quarta-feira, 14 de maio de 2014

GEOPOLÍTICA - O Ocidente e a Ucrânia.



Seis erros que o Ocidente cometeu (e comete) na Ucrânia

Nicolai N. Petro The National Interest
ODESSA, Ucrânia – Se o ocidente parece não compreender as ações dos russos na Ucrânia e mostra-se incapaz de encontrar resposta à crise, é porque, desde o primeiro momento, interpretou erradamente a situação, convertendo uma questão essencialmente doméstica em disputa que ameaça toda a arquitetura de segurança da Europa.
Embora todos os lados tenham contribuído ativamente para esse fracasso generalizado, há seis erros principais, com papel destacado na modelagem do discurso ocidental, a serem corrigidos, antes que qualquer progresso real comece a ser possível.
ERRO 1. Os ucranianos são um único povo, unido no apoio às mudanças. As fronteiras do país mudaram inúmeras vezes no século passado. Resultado disso, milhões de pessoas sem qualquer conexão étnica, cultural ou linguística com a Ucrânia vivem lá, nas regiões de fronteira. Desde 1991, a divisão mais visível acontece entre ucranianos do oeste, muitos dos quais desejam uma Ucrânia culturalmente e politicamente diferente da Rússia, e ucranianos do leste, que querem viver numa Ucrânia independente, mas que também mantenha laços espirituais, culturais e econômicos com a Rússia.
ERRO 2. Apoiar a derrubada do presidente Yanukovych pelos neofascistas da Praça Euromaidan. No auge dos tumultos em Kiev, governos ocidentais aconselharam o presidente Yanukovych a não usar a força para dispersar os protestos, mesmo quando se tornaram violentos. Adiante, durante fase crítica das negociações com a oposição, funcionários do governo dos EUA foram gravados em conversações com específicos líderes da oposição. Para uma opinião pública ucraniana já dividida em torno da legitimidade dos protestos na Praça Maidan (3/4 da população das cidades do leste da Ucrânia consideram ilegais os protestos de Maidan em Kiev), a ação do ocidente foi claramente identificada com movimento de intervenção, para distorcer as preferências políticas de metade da população da Ucrânia.
ERRO 3. Assinar e, na sequência, trair a assinatura do Acordo de 21 de fevereiro. A evidência de que França, Alemanha e Polônia traíram o acordo negociado e assinado com a Polônia para uma transição negociada do poder, que havia sido proposta pelos próprios ucranianos, foi vista como duro golpe contra a legitimidade das instituições do estado ucraniano – golpe do qual o governo da Ucrânia ainda não conseguiu recuperar-se.
Na sequência, a tomada do poder pela oposição não apenas derrubou o governo (detestado, mas legal e legítimo) do presidente eleito; o golpe também levou ao colapso o maior partido ucraniano, o qual, síntese complexa de suas próprias qualidades e defeitos, ainda encarnava as aspirações políticas de metade da população.
Até hoje, menos de 1/3 da população falante de russo que vive na Ucrânia considera legítimo o atual presidente ‘em exercício’ (e primeiro-ministro licenciado); enquanto que em Donetsk e Lugansk, o número de apoiadores do presidente ‘interino’ cai a menos de 15%.
ERRO 4. Ignorar a ascensão da Direita Radical. A imprensa-empresa ocidental demorou a dar-se conta de que grupos nacionalistas de direita, como Svoboda e Setor Direita desempenharam papel decisivo na radicalização do movimento na Maidan em Kiev, e na dramática tomada do poder imediatamente depois de traídos os acordos de 21 de fevereiro. Mas, oficialmente, os governos ocidentais insistem ainda em que esse papel teria sido marginal. De fato, até hoje esses grupos continuam a ter influência no Parlamento e nas ruas no centro de Kiev, que continuam ocupadas apesar dos muitos pedidos do atual presidente, para que sejam evacuadas.
Aqueles grupos intimidam todos e quaisquer que se manifestem contra as políticas do atual governo. Os atos de intimidação contra candidatos associados ao Partido das Regiões, não recebem nenhuma condenação vinda de governos ocidentais. Muitos no Leste e no Sul da Ucrânia veem tudo isso como mais e mais confirmação de que o ocidente apoia os neonazistas/neofascistas.
ERRO 5. Rotular manifestantes no Leste e no sul, de “separatistas” e/ou “pró-Rússia”.Nos dois casos, são rótulos errados e distorcidos, porque a conexão entre essas regiões e a Rússia é cultural e linguística, não é política. Há muito ressentimento local contra o governo provisório em Kiev. Até a oligarca Yulia Tymoshenko reconheceu isso, recentemente, pela televisão da Ucrânia. A vasta maioria deseja, simplesmente, que sua herança russa seja reconhecida como parte de sua identidade ucraniana. O meio mais simples de fazer tal coisa, dizem eles, é reconhecer na Constituição, a realidade do bilinguismo ucraniano. Quanto mais o governo ‘interino’ resiste contra essa ideia, mais os cidadãos desconfiam das intenções do governo de Kiev.
Quanto à acusação de “separatismo”, vale a pena observar que a demanda original sempre foi por maiores direitos regionais e mais autonomia dentro da Ucrânia. Só quando Kiev respondeu, substituindo governadores locais por novos oligarcas fiéis ao novo governo central, é que começou a aparecer a questão da secessão.
ERRO 6. Culpar a Rússia pelos problemas da Ucrânia. Apesar da retórica candente que se ouve dos governos ocidentais, o objetivo primário da Rússia na Ucrânia é reduzir a instabilidade. As razões não são difíceis de identificar. Primeiro, porque qualquer instabilidade é ruim para os negócios, os quais, no caso da Ucrânia, envolvem investimentos militares, industriais e de energia vitais para a Rússia. Segundo, a instabilidade continuada é ruim para a Rússia porque aumenta o risco de a Ucrânia vir a tornar-se estado falido, e a Rússia obrigada a sustentar com ajuda humanitária massiva. Em terceiro lugar, essa instabilidade é ruim, porque aumenta as tensões com o Ocidente, que tende a culpar a Rússia por tudo que aconteça na Ucrânia.
A Rússia muito apreciaria ver a Ucrânia como parceira econômica e política estável, capaz de gerar crescimento e criar empregos para seus cidadãos, de modo a reduzir o fluxo constante de mais de 3 milhões de trabalhadores ucranianos para dentro da Rússia, anualmente, e também contribuir para a prosperidade dos 11 milhões de russos que vivem ao longo da fronteira com a Ucrânia.
Já tendo gasto cerca de 300 bilhões de dólares nos últimos 20 anos, para evitar o colapso da economia ucraniana, não é absolutamente crível que, de repente, o fracasso da Ucrânia tenha passado a ser objetivo dos russos. É absolutamente certo que não, não é assim, e a Rússia não tem interesse em gastar mais dezenas de bilhões de dólares no esforço para equiparar o padrão de vida da Ucrânia aos padrões russos – o que seria indispensável, se a Rússia tivesse qualquer interesse em ‘anexar’ alguma Ucrânia, como repetem jornais, jornalistas e ‘especialistas’ ocidentais.
(artigo enviado por Sergio Caldieri)

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