Petróleo: a virada nos mercados globais e o Pré-sal
Por que Arábia Saudita, aliada dos EUA, age para
derrubar preços do combustível. Como isto afeta Petrobras, em meio à
Operação Lava Jato
Por André Ghirardi
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Fechou o tempo no mercado mundial de petróleo neste
final de outubro de 2014. Os preços despencaram, assustando muita gente
do ramo. Produtores de petróleos mais caros viram seus investimentos
ameaçados quando as cotações nos grandes centros tombaram aos níveis
mais baixos desde novembro de 2010. Chefes de governo em estados
petroleiros viram aumentar muito a pressão sobre os equilíbrios
comercial e fiscal das contas públicas.
Depois de atingir 115 dólares por barril, devido ao
acirramento do conflito armado no Iraque, o preço do petróleo tipo
(britânico) Brent moveu-se ladeira abaixo. Em 15 de outubro bateu na
mínima anual (até então) de 84 dólares. Uma queda igualmente dramática
atingiu o preço do petróleo tipo (norte-americano) WTI. De junho a
outubro o petróleo tipo Brent caiu 27%, e o WTI 20%. Um assombro para os
países que dependem essencialmente de receitas de petróleo para
arrecadação tributária, e uma ameaça à rentabilidade de investimentos
para produzir petróleo sob condições de alto custo tais como
localizações remotas (alto-mar, grandes profundidades, clima severo), ou
de qualidade inferior (óleos muito densos ou com alto teor de enxofre),
ou ainda as acumulações de vida muito curta (petróleo e gás
não-convencionais do tipo shale oil).
Pouca demanda e muita oferta
A razão disso é uma batalha entre os grandes produtores
de petróleo para manter participações de mercado (volume de vendas),
numa conjuntura em que uma capacidade de produção aquecida está de
frente a uma demanda fria. Sobra petróleo no mundo neste momento.
A demanda padece ainda das sequelas da crise
financeira de 2008, traduzida na fragilidade crônica da economia
mundial. Mesmo a China, que manteve seu dinamismo nos primeiros anos de
crise, dá sinais de cansaço (queda de 1,6% na demanda por petróleo). Em
seu relatório mensal de setembro a Agência Internacional de Energia
(AIE) viu-se obrigada a reduzir pelo quarto mês seguido a projeção do
consumo de petróleo para 20141.
A tímida recuperação econômica nos EUA oferece pouca alternativa ao
menor crescimento na China, e não se vê sinal de alento no ambiente
recessivo da Europa: a economia mais forte do continente, a Alemanha,
mostrou recentemente retração do produto total, da produção industrial, e
das exportações. Não se vê, no horizonte imediato, nenhum sinal
vigoroso de crescimento da demanda por petróleo.
Do lado da oferta, a produção de petróleo voltou a
crescer no Oriente Médio, passado o momento de maior instabilidade
política da “Primavera Árabe”, a série de revoltas populares que
derrubaram governos pelo mundo árabe em 2011-12. A tal ponto que os
preços despencaram em meados de outubro, quando a OPEP – Organização dos
Países Exportadores de Petróleo – informou sua produção de 30,9 milhões
de barris por dia no mês anterior, o maior nível para o mês de setembro
em três anos. A produção do Iraque aumentou em 700 mil barris por dia
desde os momentos mais críticos da recente guerra civil em 20112.
A produção da Líbia também consegue retornar gradualmente à
estabilidade, apesar do persistente clima de violência. Em setembro
chegou a 800 mil barris por dia, mais ou menos dois terços da produção
usual3.
