segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

"Não vou abandonar nada".

 

“Não vou abandonar nada”, diz vereadora cassada por denunciar gesto nazista

Enquanto aguarda proteção do governo para retomar atividades, Maria Tereza Capra conta que perseguição política dura mais de três meses.

Maria Tereza Capra, durante defesa do mandato. Crédito: Divulgação/ Câmara dos Vereadores de São Miguel do Oeste

Isolada desde sexta-feira (3), quando foi cassada pelos demais vereadores de São Miguel do Oeste, em Santa Catarina, Maria Tereza Capra (PT) não está acostumada a dar entrevistas, apesar de compor o Legislativo municipal há três mandatos.

No olho do furacão por denunciar uma referência ao nazismo nas concentrações de bolsonaristas em frente aos quartéis do Exercito após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a vereadora agora espera o programa de proteção para retomar suas atividades sociais e políticas, além de tentar reaver sua posição na Câmara, tirada injustamente por uma perseguição política que dura mais de três meses.

Confira a íntegra da entrevista concedida ao GGN nesta segunda-feira (6).

GGN: Como você recebeu e digeriu a notícia da cassação?

Maria Tereza Capra: Fiquei indignada com o resultado. Na verdade, estou indignada com todo o processo. Fiquei muito indignada, muito triste porque, afinal de contas, é um mandato que tem um propósito. De fato, quando nós saímos da Câmara, saí com todas as pessoas que tinham voz por meio do mandato. Ao mesmo tempo, fiquei com muita força e vontade de recuperar esse mandato.

GGN: Mas o resultado foi uma surpresa para você?

Maria Tereza Capra: De certa forma, o resultado já tinha sido anunciado no dia 3 de novembro, quando eles fizeram a moção de repúdio e durante todo o processo. Não houve nenhuma possibilidade de defesa, nossos pedidos foram praticamente todos indeferidos. Era um tribunal de exceção, na verdade. A narrativa que os vereadores fizeram no dia 3 [de novembro] e o que faziam nos grupos bolsonaristas no WhatsApp que estávamos monitorando era a de insuflar a população. No dia 2 [de novembro], a noite, eles já disseram: “amanhã vamos fazer uma nota de repúdio na Câmara e vamos caçar essa mulher. Então, vocês vão lá, se organizem (sic) e vamos lotar a Câmara”.

GGN: Esta perseguição, então, não é de hoje…

Maria Tereza Capra: Os vereadores operaram [pela cassação]. Primeiro que vários estavam nos atos antidemocráticos. Portanto, quando eu critico, quando insurgi contra os atos antidemocráticos, e aquela imagem que comunicou o mundo todo como sendo uma saudação nazista, eles estavam lá. Depois, eles trataram de organizar a reação popular de uma parte da sociedade. Inclusive, nós juntamos essas provas. Alguns vereadores se responsabilizaram por recolher as assinaturas das pessoas para fazer a cassação. Então, eles operaram para a cassação desde o primeiro dia [após a denúncia].

GGN: Como foi a discussão sobre o seu afastamento político no PT?

Maria Tereza Capra: Tive várias oportunidades em que, conversando com pessoas do meu próprio partido, eles tratavam de me culpabilizar, o que é muito comum nos crimes de violência contra a mulher, em que culpabilizam a vítima. Tenho, de fato, uma vivência parlamentar muito incisiva. As pautas que defendo são as que não agradam a elite conservadora da cidade, como o antirracismo, a comunidade LGBTQIA+, o feminismo, antifascismo e o direito dos trabalhadores. Sou advogada trabalhista há 26 anos. Em algumas situações de análise de plano diretor, por exemplo, eu ficava sozinha no debate sobre a concepção de cidade, da cultura, de causas populares mesmo. Eu levava esses temas para a Câmara e era sempre um baque tremendo.

GGN: Poderia dar alguns exemplos sobre esses embates?

Maria Tereza Capra: Fui contra um projeto de creche apenas para migrantes que estivessem trabalhando ou fossem eleitores do município [São Miguel do Oeste é uma cidade grande, mas muitas pessoas que moram na cidade trabalham em municípios vizinhos menores]. Presenciei discursos xenofóbicos na Câmara e sempre me contrapus a isso. Não foi só a minha diligência [por denunciar o gesto nazista]. Eles aproveitaram todo esse ódio ao que eu represento para fazer essa limpeza, esse “limpa campo”.

