Os comunistas, Prestes e o tenentismo (2ª parte)
Por Augusto Buonicore
Entre 1929 e
1934 ocorreu uma aplicação mecânica das resoluções da Internacional
Comunista (IC). A nova política refletia um profundo desconhecimento das
forças sociais em presença. Abandonou-se a proposta de aliança com a
pequena burguesia urbana, através do movimento tenentista. Este passou a
ser olhado com desconfiança e depois tratado como inimigo. Na falta de
uma social-democracia nativa, o prestismo (ala esquerda do tenentismo)
ocupou o seu lugar no esquema dos comunistas brasileiros.
Os comunistas, Prestes e o tenentismo (1ª parte)
A guinada à esquerda do PCB e o surgimento do antiprestismo
Na 1ª Conferência do Bureau Sul-Americano da Internacional Comunista, ocorrida em junho de 1929, a direção do PCB foi acusada de desvios de direita. A tese sobre o caráter "democrático pequeno-burguês" da revolução brasileira foi definida como “menchevista” por superestimar o papel da pequena burguesia urbana, através do tenentismo, em detrimento das massas camponesas.
Em fevereiro de 1930 o próprio secretariado da Internacional Comunista (IC) aprovou uma resolução que afirmava: “No Partido (Comunista do Brasil) prega-se abertamente a ‘teoria da revolução democrática pequeno-burguesa’ (do camarada Brandão). Essa teoria, menchevista, antileninista e antimarxista, nega a hegemonia do proletariado na revolução democrática burguesa (...). Mas, muitíssimo mais perigoso é a prática do PC do Brasil em ceder seu papel independente ao BOC [Bloco Operário Camponês] (...). A linha política do BOC só poderá mudar radicalmente com a condição de que o PC do Brasil se torne o ‘único’ partido revolucionário, desolidarizando-se, por completo, de todos os partidos pequeno-burgueses”(Resolução da Internacional Comunista sobre a questão brasileira, in A Classe Operária, nº89, 17-04-1930). A palavra Kuomintang – havia pouco tempo em moda no seio da Internacional – passava a ser vista como um verdadeiro palavrão.
Entre abril e maio ocorreu o Pleno Ampliado do Secretariado Sul-Americano da IC no qual a questão brasileira foi alvo de atenção especial. Novamente ocorreram pesadas críticas a Octávio Brandão, considerado o principal ideólogo do PCB. O documento aprovado dizia: “somente uma ruptura enérgica e definitiva com os grupos pequenos burgueses e uma luta sem quartel contra suas ideologias, seu programa e sua tática, constituem a condição prévia da formação de um partido proletário de vanguarda”. Em outra nota o “prestismo” era apresentado como “o adversário mais perigoso do PCB”, e por isso ele deveria “desmascarar impiedosamente todas as vacilações da pequena burguesia, concentrando suas críticas especialmente sobre a esquerda desta e a fração mais radical.” Esta última formulação é uma clara adaptação da tese do “social-fascismo” à realidade brasileira. No caso, a socialdemocracia era substituída pelo “prestismo”. Os militantes que continuavam advogando alianças com os tenentes revolucionários passaram a ser acusados de direitistas e expulsos do partido.
Entre 1929 e 1934 ocorreu uma aplicação mecânica das resoluções da Internacional Comunista, que não levavam em conta o processo revolucionário real que estava se desenvolvendo no país. A nova política refletia um profundo desconhecimento das forças sociais em presença, subestimando o papel das classes médias urbanas e superestimando o papel dos camponeses naquela conjuntura. Abandonou-se a proposta de aliança preferencial com a pequena burguesia urbana, através do movimento tenentista. Este passou a ser olhado com grande desconfiança.
