Luis Nassif, GGN
"No
primeiro governo Lula, o núcleo real de comando do PMDB era composto por Michel
Temer, Geddel Vieira Lima e Welington Moreira Franco. Sentavam, decidiam e,
depois, vinha junto outros caciques, especialmente Eliseu Padilha, do Rio Grande
do Sul, Renan Calheiros e José Sarney com seu grupo. Por fora corriam Orestes
Quércia (SP), Luiz Henrique (SC), Jáder Barbalho (PA) e André Pucinelli
(MS)
O primeiro time era mais chegado a Fernando Henrique Cardoso; o segundo, a
Lula. Razão, em 2002, do PMDB ter apoiado a candidatura de Rita Camata para
vice-presidente na chapa de José Serra.
Após 2002, o PMDB começa
a se aproximar de Lula. Em 2006 consolida-se a grande aliança, com Geddel
virando Ministro. A resistência ficou apenas com Padilha.
O grande
operador do PMDB era o deputado mineiro Fernando Diniz, que faleceu em julho de
2009 após problemas pós-operatórios. Ele era o contato do PMDB com a Petrobras,
através do ex-diretor internacional Jorge Luiz Zelada. E esse cargo é importante
para se enteder a futura ascensão de Eduardo Cunha no partido.
Foi o período de maior estabilidade política do Brasil
pós-ditadura. No Senado, os grupos de Renan e Sarney sentavam com Temer e
encaminhavam as principais votações de interesse do governo. Na Câmara, o
controle era garantido por Henrique Eduardo Alves, muito ligado a
Temer.
A estrela de Eduardo Cunha começa a brilhar quando, morto Diniz,
ele assume a operação do PMDB com a Petrobras, através do contato com Zelada. Na
condição de operador do partido, a partir daí Cunha começa a se firmar como a
nova grande liderança, que sustentava financeiramente candidaturas do partido,
com um caixa fornido que, em determinada altura, ía além da parceria com Zelada.
Comenta-se na Câmara que ele garantiu pelo menos R$ 500 mil para as principais
candidaturas do PMDB.
Não era apenas o recurso da Petrobras, mas de uma
enorme constelação de grandes grupos que passaram a se valer de sua influência
na Câmara.
A ascensão de Cunha
Para chegar onde
chegou, não se trata de um deputado meramente esperto. Quem conviveu com ele
atesta uma formação sólida, com leitura, acompanhamento de conjuntura, sendo ele
próprio autor de muitas peças que se tornaram projetos de lei, assim como das respectivas
argumentações.
Não é farrista, como meio mundo do parlamento em
Bras[ilia. É centrado, mas tornou-se evangélico por interesse. Seu foco primeiro
é o interesse comercial e de poder.
Começou na política no
governo Collor, aliado de PC Farias. Antes disso, na juventude já era um
empreendedor nato, que chegou a fazer escambo em países africanos. Levava produtos para lá,
trocava por ouro e diamante e depositava depois em bancos
ingleses.
O primeiro contato com a política foi justamente
com o PP (Partido Popular), na eleição do Collor. Ali aproximou-se de PC Farias,
tornou-se presidente da Telerj e mudou o padrão de vida.
Na campanha de
2010 teve papel central para levar o PSC a apoiar Dilma. O pastor Everaldo Dias
já tinha fechado com Serra na Bahia e voltou atrás, graças ao trabalho de
Cunha.
Essa influência ele conquistou tornando-se amigo
querido do Bispo Manuel Ferreira e de Samuel Ferreira, da Assembleia de Deus de
Madureira, a mais influente do país. Quando o Igreja constatou a necessidade de eleger
seus próprios parlamentares, apareceram alguns lobistas e Cunha se ofereceu. Foi
eleito, tornou-se evangélico, é influente da Assembleia de Deus Madureira e tem
uma rádio religiosa. Com o apoio dos dois pastores, hoje ele manda no
PSC.
Queixava-se na Câmara que Dilma não só não agradeceu o
apoio como não cumpriu nada do que havia sido combinado. A animosidade entre
ambos nasceu no primeiro dia de governo Dilma. E outra faceta de Cunha é ser
vingativo.
Mesmo sendo operador do PMDB, custou para entrar na cúpula do
partido. Henrique Alves e Temer não o queriam nem para vice-líder. O candidato
de Alves era Marcelo Castro, do Piauí.
Cunha conseguiu espaço a fórceps.
