Por Roberto Amaral, na revista CartaCapital:
O ex-presidente e ex-sociólogo FHC (“esqueçam o que escrevi”) pode
orgulhar-se do laurel de ‘príncipe dos intelectuais orgânicos da
direita’, correndo algumas cabeças à frente do inefável Gilmar Mendes,
por sinal uma de suas piores crias. O magistério do ex-presidente, é
ministrado, hoje, em entrevistas e "tijolaços" semanais publicados em
dois jornalões brasileiros. No último domingo, FHC agride a
inteligência de seus ex-colegas de USP ao ecoar uma bobagem criada por
Aécio, o presidenciável derrotado. Afirma que, com o anúncio de sua
equipe econômica, a presidente Dilma estaria desdizendo o que pregara na
campanha, ignorando que, no presidencialismo, a política econômica é
ditada pelo presidente. Ele se mede pelos fatos e não pelos seus
operadores.
Outra bobagem, essa muito sua, é - por isso e por aquilo - pôr em dúvida a legitimidade do mandato outorgado à presidente reeleita pela soberania popular. Em contorcionismo digno de sociologia de botequim, o ex-presidente tenta deslegitimar o pronunciamento eleitoral, ao escrever que a presidente teria sido eleita ‘apenas’ pela metade (que ele diz ‘atrasada’) do eleitorado brasileiro; daí resulta uma conclusão igualmente falsa, e reacionaríssima: a metade que votou no candidato da direita seria uma metade mais ‘qualificada, e mais ‘qualificada’ porque - e daí vem a saraivada de besteiras sediças – seria constituída de brasileiros moradores dos centros mais dinâmicos do país (outra mentira), portanto ‘mais capacitados’ e mais ‘independentes’.
Ele, que tanto critica o presidente Lula quando este indica a divisão do país entre ricos e pobres, inventa uma nova polaridade: de um lado os ‘sabidos’, aqueles que votam com a direita, e, de, outro, os outros, nós os que votamos em Dilma. Os pobres de espírito. Longe de causar espécie, conquanto sempre lamentável, o texto do ex-sociólogo apenas põe em relevo suas conhecidas más qualidades: o elitismo (que no anti-povo, e em particular no anti-nordestino, cheira a xenofobia), a narcísica autoadoração, e o cinismo contumaz.
A vitória de Dilma foi pouco celebrada, diz ele. Onde e por quem? Nos círculos frequentados por Fernando Henrique e sua caterva, sem dúvida alguma. O Gero, em sinal de luto, nem terá funcionado na noite da apuração. Mas multidões (povo vale?) vibraram, cantaram e dançaram de alegria Brasil afora.
Ao longo do fastidioso artigo, vai-se descobrindo que o autor toma como exemplo de gestão moderna e eficiente a sua própria presidência, a qual, de mãos dadas com as oligarquias e o atraso político, e associada ao estamento rentista, entregou a Lula um país quebrado, com desemprego em alta, estagnação econômica, juros na estratosfera, reservas internacionais quase secas, inflação na casa dos dois dígitos, e alta rejeição popular. Entreguismo descarado (embutido em programa de privatização que terminou cunhado como ‘privataria’) e subserviência nas relações internacionais. E desesperança, certamente sua herança mais perversa. A desesperança que fez nosso povo desacreditar de sua própria capacidade de construir um país rico, soberano e, acima de tudo, justo. Ceticismo que nos últimos 12 anos foi transformado em esperança, sonho que a grande imprensa intenta destruir para fexercer mais facilmente a dominação ideológica.