As reflexões originais – ainda que limitadas – sobre a formação econômica e social brasileira foram abandonadas e substituídas por esquemas e modelos mais rígidos produzidos no interior da Internacional Comunista. Quando, em outubro de 1930, chegou a “terceira revolta”, prevista por Brandão e Astrojildo, os comunistas estavam desarmados teórica e politicamente para dela participar, com firmeza e independência. As posições adotadas pelo PCB o levaram a ficar à margem do movimento cívico-militar que mudaria a cara do país. A Revolução de 1930 foi considerada um simples choque entre oligarquias rivais, apoiadas pelo imperialismo britânico e estadunidense.
Nesse momento, Prestes – que, a pedido dos tenentes, havia se calado durante a campanha presidencial para não prejudicar a oposição – começava a dar uma guinada à esquerda e rompia com seus ex-camaradas de armas que majoritariamente haviam aderido à Aliança Liberal, encabeçada por Getúlio Vargas. Em maio de 1930 ele lançou um audacioso manifesto no qual afirmava: “A revolução brasileira não pode ser feita com o programa anódino da Aliança Liberal (...). Não nos enganemos. Somos governados por uma minoria que, proprietária de fazendas e latifúndios e senhora de meios de produção e apoiada em imperialismos estrangeiros que nos exploram os nos dividem, só será dominada pela verdadeira insurreição generalizada, pelo levantamento consciente das mais vastas massas das nossas populações dos sertões e das cidades”.
Continuava o texto: “Lutemos pela completa libertação de todos os trabalhadores agrícolas de todas as formas de exploração feudais e coloniais: pela confiscação e divisão das terras; pela entrega da terra gratuitamente ao que nela trabalham; pela libertação do Brasil do julgo imperialista; pela confiscação e nacionalização das empresas estrangeiras, dos latifúndios, vias de comunicação, serviços públicos, minas, bandos; anulação das dívidas externas. Pela instituição de um governo realmente surgido dos trabalhadores da cidade e das fazendas, em entendimento com os movimentos revolucionários antiimperialistas dos países latino-americanos e capaz de esmagar os privilégios dos atuais dominadores e sustentar as reivindicações revolucionárias”.
Propunha concentrar o golpe principal da revolução na “grande propriedade territorial e no imperialismo anglo-americano”. E concluía que “só um governo de todos os trabalhadores, baseado nos conselhos de trabalhadores da cidade e do campo, soldados e marinheiros, poderá cumprir esse programa”. Chama a atenção a semelhança existente entre esse programa e o apresentado por Fernando de Lacerda alguns meses antes.
Para os setores conservadores e liberais oposicionistas – no qual se incluíam vários tenentes e ex-integrantes da Coluna Prestes –, o manifesto representava claramente a adesão de Luiz Carlos Prestes ao comunismo. Por isso, ao conhecer o teor radical do documento, vários comitês do PCB, como os de São Paulo e Pernambuco, passaram a reproduzi-lo espontaneamente. Pensavam que ele representava uma aproximação do “Cavaleiro da Esperança” das teses partidárias.
Contudo, a direção nacional viu o manifesto com olhos muito críticos. Para ela, o texto tinha um defeito extremamente grave, pois não falava da necessidade da hegemonia prévia do proletariado na revolução agrária e antiimperialista e nem afirmava o papel de vanguarda a ser desempenhado pelo partido comunista. Numa entrevista, o intendente e dirigente comunista Octávio Brandão afirmou: “aceitar algumas de nossas palavras de ordem apenas no papel não significa nada. As promessas nada valem. Promessas – dizia Lênin – são os únicos gêneros baratos em tempo de vida cara”.
