Os comunistas, Prestes e o tenentismo (1ª parte)
Por Augusto Buonicore
Na década de
1920 o relacionamento dos comunistas com o tenentismo, especialmente com
Luiz Carlos Prestes, foram marcadas pela instabilidade. Reflexo das
alterações ocorridas no seio da 3ª Internacional. A relação que começou
fria e desconfiada, logo se transformou em franca simpatia às ações
armadas da jovem oficialidade. Ocorreram contatos e tentativas de
acordos entre os comunistas e Prestes, que não vingaram. Com a guinada
esquerdista, passou-se à desconfiança e à ruptura. As vésperas da
revolução de 1930 o PC do Brasil chegou a considerar o “prestismo” como
um inimigo a ser derrotado. Este artigo em duas partes procurará dar
conta dessa evolução e suas conseqüências.
Os comunistas, Prestes e o tenentismo (2ª parte)
“Devemos combater energicamente o messianismo que faz de Prestes o
salvador, o ‘cavaleiro da esperança’ e outras besteiras desse gênero.
Isto está bem para os histéricos do jornalismo pequeno-burguês, almas de
lacaios, que necessitam de um amo forte. E isso é simplesmente preparar
o caminho para o fascismo (...). Devemos acabar com elogios pessoais a
Prestes. Dessa forma, estaremos contribuindo para aumentar a sua
popularidade; isso é: os perigos do caudilhismo e do fascismo”, Carta de
Américo Ledo (Astrojildo Pereira) de Moscou ao CC do PCB em 15 de
outubro de 1929.
“O Cavaleiro da Esperança assume a tribuna, vai ao microfone, fala,
ensina e indica o caminho seguro que há de nos levar à libertação e à
verdadeira democracia. Por isso é que ele é querido e amado pelo povo.
Prestes é a grande Esperança. Marxista-leninista-stalinista é ele o guia
e mestre que nos conduz à conquista de dias melhores”, Voz Operária, 25 de fevereiro de 1950.
Tenentes e comunistas: dois mundos separadosEm 25 de março de 1922 era fundado o Partido Comunista do Brasil (PCB) e poucos meses depois – no dia 5 de julho– eclodia o levante dos tenentes no Forte de Copacabana. Aparentemente não havia vínculo direto entre esses dois importantes eventos, pois eram dois mundos muito diferentes. Um representava o amadurecimento da consciência política da vanguarda do proletariado brasileiro e o outro refletia o descontentamento de amplos setores da pequena e média burguesia urbana. Contudo, de alguma forma, eles estavam interligados. O elo era, justamente, a crise vivida pela República Oligárquica (1889-1930). Ela fazia aumentar o descontentamento popular e abria um período de revoltas por todo o país. Não trataremos aqui das origens do tenentismo, mas apenas das relações estabelecidas entre ele e os comunistas brasileiros.
Num primeiro momento, a rebelião de julho de 1922 foi encarada pelos comunistas como uma mera continuidade da crise sucessória; ou seja, uma consequência do choque entre as candidaturas situacionista de Arthur Bernardes e oposicionista de Nilo Peçanha, apoiada por setores da jovem oficialidade. Um conflito político interoligárquico que não dizia respeito aos verdadeiros interesses do proletariado brasileiro.
Em agosto daquele mesmo ano a revista Movimento Comunista, órgão do PC do Brasil dirigido por Astrojildo Pereira, publicou o artigo “Comentários sobre o motim de 5 de julho”. O texto assinado por Virgínio Paoliello tinha um tom bastante crítico a respeito do levante armado que acabara de ocorrer. Ele não era chamado de revolução e sim de “motim” ou “pronunciamento” (forma de se referir às quarteladas latino-americanas). Os “dezoito do Forte” foram considerados “um punhado de moços temerários e ingênuos”. A escolha dos termos não era algo neutro, refletia uma determinada visão de mundo.
Existia entre os comunistas certa desconfiança quanto aos militares, mesmo os mais rebeldes deles. Por isso, a vitória de “intentonas” como aquela não poderia trazer benefícios aos trabalhadores, pelo contrário. Afirmava o autor: “Suponhamos agora, por hipótese, que o motim triunfasse. Quais seriam as suas consequências do ponto de vista dos interesses do proletariado? No caso de um triunfo rápido e a implantação de uma ditadura militar, tudo faz crer que a situação, pelo menos temporariamente, mas por quanto tempo? – se tornaria cem vezes pior que a atual”.
