terça-feira, 29 de março de 2022

As digitais dos EUA no Brasil e na Ucrânia.

 

As digitais dos EUA no Brasil e na Ucrânia, por Marcus Atalla

A extrema-direita é criada pela elite, que cansa de brincar de democracia e atarraxa o povo, quando vê suas taxas de lucro reduzido pela crise no capitalismo.

As digitais dos EUA no Brasil e na Ucrânia, por Marcus Atalla

Quanto mais os brasileiros tomam consciência do que aconteceu na Ucrânia, até chegar nesse ponto atual, mais percebem a similaridade entre o golpe ucraniano em 2014 e o do Brasil em 2016. Sim, pois se trata de uma técnica dos EUA para desestabilizar governos e países que se desvencilhavam do controle do “Grande ‘Irmão’ do Norte”.

Andrew Korybko, cientista político estadunidense, um dos pioneiros no estudo das chamadas Guerras Híbridas, no lançamento da versão em português do seu livro no Brasil, “Guerras híbridas – das Revoluções Coloridas aos Golpes”, deu um depoimento na Escola de Arquitetura da UFMG, em 2019:

“O seu país foi vítima da Guerra Híbrida Americana. Após a Agência Nacional de Segurança dos EUA, ser responsável pela Operação Lava-Jato, desenvolvendo uma operação de mudança de regime que manipulou processos internos, políticos e leais com o objetivo de reverter a guinada à esquerda, e assim permitir que os EUA capturem o controle estratégico do seu país.” […] Conflitos identitários pré-existentes dentro do seu país, principalmente a divisão histórica entre esquerda e direita que foram magistralmente exploradas para este fim […] Essa Guerra de informações foi dirigida pelos detalhes divulgados como parte da Operação Lava-Jato, e objetivaram justificar uma mudança radical de regime […] A população teve de ser primeiro condicionada a uma aceitação da mudança profunda,[…] Durante este tempo, a atmosfera era muito politizada e tensa, com protestos antigoverno fazendo parecer que a grande maioria da população buscava pelo expurgo. […] Promovendo uma Guerra Híbrida contra o Brasil, expurgando seus principais líderes políticos do poder, foi para facilitar a ascensão de Bolsonaro, como o azarão que ajudaria a completar a estratégia mais do que ninguém.”

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Não se trata de culpar o suspeito de sempre, há provas retumbantes e as pencas.

Em 2014 no Euromaidan, os EUA incentivaram a revolta da população ucraniana. Um setor jovem desejava que o país se tornasse parte da União Europeia, pois via como uma chance de poder trabalhar nos países da Europa Ocidental. Após o fim da URSS, as nações do leste europeu foram jogadas em um neoliberalismo terra arrasada (o mesmo projeto que tentam fazer no Brasil com a Ponte para o Futuro), acabando com o estado de bem-estar social. De 1991 a 1997, a Ucrânia perdeu 60% de seu PIB e sofreu taxas de inflação de cinco dígitos. A Ucrânia estava em dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI) durante uma recessão maciça.

Não se trata de culpar o suspeito de sempre, há provas retumbantes e as pencas. Victoria Nuland – Subsecretária de Estado para Assuntos Políticos dos Estados Unidos – ficou em evidência novamente, após o escândalo dos laboratórios de armas biológicas, no entanto, em 2014 esteve na Ucrânia distribuindo sanduíches aos manifestantes.

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Em fevereiro de 2014, uma conversa vazada entre Victoria Nuland, então secretária adjunta de Estado, e Geoffrey Pyatt, então embaixador dos EUA na Ucrânia, foi exposta. Depois da deposição de Yanukovich, o governo dos Estados Unidos selecionou os membros do futuro governo da Ucrânia. Em 2 de novembro de 2021, o presidente Zelensky nomeou Dmytro Yarosh (líder do Pravyy Sektor de 2013-2015) como Conselheiro do Comandante em Chefe das Forças Armadas da Ucrânia, Valerii Zaluzhnyi. Nuland é descendente de judeus ucranianos, portanto, seu apoio contínuo aos nazistas no governo e nas forças armadas ucranianas, desde 2014, foi perturbador para muitos.

Nuland e Pyatt, ao centro, se encontraram com os líderes da oposição ucraniana Vitaly Klitschko, à esquerda, e Arseny Yatsenyuk, à direita.

Os EUA encorajaram e financiaram boa parte da revolução ucraniana. Conforme os arquivos oficiais da Casa Branca de Obama: “Os Estados Unidos estão com o povo ucraniano e sua escolha de democracia, reforma e integração europeia.”

O então vice-presidente Joe Biden anunciou em Kiev, na Ucrânia: “dependendo da aprovação do Congresso, a Casa Branca destinará US$ 20 milhões para apoiar uma reforma abrangente nos setores de aplicação da lei e justiça ucranianos, incluindo reformas do Ministério Público e anticorrupção. O governo dos EUA comprometeu quase US$ 320 milhões em assistência à Ucrânia este ano, além da garantia de empréstimo soberano de US$ 1 bilhão emitida em maio de 2014.”

