Maiores bancos do mundo injetaram US$ 4,6 trilhões em petróleo, gás e carvão desde o Acordo de Paris, por Maurício Angelo
Quatro bancos americanos dominam os destaques negativos: JPMorgan Chase, Citi, Wells Fargo e Bank of America
Maiores bancos do mundo injetaram US$ 4,6 trilhões em petróleo, gás e carvão desde o Acordo de Paris
por Maurício Angelo
Na contramão do necessário para evitar o colapso climático da Terra, os 60 maiores bancos do mundo investiram nada menos que US$ 4,6 trilhões de dólares em projetos de petróleo, gás e carvão desde a adoção do Acordo de Paris, em 2015.
Os dados são do relatório “Banking On Climate Chaos”, lançado esta semana pela Rainforest Action Network (RAN).
Encarado com otimismo geral quase 7 anos atrás, as metas acordadas por quase 200 países no Acordo de Paris estão cada vez mais distantes. O relatório da RAN reforça que, ao contrário de avançar, muitos setores passam por retrocessos gravíssimos.
Tudo financiado com trilhões de bancos que, em sua maioria, alegam adotar “políticas de sustentabilidade”, ações para “zerar emissões”, são signatários de pactos de responsabilidade social e climática e dizem respeitar os direitos indígenas.
Entre as metas em risco está a de limitar o aumento da temperatura global em 1,5ºC até 2100. Segundo o último painel dos especialistas em clima da ONU, porém, o IPCC, esse “limite” deve ser ultrapassado já na próxima década.
Somente em 2021, destaca a RAN, os maiores bancos investiram US$ 742 bilhões em combustíveis fósseis.
Quatro bancos americanos dominam os destaques negativos: JPMorgan Chase, Citi, Wells Fargo e Bank of America. Instituições financeiras americanas também constam entre as principais investidoras em mineradoras ligadas as conflitos com povos indígenas na Amazônia, de acordo com os dois últimos relatórios lançados pelo Observatório da Mineração, Amazon Watch e parceiros.
O banco canadense RBC é o pior entre todos, destaca a RAN, enquanto o inglês Barclays é o pior da Europa e o MUFG o pior do Japão.
Mesmo com os compromissos assumidos, os bancos injetaram US$ 185 bilhões apenas em 2021 para as 100 empresas que mais contribuem para a expansão da indústria de combustível fóssil, como a ExxonMobil e a Saudi Aramco.
Contra acordos da COP 26, dependência do carvão se agrava com guerra na Ucrânia
Uma das formas de energia mais poluentes do mundo, o carvão também tem sido fartamente financiado tanto em projetos de mineração quanto em projetos de geração de energia. Ou seja, em todas as fases da cadeia.
Grandes bancos investiram US$ 17,4 bilhões em projetos de mineração de carvão apenas em 2021. Na forma de usinas, foram US$ 44 bilhões. Bancos chineses lideram os investimentos no setor.
Os dados colocam em dúvida a capacidade de se abandonar os investimentos em carvão nesta década e na próxima, conforme a COP 26, realizada em novembro último na Escócia, falhou em chegar a um acordo melhor.
A mineração é responsável por cerca de 7% das emissões globais dos gases que causam o efeito estufa via ação humana. A maior fatia é justamente a do carvão, tanto no seu uso como energia quanto da extração e exportação como commodity.
Para piorar, o ritmo de financiamento para projetos de carvão mais do que dobrou no primeiro semestre de 2022 em comparação com o mesmo período de 2021. Já foram quase US$ 10 bilhões de dólares em 3 meses deste ano contra US$ 4,4 bilhões no primeiro trimestre de 2021.
Enquanto isso, o mundo precisará fechar quase 3 mil usinas movidas a carvão antes de 2030 se quiser ter uma chance de manter os aumentos de temperatura dentro de 1,5 graus Celsius. Mais de 2.000 GW de energia é gerado via carvão em todo o mundo hoje, e isso precisa ser cortado pela metade, o que significaria o fechamento de quase uma unidade por dia de agora até o final da década. Os 10 maiores produtores de carvão do mundo se comprometeram a “zerar emissões” na COP 26. Mas não agora. Em 2050, 2060 ou 2070.
A China, maior emissora global e dona de metade das usinas a carvão do planeta, também não está com pressa.
Tanto que o acordo anunciado na COP 26 para interromper o financiamento em carvão até 2030 ou 2040, com 77 signatários, deixou de fora os maiores financiadores: China, Japão e Coreia do Sul. A quantidade massiva de dinheiro injetado por bancos chineses em carvão, como mostra o relatório da RAN, explica a opção. A Índia, com 10% do consumo mundial, também não se comprometeu.
A incapacidade dos banqueiros de cortar a torneira do carvão é “horrível”, destaca Alison Kirsch, gerente de pesquisa e políticas da Rainforest Action Network.
A situação se agravou com a invasão da Ucrânia capitaneada pelo presidente russo Vladimir Putin.
A Europa depende do gás natural da Rússia, e a guerra levou nações, incluindo a Alemanha, a considerar manter abertas suas usinas de carvão.
“O quadro geral aqui é que este é um momento para acelerar rapidamente o movimento em direção às energias renováveis e, em vez disso, o oposto está acontecendo”, disse Kirsch em entrevista para a Bloomberg.
“Já passou da hora de todos os bancos de todos os países encerrarem imediatamente seu apoio à expansão da mineração de carvão e energia.”
No Brasil, Bolsonaro garantiu subsídios para usinas a carvão e MME apoia a expansão do combustível sujo
No Brasil, Jair Bolsonaro sancionou em janeiro pelo menos R$ 3,3 bilhões de subsídios para usinas a carvão até 2025, em conta a ser paga diretamente por todos os consumidores de energia do Brasil.
Em agosto de 2021 o Ministério de Minas e Energia lançou um “programa sustentável” para o carvão mineral nacional, com o objetivo de manter a indústria em funcionamento e substituir antigas termelétricas por novas.
Com isso, estão previstos R$ 20 bilhões em investimentos em carvão no Brasil nos próximos 10 anos, com apoio financeiro e fiscal direto da União.
O foco do programa é justamente a continuidade da atividade de mineração de carvão na região Sul do Brasil, que concentra 99,97% da reserva de carvão mineral brasileira. Isso equivale, celebra o MME, a um potencial de abastecimento elétrico de 18.600 MW durante 100 anos de operação.
O setor carbonífero teve forte influência na definição das metas do Programa Mineração e Desenvolvimento (PMD), como mostrei em dezembro de 2020.
A Vale, após fazer lobby por décadas e manter uma das maiores minas de carvão do mundo, em Moçambique, está desistindo do negócio e deixando para trás uma série de violações de direitos humanos.
Maurício Angelo – Fundador do Observatório da Mineração. Repórter investigativo, professor de jornalismo e consultor com mais de 15 anos de experiência. Cubro principalmente Mineração, Amazônia, Cerrado, Direitos Humanos, Justiça, Lobby e Crise Climática. Tenho centenas de matérias publicadas na mídia brasileira e internacional. Fui eleito um dos três jornalistas mais relevantes do Brasil no setor de Mineração, Metalurgia e Siderurgia pelo Prêmio Especialistas de 2021, em votação espontânea. Venci o Prêmio de Excelência Jornalística da Sociedade Interamericana de Imprensa em 2019.
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