O único resultado daquela sublevação tinha sido o aumento desmedido da repressão contra os operários e suas lideranças. Continua o artigo: “Aí temos a consequência imediata da fracassada aventura: um sítio de cinco meses no Distrito Federal e no Estado do Rio. O que quer dizer: suspensão total, naquelas circunscrições do país, das garantias constitucionais, dos direitos e liberdade de reuniões, de palavra e de ação (...). E já sabemos que o estado de sítio sobre quem mais pesa, de fato, é sobre o proletariado e seus militantes revolucionários”. De fato, a repressão que se seguiu colocou um fim ao brevíssimo período em que os comunistas desfrutaram de vida legal – entre março e julho de 1922.
O Partido Comunista do Brasil era ainda muito pequeno e estava dando os primeiros passos. Seus dirigentes e militantes, praticamente, desconheciam a produção teórica de Marx e Lênin. Em grande parte tinham vindo do anarquismo e ainda não possuíam uma correta compreensão da tática e da estratégia revolucionária leninista. Os contatos com a Internacional Comunista eram frágeis e esta, por sua vez, tinha os seus olhos mais voltados para o cenário europeu, asiático e norte-americano. Nessas condições difíceis, os erros políticos cometidos em 1922eram compreensíveis.
Comunistas e tenentistas se aproximam
Astrojildo Pereira em foto de 1926.
No que diz respeito às relações entre tenentes e comunistas, as coisas começariam a mudar no ano seguinte. Entre fevereiro e março de 1923 um representante de Maurício Lacerda – uma espécie de líder civil do tenentismo – procurou o comunista Everardo Dias em São Paulo e pediu-lhe que o ajudasse a imprimir clandestinamente um panfleto do movimento. Em seguida, revelou um novo plano insurrecional e solicitou apoio para a realização de uma greve geral, especialmente no setor de transporte. Dias – sem poder decidir pelo partido – colocou-o em contato com a direção nacional. A articulação não avançou, pois esta achou a proposta temerária.
Numa entrevista dada a John Foster Dulles, Octávio Brandão afirmou que o coronel Isidoro Dias Lopes havia viajado de São Paulo ao Rio de Janeiro para convencer a direção do PCB a apoiar a revolta iminente. Ele teria se reunido com o próprio Astrojildo Pereira, secretário-geral do partido, que teria respondido: “somos numericamente um pequeno partido (...). Não podemos iniciar a luta armada, mas, depois de começada tomaremos uma tipografia, lançaremos um jornal próprio e poderemos armar milhares de trabalhadores que decidirão da luta e da vitória (...). Reivindicamos que as forças armadas do PCB tenham direção própria, independente, e não de chefes militares; que o PCB tenha liberdade de propaganda e agitação; que sejam tomadas em consideração as reivindicações específicas dos operários das cidades e dos trabalhadores rurais”.
Continuou Brandão: “O general Isidoro não confiou nas promessas reais do PCB. Confiou nas promessas fantásticas de indivíduos que garantiriam uma greve geral na Estrada de Ferro Central do Brasil. Além disso, as forças dos revoltosos eram débeis no Rio de Janeiro. Estavam derrotadas de antemão”. E concluiu: “De qualquer forma, o PCB em 1923-1924, deixou a porta aberta para as negociações”. Contudo, a conspiração foi logo descoberta. Vários militares e civis foram presos, entre eles se encontravam os comunistas Everardo Dias, Octávio Brandão e Luiz Peres.
A repressão promovida pelo presidente Bernardes agravou o descontentamento no interior das forças armadas e a conspiração progrediu célere. Em 5 de julho de 1924 eclodiu o levante na cidade de São Paulo, comandado por Isidoro Dias Lopes e Miguel Costa. Os revolucionários paulistas mantiveram a capital do estado em suas mãos por quase três semanas e, então, tiveram que se retirar para o interior e seguir em direção ao Paraná.
