Caso Venina-Petrobras: contando outra história
Antes de qualquer coisa, algumas datas e personagens são importantes:
Sergio Gabrilelli – presidente da Petrobras de 2005 a 13FEV2012. Substituído por Graça Foster a partir de então.
Graça Foster – diretora de óleo e gás até FEV2012 e presidente da Petrobras a partir de 13FEV2012.
Paulo Roberto Costa – diretor de abastecimento da Petrobras a partir de 2004. Responsável pelas obras da Refinaria Abreu e Lima. Demitido por Graça Foster em 02MAI2012.
Operação Lava Jato da Polícia Federal – deflagrada em 17MAR2014, Paulo Roberto Costa é preso em 20MAR2014.
Venina Velosa da Fonseca – gerente da Petrobras durante a gestão de Paulo Roberto Costa e por ele afastada em OUT2009. Em FEV2010 assume a chefia do escritório da unidade da Petrobras em Cingapura, cargo que manteve até NOV2014 quanto foi afastada da função.
Jornal Valor Econômico - 12DEZ2014 – Venina denuncia que alertou a presidente Graça Foster do que ocorria na Petrobras.
Contando outra história.
Venina é geóloga e foi gerente de uma área técnica da Petrobras – a Diretoria de Abastecimento sob a direção de Paulo Roberto Costa. Gerente de que setor, não logrei identificar em nenhuma matéria que li sobre o caso. Mas é certo que era poderosa a ponto de interferir na condução das obras que a diretoria realizava e que era muito, muito próxima de Paulo Roberto Costa – o diretor.
Pelo menos é o que se depreende de seu email a ele em 16JAN2009.
Nele, diz que desde 1999, quando conheceu o então diretor, teve muitas oportunidades de crescimento. Destaca que "tendo a sorte de trabalhar com ele, saí de uma situação de extrema pobreza e dificuldade na infância para o cargo de gerente executiva da Petrobras, atuando na diretoria de abastecimento”.
Venina aparentemente havia batido de frente com outros gerentes da diretoria de abastecimento. Questionava vários valores relacionados às obras da Refinaria de Abreu e Lima, começadas em 2007. Denunciava-as :
"Nos últimos tempos tenho vivido momentos difíceis... diariamente me deparo com situações que geram um grande conflito de valores. Não vou entrar em detalhes porque sei que você sabe do que estou falando... Quando me deparei com a possibilidade de ter de fazer coisas que supostamente iriam contra as normas e procedimentos da empresa, contra o Código de Ética e contra o modelo de gestão que implantamos não consegui criatividade para isso. Foi a primeira vez que não consegui ser convencida a fazer. Não consegui aceitar a forma. No meio do diálogo caloroso e tenso ouvi palavras como ‘covarde’, ‘pular fora do barco’ e ‘querer me pressionar’. Confesso que eu esperava mais apoio e um pouco mais de diálogo”.
Procurava apoio do Diretor:
“Jamais foi a minha intenção forçar a implantação de alternativas de forma irresponsável, sem entender o contexto e abrangência das consequências, o que te colocaria numa situação difícil. Durante o período que trabalhei na diretoria da Abastecimento, eu ‘cresci’ e entendo perfeitamente o contexto político do nosso negócio. Naquele momento em que expus meu ponto de vista eu queria dizer que aquela forma poderia nos colocar numa situação de risco e numa exposição desnecessária.”
Mas deixava claro que não estava para brincadeiras e queria conservar a sua posição:
"Se for necessário falar coisas que vão contra o que você está dizendo, eu falarei. Sempre com a intenção de construir, nunca de emperrar ou de criticar.”
Entenda-se o que se quiser, para o bem e para mal, com uma frase, tal como, “...entendo perfeitamente o contexto político do nosso negócio”. A verdade é que de nada adiantou, pois Paulo Roberto Costa afastou Venina em outubro de 2009 e a enviou para Cingapura em fevereiro de 2010.
O interessante é que Venina nada relata a Sergio Gabrielli, então, o presidente da Petrobras. E parte para Cingapura, onde fica quietinha, fazendo cursos de aperfeiçoamento profissional e cuidando da vida. Estamos em 2010, lembremos.
Em 2011 Dilma assume o poder e a situação de Gabrielli se complica. Em fevereiro de 2012 ele é substituído por Graça Foster. Sabendo da ascensão eminente de Graça Foster, Venina tenta se aproximar da futura presidente. Não é possível saber se por revanche, por dever de ofício ou se em uma ação preventiva, Venina, em um email de outubro de 2011 para Graça Foster, ainda diretora da área de óleo e gás, entrega Paulo Roberto Costa:
“Do imenso orgulho que eu tinha pela minha empresa passei a sentir vergonha... Diretores passam a se intitular e a agir como deuses e a tratar pessoas como animais. O que aconteceu dentro da Abast (Diretoria de Abastecimento) na área de comunicação e obras foi um verdadeiro absurdo. Técnicos brigavam por formas novas de contratação, processos novos de monitoramento das obras, melhorias nos contratos e o que acontecia era o esquartejamento do projeto e licitações sem aparente eficiência... Gostaria de te apresentar a documentação que tenho, parte dela eu sei que você já conhece. Gostaria de te ouvir antes de dar o próximo passo".
