Ucrânia sob guerra: Disneylândia do neonazismo, por Antonio Lassance
A característica principal do fascismo, em suas mais variadas formas, é a milicianização do Estado. É a permissividade com grupos paramilitares que fazem da corrupção das instituições seu modelo de negócio.
Ucrânia sob guerra: Disneylândia do neonazismo
por Antonio Lassance *.
“A Ucrânia é hoje um simulador da construção de um Estado fascista, pronta para simular o tipo de poder armado que a extrema-direita deseja ver em seus próprios países.”
Calma! A frase não vem de nenhum dirigente russo ou de veículo de comunicação daquele país agressor, e sim de um artigo no famoso e insuspeito Washington Post. Rita Katz, especialista em análise de organizações terroristas, externou ali seu assombro em como, desde a ascensão do Estado Islâmico (Isis), não se via tamanha atividade de recrutamento interno e externo de uma organização terrorista (é este o nome que ela dá aos bois).
Katz é taxativa em dizer que os neonazistas estão usando a guerra na Ucrânia como um playground para exercitar suas táticas de propaganda, treinamento armado, intimidação e tomada do poder.
Já ouvimos à exaustão que a maioria dos ucranianos não é neonazista, mas democrática; que Zelensky tem ascendência judaica (ao que ele dizia ser “um dos meus vinte maiores defeitos”); e que o partido neonazista, conhecido como Svoboda (antes, partido Nacional-Social da Ucrania – qualquer semelhança com o nome do Partido Nazista não é mera coincidência) não participou da coalizão do atual governo.
Tudo isso é verdade. Só que esse raciocínio foi atropelado pela guerra. Zelensky já não é mais o mesmo homem e a Ucrânia não é mais o mesmo rio.
Hoje, a principal (e não a única) referência do neonazismo na Ucrânia não é o Svoboda, mas o Batalhão Azov, outrora sediado em Mariupol. O batalhão foi institucionalizado anos atrás como parte da Guarda Nacional da Ucrânia e tem seus salários pagos pelo Ministério do Interior.
O neonazismo institucionalizado na Ucrânia e condecorado por Zelensky é agora a linha de frente do que alguns chamam, idilicamente, só de “resistência”. Foram condecorados pelo presidente em uma cerimônia que serviu de apito de cachorro da sanha neonazista.
O fascismo e o nazismo, além de fenômenos históricos, são duas categorias analíticas importantes. A principal característica desses fenômenos não é o bigodinho de Hitler nem a saudação do Império Romano, desenterrada por Mussolini e copiada e colada por seu pupilo austríaco que gostava de uma braçadeira com a suástica.
A característica principal do fascismo, em suas mais variadas formas, é a milicianização do Estado. É a permissividade com grupos paramilitares que fazem da corrupção das instituições seu modelo de negócio. A prosperidade desse modelo pode demorar décadas até contaminar plenamente as organizações do Estado. Não há problema. A milícia extremista pode ficar anos a fio rosnando à espreita da oportunidade ideal para a tomada do poder.
O Partido nazista foi criado em 1920. Hitler só chegou ao cargo de chanceler, nomeado pelo presidente von Hindenburg, em 1933. A diferença que o historiador Renzo de Felice fazia entre o fascismo como movimento e o fascismo como regime continua útil. O esfacelamento do Estado por esse carrossel extremista, que transformava o Leviatã em Behemoth (na analogia de Franz Neumann), também merece ser revisitado em nossas análises.
Para os neonazistas de todo mundo, a oportunidade é agora. A maioria das pessoas talvez não tenha percebido, mas a Ucrânia que existia até pouco tempo já não existe mais, nem política e nem economicamente. O governo Zelensky já não é mais governo. É apenas um bunker. Zelensky não governa. Apenas dá entrevistas. Obviamente, não é ele quem comanda a guerra. A chefia do país está na ponta das baionetas e nos pinos de granadas.
Em 2018, o jornal The Nation – pelas mãos do especialista de longa data em Rússia e Ucrânia, Nicolai Petro – analisou a tentativa do então presidente ucraniano, Petro Poroshenko, de usar o conflito com a Rússia para implantar uma ditadura, banindo a oposição. Com isso, se instalaria o que Petro chamava de Cenário Pinochet. (A quem possa interessar, Petro assessorou a presidência de George W. Bush).
Pois bem, Zelensky implantou recentemente o Cenário Pinochet. Baniu onze partidos, acusando-os de ser pró-russos. Seria como o Canadá banir partidos que têm maior presença no lado “francês” do país e acusá-los de ser francófonos; ou os canadenses francófonos proibirem o inglês como uma das línguas oficiais e criminalizar como traidores da pátria os defensores da monarquia (sim, o Canadá é, formalmente, uma monarquia constitucional e deve obediência à Rainha da Inglaterra).
Fato ainda mais significativo é que a elite do Batalhão de Azov deixou Mariupol antes da chegada dos russos. Eles estão em Kiev. São a guarda pretoriana de Zelensky. A cidade está sitiada pelos russos, mas Zelensky está sitiado pelo Azov, por outros grupos extremistas e por seus generais – acreditem, eles não são democratas. A Ucrânia é hoje um Estado fascista com todas as letras. Quem diria? Ucranizaram a Ucrânia!
Imagine aquela cena antológica do filme “A Queda: as últimas horas de Hitler”, campeã de memes com Bruno Ganz. A situação é bem diferente, certo? Com toda a certeza. Ou alguém duvida que, ao invés do líder político gritando com seus generais e membros da SS, como no filme; na Ucrania, bem ao contrário, são os militares que gritam para o bobo da corte, o comediante de CQC, e ditam a ele o roteiro que deve recitar diante das câmeras? Justiça seja feita, esse é um papel que Zelensky faz muito bem.
Antes que eu me esqueça: “Ah, mas e os russos? Hein?”. “E o PT, hein?” Ok. Feito o registro, sigamos.
É triste ver como o drama da guerra é magnificado, como numa tragédia grega mal encenada, por atores que não perceberem que caminham para o abismo. O Partido Democrata dos Estados Unidos, o Partido de Roosevelt e que supostamente é mais aberto à luta pelos direitos civis dos negros, com uma relação histórica com os judeus, num piscar de olhos, mudou de ideia sobre o Azov.
Até pouco tempo, o Batalhão que era classificado como organização terrorista, que é uma usina de homicídios e que cometeu crimes de guerra contra seus compatriotas, conforme inúmeros relatos de civis em Mariupol, está recebendo como prêmio um forte apoio militar dos Estados Unidos e de vizinhos europeus.
O dono do Facebook, Mark Zuckerberg, retirou as restrições que sua rede fazia aos neonazistas ucranianos. Talvez por ter percebido que o Azov tem um apelo universal. Mais que neonazistas ucranianos, eles são supremacistas brancos, antissemitas, predadores sexuais. Bingo! Ou melhor, “like!”.
* Antonio Lassance é historiador e cientista político.
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