Quando as tropas rebeldes ainda ocupavam São Paulo, houve reiteradas tentativas das lideranças anarquistas e comunistas de conseguirem armas com o comando dos sublevados, mas este não concordou em armar os operários. Havia uma preocupação dos líderes militares – especialmente de Isidoro – de que o movimento pudesse escapar-lhes das suas mãos e tornar-se uma revolução de caráter operário e popular. Isso, contudo, não impediu que muitos trabalhadores se alistassem como soldados e que várias categorias profissionais – especialmente os ferroviários – lhes dessem apoio logístico. Formaram-se batalhões de trabalhadores imigrantes. Ao contrário do que ocorrera dois anos antes, desta vez existiu uma forte simpatia da parte dos comunistas em relação aos militares revoltosos.
Fora do teatro de operações, a repressão se abateu sobre o conjunto das forças oposicionistas. Foi decretado o Estado de Sítio por 60 dias na antiga capital federal. Sedes de sindicatos e da imprensa operária foram fechadas. Como ocorrerá em 1922, vários líderes operários acabaram presos ou tiveram que se esconder.
O PCB e a Coluna Prestes
No dia 28 de outubro de 1924, em solidariedade aos revoltosos da Coluna Paulista, insurgem-se vários quartéis no Rio Grande do Sul. Entre eles o Batalhão Ferroviário, cujos revolucionários eram comandados pelo jovem capitão Luiz Carlos Prestes. A maioria dos levantes do Sul fracassou e os tenentes gaúchos ficaram isolados e cercados por forças legalistas. Até que, numa ação ousada, os sobreviventes conseguiram romper o cerco e se dirigir ao Paraná. Em abril do ano seguinte, a Coluna do Sul se encontrou com as tropas de Isidoro Dias Lopes e Miguel Costa, que atravessava momentos difíceis. Nascia, assim, a legendária Coluna Miguel Costa-Prestes. Ela se manteria ativa por mais de 2 anos, percorrendo treze estados brasileiros e uma distância de 25 mil quilômetros.
Os comunistas acompanhavam com muito interesse aquela movimentação militar pelo interior do país. Começaram a compreendê-la como expressão política da revolta da pequena burguesia urbana contra as oligarquias rurais e semifeudais. Portanto, era vista como potencial aliada do proletariado e dos camponeses na primeira etapa da revolução, “democrático-burguesa” ou “agrária e antiimperialista”. Nessa época, o jornal A Nação, sob direção comunista, passou a defender a adoção da experiência do kuomintang chinês no Brasil. Isso se refletiu nos títulos de alguns artigos, como “Venha o Kuomintang: abaixo os que nos querem vender”. Prestes era visto como uma espécie de Chiang Kai-chek brasileiro.
As coisas começariam a mudar logo depois, quando tropas “nacionalistas”, lideradas por Chiang, massacraram operários comunistas na cidade de Cantão em abril de 1927. Em seguida, foi a vez de a ala esquerda (pequeno-burguesa) do Kuomintang – na qual os comunistas depositavam esperanças –se aliar contra o PC Chinês. O fracasso dessa experiência frentista teria reflexo negativo no Brasil.
A primeira obra teórica dos comunistas brasileiros – que procurava dar ao partido uma tática e uma estratégia revolucionárias adequadas – começou a ser escrita justamente quando os revolucionários abandonavam a capital paulista. Em sua biografia, Octávio Brandão descreveria aquele acontecimento: “A 28 de julho de 1924, os revoltosos evacuaram a cidade de São Paulo (...). No fundo da sala de jantar, sentado no primeiro degrau de uma escada de ferro, ouvi a narrativa da derrota e, serenamente comecei a escrever Agrarismo e Industrialismo. Terminei a parte fundamental menos de um mês depois (...)”. No entanto, a obra só seria completada e viria ao público em 1926, quando a Coluna Prestes percorria o interior e parecia invencível.
O livro Agrarismo e industrialismo começava assim: “Com a retirada de São Paulo, foi transposta a primeira etapa da segunda batalha que a pequena burguesia nacional travou contra os fazendeiros de café, senhores da nação (...). Mesmo vencida definitivamente a segunda revolta, a terceira há de vir como uma necessidade fatal, porque as causas que têm originado esses movimentos persistem e persistirão ainda por bastante tempo”.
