflação ou a crise econômica, somado ao fracasso do Auxílio Brasil, Bolsonaro mais uma vez vai apostar no abstrato para a reeleição. O seu discurso no ato de filiação ao PL repetiu a pregação da luta do “bem contra o mal”, a historinha da facada e as ameaças golpistas, repetindo o bordão de “é duro jogar nas quatro linhas da Constituição”. Ainda assim, foi preciso pagar a militância para encher o auditório em Brasília. Voltaram também os ataques ao STF e também ao TSE, mesmo depois deste Tribunal e o PL terem dado um tiro no pé e ressuscitarem o “Fora Bolsonaro” quando tentaram censurar um festival musical. E se tudo der errado, sempre resta uma dor de barriga no meio do caminho para tirar o capitão da pressão da imprensa. Apesar da tosquice, Bolsonaro não é carta fora do baralho. Com a janela partidária, a base parlamentar do bolsonarismo alcançou 171 deputados, o Republicanos foi pacificado e enquadrado na base aliada, a máquina do Estado continua funcionando sem parar a serviço da reeleição e o capitão costura um bloco de candidaturas no sul e sudeste para fazer frente ao domínio lulista no nordeste. Muito mais grave são os movimentos para manter as forças armadas atreladas à sua candidatura, desde mais bônus aos militares até a escolha de Braga Netto como candidato à vice. Ainda que, lembra Pedro Fernando Nery, a principal ação do governo sob comando do general não tenha passado de um powerpoint.
.Ponto Final: nossas recomendações.
.No mundo existem muitas armadilhas e é preciso destruí-las. Vijay Prashad denuncia a permanente intervenção dos Estados Unidos na política brasileira desde 1964. No Brasil de Fato.
.Guerra da Ucrânia, imperialismo e comunicação. No Diplô Brasil, César Bolaño analisa o uso dos veículos de comunicação como armas de guerra contra a Rússia.
.Por que parar nos oligarcas russos? Yanis Varoufakis sugere ir além e confiscar os bens dos oligarcas americanos, sauditas, chineses, indianos, nigerianos e gregos que dominam a economia inglesa.
.Abrindo a torneira. Na contramão do mundo, os municípios brasileiros concedem o fornecimento d’água à iniciativa privada e quem paga a conta é a população. Por Camille Lichotti, na Piauí.
.Elifas Andreato (1946-2022), o artista de cores, brasilidade e combate. Mais do que um ilustrador de cartazes para filmes, peças, shows e capas de vinil, Andreato era um militante engajado com as lutas de seu tempo. Por André Cintra no Portal Vermelho.
.O centenário do PCB. Lincoln Secco discorre sobre os cem anos do comunismo no Brasil, suas diferentes fases, momentos de dissidência e seu papel como educador político. No A Terra é Redonda.
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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
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