Numa nota, datada em junho de 1930, o Presidium do PCB declarou: “apesar de sua nova posição, esses elementos revolucionários da Coluna Prestes não perderam a sua natureza de pequeno- burgueses. E é como pequeno-burgueses que eles querem dirigir a revolução, porque não salientam no manifesto que a direção da revolução agrária e antiimperialista tem que ser do proletariado (...). As forças pequeno-burguesas, mesmo revolucionárias, não podem levar as massas à vitória, nem realizar as próprias palavras de ordem que lançam (...). Na direção da luta revolucionária, a pequena burguesia, inconscientemente ou não, acabará por trair a revolução. (...). Nós temos o direito de pensar que Luiz Carlos Prestes seja de novo arrastado para o jogo da Aliança Liberal e do imperialismo; sua categoria social, a pequena burguesia, suas ligações passadas com elementos reacionários da Coluna Prestes e com a Aliança Liberal, suas vacilações anteriores, justificam essa nossa opinião, que temos o dever de apontar às massas” (A Classe Operária, 03-07-1930).
No artigo “O Partido Comunista e o Manifesto de Luiz Carlos Prestes”, publicado em A Classe Operária no mesmo mês de julho, os comunistas afirmavam: “cada ação revolucionária de Luiz Carlos Prestes pela realização do seu programa será ativamente sustentada pelo Partido Comunista, porém o Partido Comunista não cessará um só momento sua luta pela conquista da hegemonia do proletariado (...) e pela hegemonia do seu partido, vanguarda do proletariado”. Não cessará “suas críticas às vacilações dos generais revolucionários, e indicará às massas operárias e camponesas que Prestes representa os elementos vacilantes que não romperam ainda com o aventureirismo do Golpe de Estado e dos pronunciamentos” (A Classe Operária, 19-07-1930).
Em outro manifesto do PCB, dirigido aos trabalhadores da cidade e do campo, podia-se ler: “as massas devem encarar com a maior desconfiança as novas declarações do general Luiz Carlos Prestes. Impelido pela pressão das massas ele começa a falar na revolução agrária e anti-imperialista; mas como todos os chefes pequeno-burgueses, que oscilam sempre entre a revolução e a reação, ele demonstrou que não pode conduzir as massas à vitória. Todos os revolucionários pequeno-burgueses estão mais ou menos ligados aos exploradores e daí suas vacilações. O próprio general L. C. Prestes viu-se obrigado a reconhecer que já apoiou a Aliança Liberal fascista e imperialista. Não serão os heróis e os cavaleiros da esperança pequeno-burgueses que salvarão as massas, porém a luta direta das próprias massas, das amplas massas operárias e camponesas”(CO,19-07-1930).
Prestes vai mais para esquerda e o PCB desconfia
Sob ataque de liberais e comunistas, as posições de Prestes tendiam a se radicalizar ainda mais. Em julho lançou um novo manifesto no qual procurava corrigir os “erros” apontados pelo PCB. Nele, afirmava: “ao proletariado é que terá que caber a hegemonia do movimento (...). O proletariado terá de ganhar a hegemonia, guiado pelo seu partido político de classe: o Partido Comunista”. O manifesto deu um passo à frente (ou atrás) e acabou lançando uma nova organização: a Liga de Ação Revolucionária (LAR). Esta, segundo o texto, “não constituirá, pelo seu próprio caráter de organização intermediária, um partido político (...). Será um órgão técnico de preparação do levante das massas, pela propaganda, pela agitação, pela criação de núcleos irradiadores do pensamento revolucionário e preparadores materialmente das massas, que deverão no momento oportuno estar prontas para tomar o poder”. A Liga “deveria contar com o estímulo do Partido Comunista, embora este não perca a sua autonomia”.
Ao contrário do que pensava Prestes (e muitos comunistas), o novo manifesto irritou profundamente a direção do PCB. Num artigo da revista Comunista, publicada em Buenos Aires no mês de setembro, podia-se ler: “Politicamente, as simpatias da pequena burguesia têm sido para a Coluna Prestes. A Coluna, que tivera tradições revolucionárias, não tem há muito tempo qualquer sentido revolucionário (...). Na realidade, a Coluna Prestes é o inimigo pronunciado do movimento revolucionário, defende os interesses dos capitalistas estrangeiros, sustenta os feudais e está pronta a lutar contra todo verdadeiro movimento revolucionário de massas”. E chegou a afirmar que “a segunda Coluna Prestes é sem dúvida mais perigosa que a primeira experiência de Prestes”.