A oferta de petróleo aumentou também fora da OPEP. Causa
grande impacto a produção de petróleo não convencional nos EUA, que
aumentou em 2,5 milhões de barris por dia de 2008 a 2013, e absorve boa
parte da demanda interna norte-americana que era atendida por
importações. A média diária de importações de petróleo dos EUA caiu
quase pela metade, de 11 milhões de barris em 2008 para 6,5 milhões de
barris em 2013. Houve cortes, por exemplo, nas importações de Nigéria e
Argélia. No caso da Nigéria, as importações dos EUA caíram 78% em dois
anos (de 515 mil barris por dia em junho de 2012 para 114 mil em junho
de 2014). Ainda fora da OPEP, vem crescendo a produção no Brasil, que
estima ter excedentes exportáveis a partir de 2014, chegando a um milhão
de barris por dia em 2020. Espera-se também o aumento da produção não
convencional na Argentina. Em resumo, além da fraca demanda, o mercado
mundial de petróleo se vê fartamente suprido, de dentro e de fora da
OPEP4.
Os grandes produtores, que têm custos mais baixos,
desejam manter os níveis atuais de produção. Produção alta num mercado
fraco irá reduzir preços e pressionar financeiramente os produtores
“marginais” com custos mais altos. A Arábia Saudita se diz “confortável”
com preços do petróleo abaixo de 90 dólares, e talvez abaixo de 80
dólares, por até um ano ou dois. Com isso, abandona a estratégia vigente
até agora, de manter o preço do barril em torno de 100 dólares5.
O ministro de Petróleo do Kuwait disse que está confortável com a quota
atual de produção, que ele considera “justa e razoável”. Disse ainda
que estaria confortável com preços do barril de petróleo abaixo de 80
dólares6.
Movidos pela decisão da OPEP, os principais analistas de
investimento reduziram de 100 para 85 dólares a expectativa de preço
médio do petróleo Brent para os próximos quatro anos. Quem sobrevive?
Estima-se que ainda permanecem claramente viáveis os melhores
empreendimentos petroleiros fora da OPEP – a exemplo do Golfo do Texas
nos EUA – assim como a produção brasileira na Bacia de Campos e no
pré-sal de Santos, e ainda as áreas não-convencionais mais produtivas
dos EUA, a exemplo da bacia de Bakken. Mas o preço de 85 dólares seria
insuficiente para viabilizar a produção de petróleos mais caros como o
não convencional de áreas menos produtivas dos EUA (Woodford no
Oklahoma) ou o pré-sal de Angola, ou as areias betuminosas canadenses,
ou mesmo o petróleo ultra-pesado da Faixa do Orinoco na Venezuela.
A Arábia Saudita produz 9,7 milhões de barris por dia,
ou seja, cerca de um terço de todo o petróleo da OPEP. Ao ser
questionado sobre a possibilidade de futuros cortes de produção para
sustentar preços, um oficial saudita respondeu: Que cortes7?
Um motivo de choro: “preço de equilíbrio fiscal”
Preço de equilíbrio fiscal é o preço mínimo de petróleo
para manter equilibradas as contas públicas dos principais países
exportadores de petróleo, especialmente os membros da OPEP. É um
conceito usado pelo FMI em suas análises da conjuntura econômica
mundial.
Quando os preços estão acima do nível de equilíbrio
fiscal, os países exportadores acumulam reservas; o contrário ocorre
quando petróleo cai abaixo desse nível. A capacidade de cada país
exportador para ajustar-se a uma redução de preços depende do seu
patamar de equilíbrio fiscal, e das reservas monetárias acumuladas8.
Nos países onde o petróleo é a principal fonte de receitas tributárias e
produto de exportação, a arrecadação com a venda do produto garante o
pagamento de salários, de benefícios previdenciários, e os investimentos
na infraestrutura de serviços públicos. A queda brusca na receita pode
frear o gasto público e gerar insatisfação, ou mesmo instabilidade
social e política. Daí a importância do preço de equilíbrio fiscal.
