Direitos humanos e a tortura da CIA
Jornal GGN - A revelação recente do Senado norte-americano de que o programa de detenção e interrogatórios da CIA praticava torturas, modernas e medievais, contra os presos suspeitos de terrorismo chocou defensores dos direitos humanos de todo o mundo. Mesmo organizações tradicionalmente ligadas ao governo dos EUA estão se manifestando de maneira contundente contra os atos da Agência, temendo que a prática se torne uma opção válida sempre que se considerar que há alguma ameaça à segurança do país.
Organizações de direitos humanos exigem investigação e punição por torturas cometidas pela CIA
Por Benedito Teixeira
Do Adital
O recente informe elaborado e divulgado pela Comissão de Inteligência do Senado dos Estados Unidos sobre o programa de detenção e interrogatórios da Agência Central de Inteligência (Central Intelligence Agency, CIA) vem dando o que falar no país norte-americano e também em nível internacional. O documento faz uma denúncia contundente do uso estendido e sistemático da tortura por parte da CIA. Organizações de direitos humanos condenam as revelações estarrecedoras e exigem ao governo do presidente Barack Obama que investigue e puna os culpados e que estes prestem contas dos atos de tortura cometidos, para que "a prática não se transforme em uma opção política sempre que houver alguma ameaça à segurança do país’, assinala a própria organização Human Rights Watch (HRW), vista por muitos analistas como ligada ao governo dos EUA.
O documento de 525 páginas faz parte de um informe confidencial de 6.700 páginas, que a Comissão do Senado ainda não manifestou que tenha previsto divulgar o texto completo. No entanto, apenas o resumo documenta numerosos dados fornecidos pela própria CIA sobre a eficácia do programa, e demonstra que funcionários estadunidenses sabiam que era ilegal. Com vistas a esta constatação, a HRW defende que o governo estadunidense divulgue, oportunamente, o informe completo, reforce a supervisão da atuação da CIA e investigue e julgue os altos funcionários responsáveis pelo programa de tortura. "O informe do Senado não deve, simplesmente, ser arquivado em uma estante ou um disco rígido, mas ser o ponto de partida para que se investigue, penalmente, o uso de tortura por funcionários dos E UA”, indica Kenneth Roth, diretor executivo da Human Rights Watch.
Natureza e magnitude dos abusos
O resumo conclui que os abusos da CIA foram muito mais cruéis, sistemáticos e estendidos do que era informado anteriormente; que muitas das técnicas aplicadas em interrogatórios da CIA excederam as autorizadas pelo Departamento de Justiça; e que a CIA começou a utilizar as técnicas muito antes de ter recebido autorização.
O programa de tortura da CIA, exposto no informe, inclui posições forçadas com o propósito de causar dor física e estresse, exposição a encandeamento e música em níveis intoleráveis; simulação de asfixia com água (waterboarding); e empurrar bruscamente os detidos contra paredes ou prendê-los em caixões.
O documento mostra ainda que as torturas da CIA foram inclusive mais impiedosas do que se acreditava antes. O organismo utilizou métodos de imobilização dolorosos, praticou medidas punitivas como a "alimentação por via retal” ou a "reidratação retal”, e obrigou presos que tinham fraturas nas pernas a permanecerem em pé e acorrentados à parede. As táticas afetaram gravemente os detidos, em particular quando combinadas com privação do sono e isolamento, e se estendiam por períodos prolongados. Um dos presos se descreve como "um homem absolutamente destruído”,e indica que outro está "à beira de um colapso total”.
O documento sugere ainda que a CIA conheci, perfeitamente, a ilegalidade das técnicas de tortura aplicadas. Na página 33, o resumo assinala que advogados da CIA distribuíram internamente o esboço de uma carta dirigida ao promotor geral John Ashcroft, de 08 de julho de 2002, no qual se reconhecia, expressamente, que as tácticas que logo ficaram conhecidas como "técnicas intensivas de interrogatório” violavam a Lei sobre Tortura dos EUA. O rascunho pedia que o Departamento de Justiça outorgasse à CIA uma "renúncia formal antecipada do direito de iniciar ações penais”. Ou seja, a CIA pretendia que o Departamento de Justiça se comprometesse a não proceder penalmente em nenhum momento.
O documento do Senado refuta também declarações anteriores de funcionários da CIA que afirmavam que não sabiam se as táticas eram lícitas e que atuaram de boa fé, segundo orientações dos assessores legais do Departamento de Justiça. Pelo contrário, altos funcionários da CIA sabiam que as técnicas eram ilegais. Quando suas tentativas por obterem algum tipo de renúncia antecipada da ação penal se viram frustradas, solicitaram e conseguiram outro tipo de garantia, através de uma série de memorandos legais – os denominados "Memorandos de Tortura” – elaborados pelo Escritório de Assessoramento Legal do Departamento de Justiça e por advogados da Casa Branca a partir de agosto de 2002, e que pretendiam autorizar as técnicas.
Impunidade e cumplicidade
Para a Anistia Internacional, o resumo do Comitê do Senado é uma dura lembrança da impunidade que seguem gozando os autores de muitas violações atrozes aos direitos humanos cometidas em nome da "segurança nacional”. "Apesar de que grande parte dos dados é de domínio público há anos, ninguém respondeu ante a justiça por autorizar ou cometer tais atos no contexto desses programas da CIA”, declarou Erika Guevara Rosas, diretora do Programa Regional para a América da Anistia.
O informe completo do Comitê continua sendo classificado como máximo segredo. Segundo a presidenta do Comitê, Dianne Feinstein, o informe contém "detalhes de cada pessoa detida sob custódia da CIA, as condições nas quais está presa e como foi interrogada.”. A Anistia Internacional pede que o informe completo seja divulgado com a mínima redução possível e que não oculte provas de violações de direitos humanos.
De acordo com o documento, a CIA e outras autoridades estadunidenses não atuaram sozinhas, mas contaram com vários cúmplices em todo o mundo que ajudaram a facilitar a entrega, tortura e detenção secreta das pessoas que os Estados Unidos consideravam suspeitas de terrorismo. Em 24 de julho deste ano, por exemplo, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos declarou que o Governo da Polônia confabulou com a CIA para montar em Stare Kielkuty uma prisão secreta que esteve em funcionamento entre 2002 e 2005. Os demandantes desse caso e outras pessoas foram presos secretamente e torturadas, e alguns foram entregues depois em outros lugares onde correram o risco de sofrerem abusos similares. Em 2012, o Tribunal Europeu sentenciou contra a Macedônia, declarando-a responsável pela cumplicidade na tortura e desaparecimento forçado aos quais foi submetido Khaled El Masri, sob custódia dos Estados Unidos. Outros países europeus que colaboraram com a CIA são: Itália, Lituânia, Romênia, Suécia e Reino Unido.
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