“Para superar a desconfiança das massas (o manifesto) diz que a liga não será um partido político (...) é evidente que nada depende de um nome, mas do conteúdo. A Liga Revolucionária luta pelo poder no país, quer dizer, a Liga é um partido político”. Assim, a LAR passou a ser encarada como uma organização concorrente e em luta contra a influência do Partido Comunista do Brasil. Era uma tentativa de “conservar a pequena burguesia na direção da revolução agrária”, criando “obstáculo sério no caminho do desenvolvimento da revolução operária e camponesa”.
Continuava o documento: “Deve ser condenada com toda energia a passividade do partido no movimento operário e camponês. Graças a essa passividade, Prestes ganha influência sobre certos elementos pequeno-burgueses dentro do Partido. O fato de que algumas organizações (Pernambuco) tenham distribuído o manifesto de Prestes (...) demonstra como a situação pode ser perigosa.” E concluía: “Todos os que vacilam, que substituem o Partido do proletariado pelos agrupamentos da pequena burguesia ou pelos golpes de Estado de caudilhos que se dizem revolucionários, estão inevitavelmente do outro lado da barricada”.
Constatava-se que o prestismo começava a encontrar defensores no interior do próprio partido. Por isso, deveria ser duramente combatido. Josias Leão e Aristides Lobo, entre outros, que haviam apoiado os dois manifestos e aderido à LAR, foram sumariamente expulsos do partido. Uma curiosidade: nessa época Prestes foi procurado por Antonio Maciel Bonfim, que se mostrou de pleno acordo com as ideias expostas por Prestes e se prontificou a ajudar a construir a LAR no Brasil. Quatro anos depois, em 1934, já com o nome de guerra Miranda, seria alçado à condição de secretário-geral do PCB. Na época ele ainda não era comunista.
Estranhamente, num primeiro momento, o secretariado sul-americano da IC teve uma visão mais generosa em relação às posições do Cavaleiro da Esperança do que o PCB. A revista El Trabajador Latinoamericano, ligada à Internacional Vermelha dos Sindicatos, por exemplo, publicou o manifesto na íntegra, sem comentários críticos. E o próprio secretariado afirmou: “Com a declaração formulada agora, (Prestes) rompe toda ligação com os partidos e agrupamentos da pequena burguesia, inclusive o prestismo, para se aliar às fileiras do movimento proletário revolucionário. Prestes manifesta sua vontade de se incorporar à frente de luta dos operários e camponeses e aparece como o liquidador do prestismo”.
“Temos que aproveitar o reconhecimento dos erros e vacilações do passado por Prestes, a ruptura de suas ligações anteriores para superar todas as influências pequeno-burguesas no Partido e para seu fortalecimento ideológico. Isso é particularmente importante, como é necessária a liquidação das vacilações das organizações de São Paulo e do norte para fortificar o partido contra as influências pequeno-burguesas de qualquer índole.”
E segue o texto: “devemos chamar os partidários proletários de Prestes a entrar para o Partido. Frente aos partidários pequeno-burgueses e intelectuais de Prestes, o Partido deve seguir mantendo a maior prudência (...). Cada um deles deverá passar por um período sério de prova (...). A adesão de tais intelectuais ao Partido pode proceder-se unicamente quando eles demonstrarem serem úteis e merecedores de confiança”. Propõe continuar e reforçar “a luta contra todas as ideologias e os agrupamentos pequeno-burgueses (prestismo, trotskismo etc.), destacando a luta contra o prestismo que o mesmo Prestes intervém a favor da liquidação (...)”.
As novas posições de Prestes poderiam agora ser utilizadas contra aqueles que advogavam a aliança com os tenentes e o apoio à ala esquerda da Aliança Liberal. O Secretariado Sul-Americano começava a distinguir a figura de Prestes do chamado prestismo – que seria uma espécie de ideologia pequeno-burguesa tupiniquim.