Preços como esses de outubro estariam abaixo do nível de
equilíbrio fiscal para muitos desses países. Segundo estimativas
recentes, seriam ainda superavitários aqueles com preços de equilíbrio
fiscal abaixo dos 85 dólares: Kuwait ($50), Qatar ($55), Emirados Árabes
($70) – e a Arábia Saudita ($85). Menos confortáveis estariam o Iraque
($100) e o Omã ($100). Mais deficitárias estariam a Líbia ($115), e a
Argélia ($115). Extremamente deficitário estaria o Irã ($155)9.
A Venezuela foi o único membro da OPEP que se manifestou
a favor de uma reunião de emergência para avaliar o efeito da queda de
preços de outubro, através de uma mensagem de seu chanceler nas redes
sociais10. Estimativas de 2013 indicam que o preço de equilíbrio fiscal para a Venezuela seria da ordem de 113 dólares11.
Coincidência ou não, ao final de setembro, a maior agência de avaliação
de risco rebaixou a nota da dívida externa da Venezuela.
Petrobrás, pré-sal e o preço do petróleo
O pré-sal permanece viável? É a pergunta que ocorre imediatamente diante do tombo recente dos preços do petróleo.
A resposta é sim, tanto com base nas informações da
Petrobras, quanto pelas estimativas dos analistas financeiros. O custo
médio de extração por barril publicado pela Petrobras é de 14 dólares
(sem participação governamental em impostos e outros). Para o pré-sal,
esse valor é provavelmente um pouco menor que a média da companhia,
devido à alta produtividade dos poços atualmente em produção. Somando-se
a isso a participação governamental de 18 dólares, mais os custos
médios da Petrobras para descoberta (menores que a média da indústria),
mais o investimento médio, chega-se a um custo total da ordem de 50
dólares por barril. Essa estimativa é mais conservadora que as
avaliações de dois dos maiores bancos de investimento, que estimam
custos totais de produção abaixo de 50 dólares por barril, e situam o
pré-sal no quartil mais alto de viabilidade dos investimentos
petroleiros no mundo12. Ou seja, o pré-sal é, sim, viável – mesmo sob as condições de preço de outubro de 2014.
É claro que a queda no preço do petróleo afeta a
Petrobras, assim como todas as petroleiras, porque a receita futura será
menor do que a foi projetada nos planos. Pela Petrobras, estão em
implantação investimentos de 206,8 bilhões de dólares. A realização
pressupõe uso de receita própria de 182,2 bilhões de dólares, assumindo
preço de petróleo Brent de 100 dólares. Com menores receitas, as
petroleiras terão que reduzir investimento ou aumentar endividamento.
Considerando que a Petrobras já ultrapassou o limite de endividamento
aprovado para o Plano de Negócios, restaria ajustar os investimentos
para acomodar a condição de menores preços.
Petróleo e equilíbrio fiscal no Brasil
Cabem aqui duas considerações distintas. Uma sobre as
contribuições tributárias ordinárias, que são royalties, participações
especiais e demais impostos sobre a operação comercial. Outra sobre as
contribuições extraordinárias, principalmente na forma de bônus de
assinatura para áreas exploratórias cedidas em leilão.
Para as receitas tributárias ordinárias do Brasil, a
Petrobras contribuiu R$ 100 bilhões em 2013. Desse montante, R$ 30
bilhões correspondem a royalties e participações especiais, em parcelas
aproximadamente iguais entre os dois tributos. A contribuição com outros
tributos foi de R$ 69 bilhões (soma de ICMS, PIS/COFINS, e IR/CSLL)13.
O valor total corresponde a 8% da Receita do Governo Central (R$ 1.181
bilhões), e a 11% da Receita Bruta do Tesouro Federal em 2013 (R$ 894,7
bilhões)14. Embora seja uma contribuição importante, ela não caracteriza uma “dependência petroleira” da arrecadação fiscal brasileira.
Mas o caso muda ao considerar o papel das receitas
extraordinárias. Em 2013, o governo federal realizou superávit primário
de R$ 75 bilhões, superando em R$ 2 bilhões o determinado na Lei de
Diretrizes Orçamentárias15.