Declaração de Joe Biden em 2018:

Muitos outros políticos estadunidenses visitaram e discursaram na Ucrânia naquele momento. O então Senador John McCain visitou a Ucrânia em dezembro de 2013 em apoio a uma mudança de regime. Em discurso à multidão McCain disse: “Estamos aqui para apoiar sua causa justa, o direito soberano da Ucrânia de determinar seu próprio destino de forma livre e independente. E o destino que você busca está na Europa”. “A Ucrânia tornará a Europa melhor e a Europa tornará a Ucrânia melhor”.

Jens Stoltenberg – Secretário Geral da Otan – em entrevista recente assumiu estar armando os ucranianos desde 2014. Foi enviado membros da Otan e mercenários para ensinar técnicas de combate aos membros das milícias de extrema-direita, mais tarde incorporadas às forças regulares da Ucrânia. Não é à atoa que o Batalhão nazista Azov carrega entre suas bandeiras a da Otan.

Não há Neonazistas, há Nazistas Clássicos na Ucrânia

Se no Brasil ressuscitaram o passado reacionário, as “viúvas da ditadura”, o anticomunismo e a TFP – Tradição, Família e Propriedade. Na Ucrânia, ressuscitaram seu passado Nazista e foi esses grupos que os EUA e Otan apoiaram como sendo organizações democráticas. A imprensa ocidental trata os ucranianos como ucranianos, parece a coisa mais lógica, mas não é. A Ucrânia é dividida em etnias, as quais se veem de formas diferentes, umas se sentem como russos, outras como não eslavos, como europeus ocidentais, inclusive falam idiomas diferentes.

Quando a imprensa se refere aos russos versus ucranianos, frauda a verdade, é um simplismo falacioso. Os “ucranianos do oeste” voltaram a matar os “ucranianos do leste” desde 2014”. Em artigo anterior, publicado no GGN, não era brincadeira ao relatar que aos russos não interessava matar ucranianos do leste, muito deles tem consanguíneos na Rússia. Não é porque Putin é santo, é porque o exército russo matando a avozinha de um moscovita, a irmã de um sampetersburguês, irá causar revoltas contra o Governo Putin dentro da Rússia. 

MASSACRE DE ODESSA

No dia 2 de maio de 2014, massacre de Odessa, manifestantes que faziam um abaixo-assinado pela realização de um referendo sobre a autonomia das regiões do leste, foram queimados vivos dentro do prédio de um sindicato, após serem agredidos por uma turba de nazistas, que atearam fogo ao local e fuzilaram aqueles que tentaram escapar.

STEPAN BANDERA E A FUNDAÇÃO DA UPA – EXÉRCITO INSURGENTE DA UCRÂNIA – EM 1942

Foi fundado em 1929 uma organização ultranacionalista, a OUN – Organização dos Nacionalistas Ucranianos. Em 1942, Stepan Bandera fundou o braço armado do movimento, a UPA – Exército insurgente da Ucrânia. Bandera e seus “nacionalistas” ucranianos, com nazistas alemães, realizaram uma limpeza étnica na Galícia-Volínia (Polônia Austríaca). Estimativas conservadoras estipulam mais de 60,000 poloneses, judeus e russos mortos.

A liderança da OUN esperava que as autoridades nazistas aceitassem a Ucrânia fascista como um estado fantoche. Essas esperanças foram alimentadas pelo círculo em torno de Alfred Rosenberg, que foi posteriormente nomeado chefe do Ministério do Reich para os Territórios dominados. Hitler se opôs à criação de um Estado ucraniano, tendo em vista a exploração econômica dos territórios coloniais recém-adquiridos. Bandera foi preso em 5 de julho e colocado em prisão domiciliar em Berlim. Após ficar óbvio que a Alemanha perderia a guerra, a OUN negou seu papel no Holocausto, a partir de 1943.

Fotos de Bandera:

Em 2010, o presidente “laranja” Viktor Yushchenko concedeu a Medalha de Herói da Ucrânia à memória de Bandera, mas o decreto – que foi imediatamente contestado por vários partidos políticos e declarado ilegal pelo tribunal de Donetsk – foi posteriormente anulado por seu sucessor, Víktor Ianukóvytch. Porém, pós-2014 estimulou-se o culto a esse e outros “heróis” nacionalistas ucranianos. O Estado usou verbas públicas para restaurar monumentos em suas homenagens, e a Igreja Católica Ortodoxa Cristã realizou cultos ecumênicos a eles.

Em 1° de dezembro de 2021, Zelensky durante seu discurso aos deputados da Assembleia Nacional no Parlamento ucraniano. Concedeu, a mais alta condecoração do estado ucraniano, o título de “Herói da Ucrânia” e a medalha “Estrela de Ouro” ao capitão da Pravyy Sektor -nazistas, Dmitri Kosiubailo.

     

A “Olava de Carvalho” ucraniana

Como a técnica é a mesma, a Ucrânia não poderia não ter tido a sua versão do Olavo de Carvalho, o filósofo dos medíocres. No Brasil, Olavo foi impulsionado pelos algoritmos das redes sociais, mas também por militares, os quais levavam-no para dar palestras nos quartéis, assim como, o jornalista Reinaldo Azevedo e sua criação do inimigo interno, “O país dos Petralhas”. [Leia o artigo científico de Eduardo Costa Pinto: “Bolsonaro e os Quarteis: a Loucura como Método”, 2019].