Prestes afirmou numa entrevista que antes de publicar seu manifesto de julho teria consultado o PC da Argentina, “porque eu não tinha interesse nenhum em criar problemas para os camaradas argentinos. E Codovilla achou que era uma boa solução”. Teria, inclusive, sido convidado para uma reunião com Augusto Guralski, dirigente do secretariado latino-americano da IC, que o felicitou pelo manifesto. Um mês depois houve um segundo encontro. Dessa vez ele fez críticas duras às suas posições, que antes elogiara, dizendo que haviam representado um retrocesso. Algo acontecera nesse meio tempo.
A chave, talvez, esteja no esclarecimento da relação existente entre Prestes e militantes próximos ao trotskismo durante o seu período de exílio. Numa entrevista, ele mesmo afirmou: “O manifesto foi considerado como uma declaração de adesão ao movimento comunista, mas nessa época, eu não era ainda um comunista. Eu acreditava ainda na possibilidade de criar uma organização política que, com uma plataforma radical, pudesse aliar-se, como força independente, ao PC. Alguns brasileiros de ideias trotskistas pensaram em aproveitar essa circunstância: entraram em contato comigo em Buenos Aires e, por algum tempo, influenciaram minha busca de um caminho revolucionário; daí também a ideia de criar a LAR, bem como a publicação, em julho de 1930, de um novo manifesto ao povo brasileiro”. Nele “algumas expressões refletiam posições esquerdizantes, sectárias e até tipicamente trotskistas” (TAVARES, 1985:112).
Quem esteve na Argentina e reuniu-se com Prestes foi Mário Pedrosa – dirigente do “Grupo Comunista Lênin” e fundador do trotskismo no Brasil. Um dos organizadores da Liga de Ação Revolucionária – e que influenciou na elaboração do manifesto de julho – foi Aristides Lobo. Ele já estava ligado ao trotskismo, mas ainda mantinha sua filiação ao PCB do qual seria expulso logo a seguir. Esses fatos podem ter colocado Guralski na defensiva. Afinal, o antitrotskismo começava a atingir o seu auge no interior da Internacional Comunista.
Num artigo publicado em janeiro de 1931 na revista Comunista, o PCB mantém Prestes e não apenas o prestismo no alvo. Após atacar os renegados Josias Leão e Plínio Melo, que mantinham relações com o interventor paulista João Alberto, afirmava: “mais complicada e muito mais perigosa é a posição do grupo político encabeçado por Luiz Carlos Prestes (...). Prestes, no transcurso de um ano, mudou três vezes de posição; primeiro foi chefe da atual Coluna Távora, que constitui a força decisiva no último movimento dos latifundiários e capitalistas brasileiros ligados ao imperialismo ianque; utilizando seu passado revolucionário, sustentou a Aliança Liberal durante as eleições de março do ano passado”.
“Não demora, separando-se da Coluna (...) funda um partido denominado ‘Liga de Ação Revolucionária’ (...). No final, a Liga de Ação Revolucionária se transformou no partido policial de Josias e Plínio (em São Paulo) (...). Então Prestes se separou também da Liga e formou uma nova agremiação cujo objetivo principal é combater o partido comunista, tratando de desagregá-lo por intermédio de seus agentes, ao mesmo tempo que ele próprio se declara comunista para poder, com mais argumento, lutar contra o partido do proletariado”. Essas afirmações eram bastante exageradas e não condiziam com a realidade. Nem a LAR se transformou num partido policial nem Prestes estava formando outra agremiação de caráter pequeno-burguês para combater e desagregar o PCB.