O que Graça Foster, diretora de óleo e gás, poderia fazer com essas informações eu não sei, trata-se de uma comunicação quase pessoal, sobre um assunto que não é da sua alçada, nada pede e mais insinua do que relata. Agora, o que Graça Foster faz a partir de assumir a presidência da Petrobras é sabido de todos: Paulo Roberto Costa é demitido por ela em 2 de maio de 2012.
Com Paulo Roberto Costa fora da Petrobras, Venina retorna ao Brasil e tenta reassumir sua função. Talvez confiasse em uma recompensa pelos bons préstimos à presidente. Não obteve sucesso e voltou para Cingapura. O Valor Econômico relata assim: “Em 2012, a geóloga voltou ao Rio, onde ficou por cinco meses sem nenhuma atribuição. A alternativa foi retornar a Cingapura, agora, como chefe do escritório”.
De 2012 até março de 2014, nada mais se sabe de Venina. Esteve por mais 2 anos cuidando de sua vida.
Fim da história? Não.
Acompanhemos a cronologia:
17 de março de 2014 – deflagrada a Operação Lava Jato pela Polícia Federal.
20 de março de 2014 – Paulo Roberto Costa é preso e busca uma delação premiada.
25 de março de 2014 – depois de 4 anos em Cingapura e dois anos após assumir a chefia do escritório, Venina envia um email a José Carlos Consenza – substituto de Paulo Roberto Costa na Diretoria de abastecimento da Petrobras. Venina encaminhou um e-mail a Cosenza sobre perdas financeiras em operações internacionais da estatal que ela identificou a partir do trabalho em Cingapura. As perdas ocorrem quando previsões no ponto de carga não refletem o que foi descarregado.
O interessante aqui é como Venina ficou sabendo das irregularidades. Segundo o Valor Econômico, “A geóloga contratou um escritório em Cingapura que obteve cópias das mensagens das tratativas entre os bunkers [negociadores de óleo com a Petrobras] com "fortes evidências" de desvios”.
Como é que se contrata um escritório desses? E como é que eles atuam sem violar as leis de proteção à privacidade?
Bem, seja lá como for, aparentemente não tem nada a ver com a operação Lava Jato. Mas a essa altura, a Lava Jato já tinha extrapolado de muito o superfaturamento da Refinaria Abreu e Lima e se espraiado para toda e qualquer suspeita de corrupção envolvendo funcionários da Petrobras. E mais uma vez, no limite, Venina entrega uma situação que já poderia ser do seu conhecimento há muito tempo. E se previne documentando-a através de um email.
Sabemos que a Petrobras contratou empresas de auditoria externa e formou comissões internas para fazer um pente fino em todas as suas operações.
Alguns meses depois, quando Venina, em 20NOV2014, envia novo email à Graça Foster, agora presidente da Petrobras, nele relata:
"Desde 2008, minha vida se tornou um inferno, me deparei com um esquema inicial de desvio de dinheiro, no âmbito da Comunicação do Abastecimento. Ao lutar contra isso, fui ameaçada e assediada. Até arma na minha cabeça e ameaça às minhas filhas eu tive... Tenho comigo toda a documentação do caso, que nunca ofereci à imprensa em respeito à Petrobras, apesar de todas as tentativas de contato de jornalistas... Levei o assunto às autoridades competentes da empresa, inclusive o Jurídico e a Auditoria, o que foi em vão".
A citação “Até arma na minha cabeça e ameaça às minhas filhas eu tive...” se dá porque Venina teria sofrido um assalto ou ato de intimidação no bairro do Catete-RJ. O Valor Econômico não relata que Venina tenha feito um boletim de ocorrência desse atentado.
Interessante a frase de 2014 dirigida a Graça Foster: “Tenho comigo toda a documentação do caso, que nunca ofereci à imprensa em respeito à Petrobras, apesar de todas as tentativas de contato de jornalistas”. Parece-se muito com a de 2009, então dirigida a Paulo Roberto Costa: "Se for necessário falar coisas que vão contra o que você está dizendo, eu falarei”. Aparentemente, Venina não mudou nada desde os tempos da Diretoria de Abastecimento.
O porquê do email?
No dia anterior, 19 de novembro de 2014, Venina foi afastada do cargo que ocupava.
Em nota de 12DEZ2014, a Petrobrás afirmou que Venina foi responsabilizada por “não conformidades relevantes” pela comissão interna que apura os procedimentos de contratação nas obras da RNEST - a Refinaria Abreu e Lima e que ela fez ameaças a seus superiores para se manter na gerência.
Nesse mesmo dia o jornal Valor Econômico circulara com as declarações de Venina. Apenas apresentando-as em uma ordem cronológica bastante suis generis.
Referências:
http://www.valor.com.br/politica/3814406/diretoria-da-petrobras-foi-alertada-de-desvios
http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2014/12/funcionaria-alertou-presidente-da-petrobras-sobre-irregularidades.html
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/11/1548049-entenda-a-operacao-lava-jato-da-policia-federal.shtml
http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/esclarecimento-sobre-as-materias-publicadas-na-imprensa-a-respeito-de-denuncias-feitas-pela-empregada-venina-velosa.htm
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