GGN: Como era o clima no legislativo antes das eleições? Já era hostil?

Maria Tereza Capra: Sou a única vereadora com três mandatos na Câmara, única mulher e, da esquerda, sou a única que se reelegeu. Tem eleição daqui a dois anos. Isso influenciou também. Sei porque nos grupos [de WhatsApp], eles falavam que “o Lula não podia ganhar, senão a Capra não sai mais”.

GGN: Você recebeu ameaças de morte. Como lidou com isso?

Maria Tereza Capra: Na questão das ameaças que recebi em novembro, sai da cidade. Fiquei três meses fora até conseguir a proteção [do governo]. Aí, consegui a inclusão no programa de proteção em 1º de fevereiro, quando fui à Brasília, e de lá vim a São Miguel para a sessão [em que foi cassada]. Com essa nova ameaça envolvendo outras autoridades [as vereadoras Ana Lúcia Martins (PT), de Joinville, e Giovana Mondardo (PCdoB), de Criciúma também sofreram ameaças de morte por expressar apoio a Capra], já fiz o registro e encaminhei para o serviço de proteção. Estamos aguardando a decisão do Ministério da Justiça, que deve informar a decisão nos próximos dias em conjunto com o Ministério dos Direitos Humanos. Mas estou isolada, pois dessa vez eu considero que tem uma ameaça real “de eliminação”, como eles dizem, a mim e a minha família. Da outra vez [em novembro], não estava nada registrado contra a minha família, mas por precaução eu levei os vulneráveis. Agora, as ameaças se estenderam à família e estou muito preocupada mesmo.

GGN: Sobre as ameaças, o que se sabe até o momento?

Maria Tereza Capra: No e-mail, dizem: “São Miguel do Oeste não é uma cidade nazista, sua burra, é uma cidade Nacional Socialista”, que era o partido do Hitler. Além de tudo, o cara confirma [as referências nazistas]. O nome que consta no e-mail é o ex-presidente da Câmara, que já se manifestou dizendo que não foi ele, que invadiram a rede social dele. Da minha parte, concluo que quando eu falava das ameaças, as pessoas achavam que eu estava exagerando. Quando um dos que me ameaçaram em grupo de WhatsApp foi preso em Brasília no dia 8 [de janeiro, no ato terrorista contra os prédios dos Três Poderes], as pessoas começaram a se preocupar. Com um dos cabeças dos movimentos antidemocráticos da região foi localizado o maior arsenal até o momento da investigação. Dizem que eu inventei a célula nazista, mas tem prisão e matérias que comprovam o que eu digo. Não é brincadeira.

GGN: O PT já anunciou que vai tentar recuperar o mandado. E da sua parte, quais medidas serão tomadas?

Maria Tereza Capra: Não vou abandonar nada. É um momento muito delicado para tomar decisões para a vida toda. Sem querer minimizar a situação, estou aguardando as deliberações do serviço de proteção. Vamos lutar para recuperar o mandato, pois acredito que a maioria da população de São Miguel do Oeste não é assim, agressiva e até criminosa. Estou organizando as coisas com a minha família para que eles tenham o menor impacto possível na questão da segurança.

GGN: Você tem algo a acrescentar?

Maria Tereza Capra: Quero dizer que a história sempre foi implacável com a mulher, a ponto de termos de lutar por visibilidade daquilo que fizemos. O pouco que nos permitiram participar da política, ainda temos de lutar por visibilidade histórica. Também quero deixar claro que, no fundo, no fundo, é tudo uma questão de luta de classes e de gênero. Precisamos seguir fortemente para que não se perca tudo o que já conquistamos até agora, em termos de participação da mulher na política, na sociedade, nos espaços de poder e na defesa da classe trabalhadora. E concluo dizendo que não se pode banalizar um gesto que foi feito e nem minimizar o impacto que isso causou na maioria das pessoas. O nazismo é algo que temos de combater urgentemente.

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