quinta-feira, 19 de março de 2015

POLÍTICA - O tragicômico analfabetismo político.

 
Retratos de uma manifestação ilegítima
 
Mailson Ramos*

Nada de novo na frente ocidental. Diria o título do livro de Erich Maria Remarque. Diria eu sobre a condição das manifestações do domingo. Nada de novo além do tragicômico analfabetismo político, da insensibilidade quase brutal, do desrespeito às instituições democráticas desta nação. Pois os manifestantes que vestiram a camisa da seleção brasileira de futebol e pintaram os rostos de verde e amarelo, em vez de amplificar uma discussão positiva acerca do combate à corrupção, denotaram uma assombrosa conclusão: são eles os responsáveis pela chama acesa do golpismo quando pedem por intervenção militar; são eles que se acercam de falsos ideais democráticos, mas colocam na mão uma bandeira com a suástica; são eles capazes de gerar ódio ao dependurar sobre uma ponte bonecos enforcados representando Dilma e Lula
Não importa para a minha análises o número de manifestantes. O discurso antidemocrático deles causa asco independente da quantidade. Podiam ser dez ou vinte. O prejuízo da mensagem contra a democracia é sempre o mesmo. A intenção não é generalizar, mas quem saiu de casa para acompanhar este desfile não cívico, misturou-se com uma turba de ideologia odienta capaz até de estourar bomba em sede de partido político. Isso é muito grave. Não basta apenas definir as características destes manifestantes numa análise verdadeira que não os poupará de serem duramente criticados. Parece ser momento oportuno para definir as mãos por trás das marionetes.
Os políticos do PSDB pareciam alheios às manifestações. Pareciam. Mostraram toda sua satisfação em selfies, acompanhando a marcha fúnebre da democracia. Eles, eleitos democraticamente, assumem a posição de golpistas e definem, sem ponto de retorno, suas verdadeiras intenções em toda esta história. Muito bonito é se manifestar contra a corrupção, com um discurso afiadíssimo, moral e eticamente estabelecido na razão que têm de contrapor o governo. Deveriam saber os manifestantes que no meio deles, com as mesmas palavras entoadas contra a corrupção, estavam grandes corruptores. Ilusão deste colunista que merece errata imediata: é lógico que os manifestantes sabem da Lista de Furnas, do Trensalão e do Swissleaks. Aquila non capit muscas (Uma águia não caça moscas).

Os pequenos riachos de gente, minando dos bairros mais nobres das capitais, formaram lagoas em amarelo. Mas não eram qualquer logoa. Eram na verdade lagos estabelecidos sobre o solo de Copacabana, Boa Viagem, Barra e Avenida Paulista. Há de se perceber nas fotos a ausência de um negro. Em Salvador, a mais africana das capitais brasileiras, não se viu um simples descamisado entre os manifestantes. É que nos outros bairros, em vez de se desgastar na histeria coletiva, as pessoas bebiam uma cerveja e faziam aquele velho e tradicional churrasco. Na verdade, o que resta desta análise sobre a ausência de negros nas manifestações é a obviedade da natureza sectária do discurso: ali só protestava a elite, ou talvez, aqueles que estão descontentes com o governo e amassam panelas Le Creuset, famintos enquanto regurgitam a comida. Não havia pauta e nem discussão de políticas sociais. O que faríamos nós, negros e suburbanos, num movimento puramente aristocrático?
A TV Globo deu cobertura total a este dia nefasto na história de nossa República. Não há razão para pensar o contrário: a emissora da família Marinho revelou, sem máscaras, a quem serve. O discurso mentiroso do jornalismo sério não vai mais ludibriar as pessoas. A hashtag #GloboGolpista, às vésperas do domingo, provou à TV Globo que as mídias sociais são um sapo difícil de engolir. Não se define mais um golpe nas alcovas da imprensa; Brasília não é vigiada apenas pelos jornalistas e suas redações. Não é mais um meio de comunicação o responsável por direcionar a opinião pública. Aliás, com o advento destas tecnologias, o conceito de opinião pública é cada vez mais rarefeito. E a posição da TV Globo demonstra que o povo não pode ser responsável pelas decisões, nem mesmo as democráticas, nem mesmo as eleitorais.
Jornalistas da CartaCapital foram hostilizados por manifestantes e ridicularizados sobre um carro de som, em São Paulo. De Saturno já deve ter se ouvido a balela de que o governo não respeita a liberdade de imprensa e quer destruir a imprensa com a Ley de Medios. Este mesmos manifestantes que se fazem respeitosos com a liberdade são capazes de achincalhar um profissional em pleno exercício de sua função. São estes que penduram dois bonecos enforcados e pedem intervenção militar já. Retratos de uma manifestação ílegítima; porque assim se deslegitima o tempo inteiro.
*Mailson Ramos é escritor, profissional de Relações Públicas e autor do blog Nossa Política. Escreve semanalmente para Pragmatismo Político.

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