Ocorre que houve em 2013 uma receita extraordinária do Tesouro na
rubrica “Demais Receitas”. Lá estão R$ 15 bilhões a título do bônus de
assinatura do bloco de Libra, leiloado em outubro. Não fosse por essa
receita extraordinária, o resultado do Governo Central teria sido de R$
60 bilhões, 18% abaixo do determinado pela LDO.
Em 2014 não houve leilões de petróleo, e há dificuldade
para cumprir o superávit determinado por lei. Ainda assim o governo
federal arrecadou da Petrobras R$ 2,2 bilhões a título de bônus de
assinatura pela exploração (por adjudicação direta) dos excedentes da
cessão onerosa. O governo vai cobrar antecipadamente sua parte nos
lucros futuros dessas áreas, nos montantes de R$ 2 bilhões em 2015, R$ 3
bilhões em 2016, R$ 4 bilhões em 2017, e R$ 4 bilhões em 201816.
São todas arrecadações extraordinárias que facilitam cumprir o
superávit primário, embora o Ministro de Minas e Energia tenha negado
motivação fiscal na antecipação dessas receitas17.
O certo é que, mesmo sem o Brasil sofrer da dependência
tributária dos países da OPEP em relação ao petróleo, nas receitas
ordinárias da União, as receitas extraordinárias foram fundamentais para
fechar as contas públicas de 2013. Há indícios de que esse procedimento
possa se tornar usual. Acende-se um sinal de alerta: o Brasil poderia
ser levado a fazer leilões por conveniência fiscal, e não por uma
estratégia de longo prazo para melhor utilização dos recursos de
petróleo. Num cenário de retração econômica como o atual, seria
necessário ampliar a exploração de petróleo para manter o mesmo nível de
contribuição tributária. Seria uma situação paradoxal e pouco desejável
– isto é, vender mais quando o mercado é pior, quando os preços são
mais baixos. Vêm aí grandes emoções. Aperte o cinto.
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1 A média anual projetada para 2014 é de 92,4 milhões de barris por dia.
2 De uma média de 2,4 milhões de barris por dia (MM bpd) em início de 2011 para os atuais 3,1 MM bpd
3 OPEC – Monthly Oil Market Report, Vienna, Austria, October 2014.
4 Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), a oferta em setembro de 2014 está em 93,8 MM bpd.
5 Ron Bousso e Joshua Schneyer – “Sauditas dizem ao mercado para se acostumar com preços baixos de petróleo”, Reuters, 13.10.2014.
6 Idem
7 Idem
8 Segundo
o FMI, ao final de 2012 a Arábia Saudita tinha investimentos no
exterior de USD 703 bilhões; o Iraque USD 26 bilhões; e o Kuwait USD 119
bilhões.FMI – IMF eLibrary – Data. International Investment Position. Posição líquida. Dados de 2012.
9 International Monetary Fund – World Economic Outlook. Outubro 2013.
10 Sharples e Charkabroty, op. cit.
11 Aissaoui, Ali –“Modeling OPEC Fiscal Break‐even Oil Prices: New Findings and Policy Insights”. APIC- Arab Petroleum Investments Corporation. August – September 2013.
12 Petrobras – “Brazil Deep Water Economics”, em “Petrobras at a Glance”, September 2013.
13 Petrobras – Relatório ao Mercado Financeiro, 4º Trimestre 2013.
14 Banco Central do Brasil – Relatório Anual 2013, Capítulo IV Finanças Públicas.
15 Ministério da Fazenda – Secretaria do Tesouro Nacional – Resultado do Tesouro Nacional 2013. Brasília, 30 de janeiro de 2014.
16 Petrobras – Fato Relevante: Volumes Excedentes da Cessão Onerosa. Rio, 24 de junho de 2014.
17 Bitencourt,
Rafael; Jubé, Andrea – “CNPE aprova contratação direta da Petrobras
para explorar excedentes”. Valor Econômico, 24 de junho de 2014.
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