Convenientemente, se esquece o ex-presidente da longa administração do seu PSDB em São Paulo, que nos legou uma crise hídrica sem precedentes e vários escândalos nunca apurados, o mais recente o do cartel do metrô e a negociata dos trens. Esquece-se também, protegido pelo silêncio da mídia, do mensalão do PSDB mineiro, o mensalão fundador, de Eduardo Azeredo e Aécio Neves, o notável construtor de aeroporto privado com recursos públicos. O argumento simplório do professor, segundo o qual os mais 'dependentes' do governo votaram em Dilma exatamente por serem ‘dependentes’ e dependentes por serem pobres, e dependentes e pobres por morarem predominantemente nas regiões mais pobres do Brasil (convenientemente o ex-sociólogo se esquece de que Dilma ganhou no Rio de Janeiro e em Minas Gerais) teria que ser contraposto, por exemplo, pelo dado de que São Paulo, o Estado com maior número de beneficiários do Bolsa Família em termos absolutos, deu vitória eleitoral a Aécio. De dicotomia em dicotomia, o ex-sociólogo tenta fazer crer numa distinção PT-esquerda (atraso) x PSDB (modernidade). Ora, a direita simbolizar a modernidade! A essa barbaridade chama-se ‘contradição em termos’. Na verdade, o ex-presidente pretende mesmo estabelecer o voto de qualidade, velho sonho das elites depravadas, a cujo seio passa a vida inteira pedindo ingresso.
É sabida a ojeriza dos setores reacionários ao voto popular "Meu voto não pode valer tanto quanto o de uma lavadeira", já diziam no século passado os cafeicultores paulistas e fluminenes e os pecuaristas mineiros. Filhos temporões da República Velha, são saudosos da ditadura. Infelizmente, o ex-presidente, uma das suas vítimas, mais uma vez renega seu rápido passado progressista (que lhe valeu uma vaga de suplente de senador), ao enveredar pela perigosa tese de que a eleição de Dilma foi legal, mas não legítima. Desavergonhadamente, adere ao golpismo.
De legitimidade não carecem o mandato conquistado pela presidente Dilma, nem seu Partido, convidado a fazer auto-crítica (que todos aguardamos) de seus muitos erros, que atingem toda a militância de esquerda do país.
É preciso ter claro, porém, que está em curso uma operação de desconstrução do regime, com alvos claros e definidos, tendo como mote o combate à corrupção (que não se nega), ao falso ‘mar de lama’ que, inventado pela elite reacionária, derrotou Getúlio e Tancredo, por ironia da História redivivo pelo seu neto Aécio: desmoralizar a Petrobras, para permitir a entrega do pré-sal ao capital estrangeiro, promessa de Aécio, e desestabilizar as grandes empresas nacionais de engenharia, para abrir o mercado brasileiro, o segundo canteiro de obras do mundo (o primeiro é o chinês) às empresas estrangeiras. Não importa que a percepção popular, medida pelas últimas pesquisas do IBOPE e do Datafolha, seja a de que o governo Dilma é o que mais combateu a corrupção na nossa História. Importa desconstruí-la para derrubá-la.
O golpe moderno de há muito superou as formas arcaicas do intervencionismo militar. Ele pode operar-se por decisões congressuais (Paraguai) ou judiciárias (Honduras), ou pela via do impeachment, ou por outras que juristas do sistema saberão engendrar no momento oportuno e atendendo às circunstâncias. Aliás, no Brasil de hoje, o golpe, fracassadas outras alternativas, chama-se desidratação do poder politico e moral da presidnte. Se foi impossível evitar sua eleição, evite-se sua posse como se tentou em 1955 impedir a posse de JK; se de todo essa operação se revela impossível, então se inviabilize seu governo, dissolvendo o poder politico e moral da presidente, fragilizando sua liderança, enfim, atando-a ao imobilismo, impedindo-a de fazer as reformas que interessam ao povo e assustam as ‘elites’.
Resistir ao golpe é preciso.
Apesar da carência de lideranças ativas, a hora é de ação, de mobilização popular para espancar de vez o miasma golpista que as velhas e novas vivandeiras sussurram nas cavernas e nos gabinetes, e os jornalões amplificam. Falta mais afirmação governativa e sindicatos nas ruas, falta a voz do governo e de seus defensores, moucos e surdos. Falta mais política ao governo e faltam política e ação ao PT (principalmente a ele) e aos partidos da ‘base’, de modo a fortalecer a sustentação política desse e do próximo governo, que, por circunstâncias variadas, já começou.