Conquistando a liderança começou a criar problemas para Dilma que, de seu lado,
passou a trata-lo como inimigo.
No governo Lula, já havia uma marcação
cerrada sobre ele. Quando perdeu a influência sobre o Fundo Real Grandeza, de
Furnas, ameaçou retaliar com uma CPI. Lideranças do PT acompanhavam cada passo
dele pressionando cada deputado que poderia assinar o pedido.
Mas foi a
estratégia política do governo que ajudou a consolidar a posição de
Cunha.
Dilma assumiu com a maior base parlamentar que um presidente teve
pós-abertura. Mas a aliança acabou se desfazendo paulatinamente.
De um
lado, o PT perdeu sucessivamente os parlamentares mais atuantes, João Paulo,
José Genoíno e Cândido Vaccarezza. As novas lideranças do PT passaram a ser
Marcos Maia, Arlindo Chinaglia, Vicentinho e Henrique Fontana.
Na
Secretaria de Relações Institucionais, no lugar do habilidoso Luiz Sérgio entrou
Ideli Salvatti. No Senado, Dilma trocou Romero Jucá pelo senador amazonense
Eduardo Braga.
A virada final foi com a saída de Antônio Pallocci. Ali
cessa de vez a influência de Lula no governo, há um enfraquecimento do PT e o
time de Dilma assume as articulações políticas.
Gradativamente, a grande
aliança foi virando fumaça e, dela, nasceu o novo pajé Eduardo
Cunha.
Características de Cunha
Apesar da ficha polêmica,
Cunha é considerado um político com discernimento, que sabe até onde pode
ir.
Segundo conhecedores do seu estilo, nunca se compromete com o que não
pode entregar. Daí nunca ter se comprometido com o impeachment e, na crise
política, ter adotado uma posição até mais moderada que seu colega de Senado,
Renan Calheiros.
Nada absolve sua enorme ficha suspeita. Mas pode
conduzir uma gestão eficiente. Montou a Câmara Itinerante. Em cada lugar que vai
fortalece a relação com os evangélicos sem se dizer evangélico e sem defender
suas – como presidente da Câmara.
Quando um jornalista
indagou-lhe o que faria com o Projeto de Lei que permitia casamento entre homossexuais, sua
resposta foi a de um verdadeiro presidente da Câmara. “Se quiser saber minha
opinião pessoal vá até o meu gabinete de deputado. Como presidente da Câmara não
faço diferença entre projetos”. E promete uma gestão
dinâmica.
No primeiro dia como presidente da Câmara falou em
reforma política. Vai colocar em votação o PL da terceirização e pretende abrir
o debate da reforma tributária. E concatena para fora um discurso capaz de
legitimar o PMDB perante setores empresariais e formadores de
opinião.
As relações instáveis de poder
Hoje
Cunha é uma das figuras referenciais do PMDB. Há uma relação instável com os
demais caciques, mas Temer jamais o descartará. Do mesmo modo, há uma aliança
tênue com Renan, onde o conflito se dá na disputa de espaço e de recursos.
Renan passou a alimentar uma
bronca eterna de Dilma no dia em que ela e Aloizio Mercadante o procuraram com a
sugestão de que se candidatasse a governador de Alagoas, porque era importante
sua vitória.
Dilma queria Edison Lobão na presidência do Senado. Renan
respondeu que iria avaliar, que era uma boa alternativa e tal mas saiu
soltando fumaça pelos olhos pelo que considerou uma humilhação.
Foi o
primeiro stress.
O segundo foi na operação Transpetro.
Renan
indicou Sérgio Machado e durante anos reinou absoluto no pedaço. Gradativamente
foi perdendo a influência e a Transpetro tornou-se uma porteira fechada, mas sem
Renan.
Um a um, Renan foi perdendo seus espaços no governo.
Na Agricultura, Kátia Abreu é Dilma, não Renan. No Turismo, Henrique Eduardo Alves, que não é Renan. Nas Minas e
Energia, Eduardo Braga, que é do grupo contrário a Renan no
Senado.
Para entornar o caldo, enfiou na cabeça que Dilma e o
Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo manobraram para que seu nome fosse
incluído na Operação Lava Jato – embora não haja o menor indício da capacidade
de Cardozo saber operar Polícia Federal ou Ministério Público.
Nesses
dois personagens reside um naco da governabilidade do país, em um quadra
particularmente tensa da vida política nacional."