Prestes adere ao comunismo e ao antiprestismo
Criticada pelos comunistas, a Liga da Ação Revolucionária foi fechada em março de 1931 – menos de um ano após a sua fundação. Prestes, então, mantinha laços estreitos com o Partido Comunista da Argentina e o Bureau sul-americano da Internacional Comunista. Ele passava a se submeter às exigências dessa organização, mesmo à custa de uma excessiva autocrítica e do afastamento daqueles militantes que se opunham às posições sectárias da direção partidária e ainda defendiam as alianças com os tenentes revolucionários.
Numa carta escrita em 2 de março daquele ano – e dirigida a um camarada de Pernambuco –, Prestes afirmava: “como revolucionário e marxista, reconheço perfeitamente ser justa e necessária, no atual momento histórico brasileiro, a atividade do Partido Comunista de combate franco e aberto contra mim, como chefe pequeno-burguês, tanto mais perigoso quanto mais revolucionária é a fraseologia que emprego e maior o prestígio do meu nome no país (...). O que nossa história tem demonstrado com uma constância notável é que todos os chefes pequeno-burgueses mesmo os revolucionários mais vermelhos, quando tem conseguido tomar ou alcançar os postos de comando, transformam-se nos piores reacionários (...). Queira ou não, não posso deixar de reconhecer que sou um chefe pequeno-burguês”.
“Mesmo sem pertencer ao Partido Comunista, é grande em seu seio a corrente que não compreende isto (composta em sua quase totalidade de intelectuais pequeno-burgueses) que lutam por uma política de frente única comigo. Tal política seria fatal ao proletariado. Este necessita organizar-se em um partido genuinamente de classe, completamente livre de qualquer interferência pequeno-burguesa (...). No presente, a luta dentro do Partido pela sua pureza classista é uma necessidade. Todo elemento prestista que, todavia, persista dentro do partido deve ser eliminado, portanto, a campanha atual é indispensável e perfeitamente justa”.
“O partido indiscutivelmente do proletariado, aquele que já dirige uma grande fração do proletariado e constrói o socialismo com êxito que é construído na URSS, é a Internacional Comunista cuja seção no Brasil é o Partido Comunista do Brasil (...). Fora do partido, toda crítica a sua direção é uma crítica ao partido, e hoje, combater ao Partido Comunista é aliar-se à burguesia e aos imperialistas e, portanto, trair a causa do proletariado”. A carta pessoal mostra claramente a sua subordinação à Internacional Comunista naquele momento.
Alguns dias depois – em 24 de março –, essas opiniões seriam expressas numa carta aberta. Ela, entre outras coisas, afirmava: “sem uma precisa compreensão marxista da luta de classes e sem ligação com as massas trabalhadoras, procurei reunir na Liga de Ação Revolucionária (...) os elementos da pequena burguesia que se declaravam (...) elementos revolucionários. Apesar dos meus esforços para que tal organização não se transformasse em partido político da pequena burguesia, não me foi possível evitar que isso acontecesse e nem que grande número de elementos, que a ela aderiram, traíssem o proletariado e seu partido”.
“Nestas condições (...) nós, revolucionários da pequena burguesia (...) precisamos compreender a justeza e a razão com que o Partido Comunista do Brasil combate os elementos que, dentro dele, ainda pensam na direção de chefes pequeno-burgueses e que ainda não compreenderam que somente com um partido exclusivo de classe (...), livre de toda e qualquer influência pequeno-burguesa (tenentista, aliancista ou trotskista), será possível realmente, livre de traições, levar o proletariado às suas reivindicações”. E concluía: “só posso indicar um caminho: a revolução agrária e antiimperialista, sob a hegemonia incontrastável do partido do proletariado: o Partido Comunista do Brasil, Seção Brasileira da Internacional Comunista”.
Nestas duas cartas, Prestes, praticamente, justifica a exclusão daqueles militantes que teimavam em defender a aliança com os tenentes. Como escreveu Abguar Bastos: “Os membros vigilantes do Partido impõem a Prestes pesada tarefa antes de o incluírem no número de seus gloriosos soldados: a de se libertar de todos os compromissos pequeno-burgueses, a de acatar pura e simplesmente as deliberações da maioria partidária e marchar então, não ao lado, mas no próprio seio do proletariado”.