Ao fim e ao cabo, é oportuno, para vencedores e para derrotados, e até para os golpistas de carteirinha encangados com os golpistas de conveniência e os golpistas profissionais, aos ‘inocentes úteis’ da direita e aos liberais recolhidos ao silêncio, e aos provocadores, reler um texto de Florestan Fernandes, o Sociólogo que faz falta (Tempo Social, outubro de 1995):
“Não se pode esquecer que a História é cruel com aqueles que pensam que ela é eterna, porque na verdade ela não é eterna, ela muda suas faces, muda suas exigências e pode se converter num abismo, e pode afogar todos aqueles que não perceberem que é o momento de mudar o rumo”.
Outra bobagem, essa muito sua, é - por isso e por aquilo - pôr em dúvida a legitimidade do mandato outorgado à presidente reeleita pela soberania popular. Em contorcionismo digno de sociologia de botequim, o ex-presidente tenta deslegitimar o pronunciamento eleitoral, ao escrever que a presidente teria sido eleita ‘apenas’ pela metade (que ele diz ‘atrasada’) do eleitorado brasileiro; daí resulta uma conclusão igualmente falsa, e reacionaríssima: a metade que votou no candidato da direita seria uma metade mais ‘qualificada, e mais ‘qualificada’ porque - e daí vem a saraivada de besteiras sediças – seria constituída de brasileiros moradores dos centros mais dinâmicos do país (outra mentira), portanto ‘mais capacitados’ e mais ‘independentes’.
Ele, que tanto critica o presidente Lula quando este indica a divisão do país entre ricos e pobres, inventa uma nova polaridade: de um lado os ‘sabidos’, aqueles que votam com a direita, e, de, outro, os outros, nós os que votamos em Dilma. Os pobres de espírito. Longe de causar espécie, conquanto sempre lamentável, o texto do ex-sociólogo apenas põe em relevo suas conhecidas más qualidades: o elitismo (que no anti-povo, e em particular no anti-nordestino, cheira a xenofobia), a narcísica autoadoração, e o cinismo contumaz.
A vitória de Dilma foi pouco celebrada, diz ele. Onde e por quem? Nos círculos frequentados por Fernando Henrique e sua caterva, sem dúvida alguma. O Gero, em sinal de luto, nem terá funcionado na noite da apuração. Mas multidões (povo vale?) vibraram, cantaram e dançaram de alegria Brasil afora.
Ao longo do fastidioso artigo, vai-se descobrindo que o autor toma como exemplo de gestão moderna e eficiente a sua própria presidência, a qual, de mãos dadas com as oligarquias e o atraso político, e associada ao estamento rentista, entregou a Lula um país quebrado, com desemprego em alta, estagnação econômica, juros na estratosfera, reservas internacionais quase secas, inflação na casa dos dois dígitos, e alta rejeição popular. Entreguismo descarado (embutido em programa de privatização que terminou cunhado como ‘privataria’) e subserviência nas relações internacionais. E desesperança, certamente sua herança mais perversa. A desesperança que fez nosso povo desacreditar de sua própria capacidade de construir um país rico, soberano e, acima de tudo, justo. Ceticismo que nos últimos 12 anos foi transformado em esperança, sonho que a grande imprensa intenta destruir para fexercer mais facilmente a dominação ideológica.
Convenientemente, se esquece o ex-presidente da longa administração do seu PSDB em São Paulo, que nos legou uma crise hídrica sem precedentes e vários escândalos nunca apurados, o mais recente o do cartel do metrô e a negociata dos trens. Esquece-se também, protegido pelo silêncio da mídia, do mensalão do PSDB mineiro, o mensalão fundador, de Eduardo Azeredo e Aécio Neves, o notável construtor de aeroporto privado com recursos públicos. O argumento simplório do professor, segundo o qual os mais 'dependentes' do governo votaram em Dilma exatamente por serem ‘dependentes’ e dependentes por serem pobres, e dependentes e pobres por morarem predominantemente nas regiões mais pobres do Brasil (convenientemente o ex-sociólogo se esquece de que Dilma ganhou no Rio de Janeiro e em Minas Gerais) teria que ser contraposto, por exemplo, pelo dado de que São Paulo, o Estado com maior número de beneficiários do Bolsa Família em termos absolutos, deu vitória eleitoral a Aécio. De dicotomia em dicotomia, o ex-sociólogo tenta fazer crer numa distinção PT-esquerda (atraso) x PSDB (modernidade). Ora, a direita simbolizar a modernidade! A essa barbaridade chama-se ‘contradição em termos’. Na verdade, o ex-presidente pretende mesmo estabelecer o voto de qualidade, velho sonho das elites depravadas, a cujo seio passa a vida inteira pedindo ingresso.