Na Ucrânia, a escolhida foi Olena Semenyaka, a “primeira-dama” do nacionalismo ucraniano, uma talentosa estudante de filosofia, cujo interesse foi ideias supremacistas pan-eslavas, até que o golpe em 2014, transformou-a na sacerdotisa dos nazistas da Ucrânia. Seu pseudo-intelectualismo e a rede internacional dos grupos neofascistas fizeram dela o poder atrás do regime de Kiev. Trabalhando como secretária internacional dos Azovs e chefe de seu império editorial, Semenyaka forjou vínculos com espíritos afins no exterior e as várias agências de inteligência que as administram.

Semenyaka forjou uma base intelectual ao Pacto de Aço de Kiev em 2017. Os supremacistas brancos uniram-se aos russofóbicos de Azov. Ela é vista como uma pessoa agradável, apresentável e foi central em unir os nazistas de hoje em suas redes sociais. Seus esforços previam um império de supremacia branca que se estendia da Alemanha no oeste, até a fronteira russa no leste, e da Letônia no norte até a Sicília no sul, um grande Estado Pan-Slavo.

Semenyaka forjou alianças com neonazistas alemães, a Nova Direita Francesa (Nouvelle Droite), sérvios, CasaPound Italia, Partido Conservador do Povo da Estônia (EKRE) e o Despertar Azul. Movimentos (Sinine Äratus), movimento da Aliança Nacional da Letônia, jovens tradicionalistas poloneses, Alternativa para a Suécia, neopagãos finlandeses, Suomen Sisu, identitários(*) Escudo Identitário português, diversos outros identitários (*) europeus e com supremacistas brancos americanos.

(*) Nota do Autor: Na Europa os movimentos identitários são vistos como de extrema-direita, justamente por vários de seus pontos de contato com as ideologias de extrema-direita. Política do Cancelamento (uma política de tentativa de aniquilação social dos indivíduos e seus familiares, cuja pena é o Ostracismo), mede tudo a partir de uma visão moralista e anacrônica da história e da cultura – tudo que é anterior ao “moral” de hoje, deve ser cancelado; música, literatura, conhecimento, opiniões, sinônimos, etc. – observância apenas da aparência e não da essência – exemplo: deve-se eleger mulheres ou negros, apenas por serem, não se considera quem são, o que defendem, classe social e história de vida.

Observa-se a rede de grupos de extrema-direita na Europa, os EUA estão enviando mais de 17 mil armas pesadas, incluindo mísseis antitanque portáteis, Javelen e Stinger cujo alcance é de 4,5 km e atua a baixa altitude, até 3.8 m. Qual a dúvida que essas armas serão contrabandeadas no mercado-negro entre esses grupos à Europa Ocidental e logo se verá aviões de passageiros e outros alvos sendo derrubados na França, Itália, Alemanha? Analistas europeus sensatos vêm alertando sobre as consequências. Para os EUA, isso não importa, pois, uma corrida armamentista são de seus interesses.

POR FIM:

Zelensky é a “prova dos nove” de quão vulgar são as análises que defendem que o neonazismo e fascismo surgem a partir de um líder carismático mau e a população é possuída pelo mal, tornando-se genocida de extrema-direita. Isso inclui o bolsonarismo, o qual não tem uma ideologia clara. Aproxima-se de qualquer grupo reacionário e conservador, mesmo que de ideologias antagônicas como o Sionismo-judaico-pentecostal, do Estado de Israel e Netanyahu, ou do neonazismo, viúvas da ditadura; Tradição, Família e Propriedade e outros. Para Bolsonaro, qualquer um desses grupos são aliados, o importante é juntá-los debaixo do seu guarda-chuva e, assim, acumular força e apoio.

A extrema-direita é criada pela elite, que cansa de brincar de democracia e atarraxa o povo, quando vê suas taxas de lucro reduzido pela crise no capitalismo. Financiam, recorrem e impulsionam políticos antidemocráticos, quando não encontram, criam um. Assim como o comediante Zelensky ou o deputado inexpressivo Bolsonaro. Como a elite brasileira, a elite ucraniana foi cooptada pelos EUA. Os magnatas com interesses em negócios no ocidente derrubaram o presidente representante do setor dos magnatas com interesses em negócios com a Rússia.

Zelensky, um Danilo Gentili da Ucrânia, foi construído pelo magnata Valerevich Kolomoisky, um bilionário de origem judaica (financiou grupos nazistas na Ucrânia), residente em Londres, que fez fortuna com a privatização de estatais após o fim da URSS. Cofundador do PrivatBank e seu informal Grupo Privat. Uma Megacorporação com mídia, financeira, bancos, mineradoras, petróleo e gás.

Nesse momento histórico, não é possível vencer a extrema-direita derrotando o “líder carismático”, sem que se derrote o neoliberalismo. É uma questão de sistema e não de fulano ou beltrano.

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