E em outubro de 1931, Prestes embarcou para a União Soviética, onde trabalharia como engenheiro. Antes de viajar, em março, lançou novo manifesto dizendo aceitar a direção do proletariado através do seu partido de vanguarda: o Partido Comunista. Isso, contudo, não eliminou as desconfianças existentes na direção do PCB, que não aceitou seus sucessivos pedidos de filiação. Ainda em janeiro de 1934 teve o seu último pedido negado – alegava-se fundamentalmente o seu passado tenentista e a origem pequeno-burguesa.
O seu ingresso nas fileiras do PCB ocorreu no início do segundo semestre de 1934 por imposição da Internacional Comunista. Prestes é que conta como isso se deu: “O desfecho da negociação foi muito simples: Manuilsky (dirigente da IC) deu um soco na mesa e disse que eu entraria no partido de qualquer jeito. Miranda não teve como fugir à determinação do Cominter”. Na verdade, Antonio Maciel Bonfim (o Miranda) – recém-eleito secretário-geral do PCB – não deve ter resistido muito à tal decisão, pois tinha sido um fervoroso prestista e secretário da Liga de Ação Revolucionária na Bahia poucos anos antes.
Ainda em 1934, foi publicado o livro A Luta contra o prestismo e a revolução agrária e antiimperialista. Era uma coletânea com artigos assinados por Fernando Lacerda, Sinani (na verdade, G. B. Skanov, chefe do secretariado para América Latina da IC), e Luiz Carlos Prestes.
Pelo título da obra é possível ver que a guerra contra o prestismo continuava firme – embora já estivéssemos às vésperas de sua reabilitação. No seu texto, Fernando de Lacerda afirmava: “entre essas concepções não-proletárias o prestismo é sem dúvida nenhuma a mais forte, tenaz e expandida (...). O prestismo não é a simples admiração ou confiança cega na pessoa de Luiz Carlos Prestes. É toda uma ideologia que tem suas origens na mentalidade pouco segura e firme da pequeno-burguesa (...). As duas características principais do prestismo são a falta de confiança nas massas proletárias e camponesas (...) e a falta de fé na capacidade do proletariado para dirigir essa revolução (...) para entregar essa direção às ‘elites’ ou ‘cavaleiros da esperança’”. Afirmava que Prestes e alguns de seus companheiros haviam avançado ao “compreender e assimilar a ideologia marxista-leninista, combatendo o prestismo, pondo-se a serviço do proletariado e do seu partido”. O ex-cavaleiro da esperança, agora um simples soldado da revolução proletária mundial, no seu artigo também defendia o firme desmascaramento “dos trotskistas, miguel-costistas e prestistas”.
Uma curiosidade: A Classe Operária publicaria em 12 de setembro de 1934 (nº169) uma pequena nota, quase despercebida, na última página, intitulada “A filiação de Luiz Carlos Prestes ao PCB”, na qual dizia: “Por absoluta falta de espaço, deixamos de publicar nesse número o manifesto do CC do PCB sobre a filiação de Luiz Carlos Prestes ao Partido Comunista do Brasil”. No número seguinte o manifesto também não seria publicado. Sinal de que a direção do partido ainda não havia digerido muito bem o ingresso do novo militante. Em breve, o antiprestismo seria substituído por um novo culto ao “Cavaleiro da Esperança”. Estava, assim, encerrada mais uma página da história do comunismo brasileiro.
* Augusto C. Buonicore é historiador, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e a revolução brasileira: encontros e desencontros e Meu Verbo é Lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas, ambos publicados pela Editora Anita Garibaldi.
Jornais consultados
Movimento Comunista– 1922
A Nação– 1927
A Classe Operária – 1928-1931
La Correspondencia Sudamericana – 1927-1930
Bibliografia
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