É sabida a ojeriza dos setores reacionários ao voto popular "Meu voto não pode valer tanto quanto o de uma lavadeira", já diziam no século passado os cafeicultores paulistas e fluminenes e os pecuaristas mineiros. Filhos temporões da República Velha, são saudosos da ditadura. Infelizmente, o ex-presidente, uma das suas vítimas, mais uma vez renega seu rápido passado progressista (que lhe valeu uma vaga de suplente de senador), ao enveredar pela perigosa tese de que a eleição de Dilma foi legal, mas não legítima. Desavergonhadamente, adere ao golpismo.
De legitimidade não carecem o mandato conquistado pela presidente Dilma, nem seu Partido, convidado a fazer auto-crítica (que todos aguardamos) de seus muitos erros, que atingem toda a militância de esquerda do país.
É preciso ter claro, porém, que está em curso uma operação de desconstrução do regime, com alvos claros e definidos, tendo como mote o combate à corrupção (que não se nega), ao falso ‘mar de lama’ que, inventado pela elite reacionária, derrotou Getúlio e Tancredo, por ironia da História redivivo pelo seu neto Aécio: desmoralizar a Petrobras, para permitir a entrega do pré-sal ao capital estrangeiro, promessa de Aécio, e desestabilizar as grandes empresas nacionais de engenharia, para abrir o mercado brasileiro, o segundo canteiro de obras do mundo (o primeiro é o chinês) às empresas estrangeiras. Não importa que a percepção popular, medida pelas últimas pesquisas do IBOPE e do Datafolha, seja a de que o governo Dilma é o que mais combateu a corrupção na nossa História. Importa desconstruí-la para derrubá-la.
O golpe moderno de há muito superou as formas arcaicas do intervencionismo militar. Ele pode operar-se por decisões congressuais (Paraguai) ou judiciárias (Honduras), ou pela via do impeachment, ou por outras que juristas do sistema saberão engendrar no momento oportuno e atendendo às circunstâncias. Aliás, no Brasil de hoje, o golpe, fracassadas outras alternativas, chama-se desidratação do poder politico e moral da presidnte. Se foi impossível evitar sua eleição, evite-se sua posse como se tentou em 1955 impedir a posse de JK; se de todo essa operação se revela impossível, então se inviabilize seu governo, dissolvendo o poder politico e moral da presidente, fragilizando sua liderança, enfim, atando-a ao imobilismo, impedindo-a de fazer as reformas que interessam ao povo e assustam as ‘elites’.
Resistir ao golpe é preciso.
Apesar da carência de lideranças ativas, a hora é de ação, de mobilização popular para espancar de vez o miasma golpista que as velhas e novas vivandeiras sussurram nas cavernas e nos gabinetes, e os jornalões amplificam. Falta mais afirmação governativa e sindicatos nas ruas, falta a voz do governo e de seus defensores, moucos e surdos. Falta mais política ao governo e faltam política e ação ao PT (principalmente a ele) e aos partidos da ‘base’, de modo a fortalecer a sustentação política desse e do próximo governo, que, por circunstâncias variadas, já começou.
Ao fim e ao cabo, é oportuno, para vencedores e para derrotados, e até para os golpistas de carteirinha encangados com os golpistas de conveniência e os golpistas profissionais, aos ‘inocentes úteis’ da direita e aos liberais recolhidos ao silêncio, e aos provocadores, reler um texto de Florestan Fernandes, o Sociólogo que faz falta (Tempo Social, outubro de 1995):
“Não se pode esquecer que a História é cruel com aqueles que pensam que ela é eterna, porque na verdade ela não é eterna, ela muda suas faces, muda suas exigências e pode se converter num abismo, e pode afogar todos aqueles que não perceberem que é o momento de mudar o rumo”.
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