Os comunistas constroem uma estratégia na qual se estabelecem claramente os inimigos principais – cuja derrota era necessária para que a revolução avançasse: os fazendeiros de café (agrários e semifeudais) e o imperialismo anglo-americano. E definia as forças sociais que poderiam ser agregadas no seu enfrentamento. Os “agrários”, segundo Brandão, só poderiam ser derrubados “pela frente única momentânea do proletariado com a pequena burguesia e a grande burguesia industrial”. Continuava o texto: “Apoiemos, como classe independente, a pequena burguesia na sua luta contra o fazendeiro de café, pois, segundo Marx, é preciso sustentar os partidos pequeno-burgueses quando estes resistem à reação. Empurremos a pequena burguesia à frente da batalha (...). Procuremos arrastar as grandes massas operárias e camponesas em torno de palavras de ordem simples, concretas, práticas e imediatas. Não esqueçamos que o Brasil, como a Rússia, é um país agrário (...). Empurremos a revolução da burguesia industrial (...) aos seus últimos limites, a fim de, transposta a etapa da revolução burguesa, abrir-se a porta da revolução proletária, comunista”.
Brandão tinha a convicção de que ocorreria uma terceira revolta tenentista, pois as contradições que a geravam continuavam de pé e se agravando dia a dia. A partir desta constatação, ele fez uma previsão sobre a crise revolucionária que se abriria alguns anos depois: “Temos, pois em perspectiva, sérias batalhas de classe, isto é uma situação revolucionária. Se os revoltosos pequeno-burgueses souberem explorar a rivalidade imperialista anglo-americana e a luta entre os agrários e os industriais, se procurarem uma base de classe para a sua ação, se o proletariado entrar na batalha e se essas contradições coincidirem com a luta presidencial e as complicações financeiras, será possível o esmagamento dos agrários (...). Dada esta situação objetiva, a vitória da pequena burguesia aliada à grande burguesia industrial e, posteriormente, a vitória do proletariado, serão meras questões subjetivas. Dependerão da capacidade dos revoltosos pequeno-burgueses e dos revolucionários proletários”.
As resoluções do segundo congresso do PCB, realizado em 1925, foram muito influenciadas por essas ideias de Brandão. Elas, segundo Astrojildo Pereira, “baseavam-se na concepção dualista ‘agrarismo e industrialismo’” e apontavam a "luta entre o capitalismo agrário semifeudal e o capitalismo industrial moderno como sendo a contradição fundamental da sociedade brasileira". Tendo em vista as particularidades da primeira etapa da revolução brasileira, os comunistas a definiram como “revolução democrático-pequeno-burguesa”. Baseavam tal formulação na destacada participação das camadas médias urbanas, através do movimento tenentista, nos levantes armados que vinham ocorrendo no país desde 1922.
Era nítida a confusão entre o conteúdo social das tarefas a serem realizadas pela revolução – burguesa ou proletária – e a composição das forças sociais que estavam tendo um papel mais destacado no processo revolucionário em curso naquele momento: a pequena burguesia urbana. Em sua defesa devemos destacar que o próprio termo utilizado para definir a revolução brasileira (democrático-pequeno-burguesa), visava a distingui-la da revolução ocorrida na Rússia em 1917 e da revolução chinesa ainda em desenvolvimento; ou seja, procurava captar as suas especificidades e originalidade. Afinal, no Brasil, as classes médias urbanas estavam tendo uma importância política e social bem maior que a dos camponeses pobres.
Até então, não havia grandes contradições com a linha da IC. Inclusive, em 1926, a revista L’Internacionale Communiste publicava o artigo "La situación politique e social du Brésil", escrito por P. Lavinas (não sabemos se é um pseudônimo), no qual se afirmava: "É contra o regime feudal que se revoltou a camada pequeno-burguesa do Exército brasileiro, cujas simpatias pelo industrialismo e o espírito democrático-liberal não podiam tolerar o sistema econômico e político da idade média dos agrários". Esta era exatamente a formulação de Brandão em Agrarismo e Industrialismo, que será tão duramente criticada a partir de 1929.
No caso dos levantes em São Paulo e no Rio Grande do Sul a participação do movimento operário organizado e dos comunistas se reduziu à solidariedade e ao apoio político, sem envolvimento direto na luta armada. Isso continuou ocorrendo durante todo o período em que a Coluna Prestes percorreu o interior do país entre 1925 e 1927. A única exceção ocorreu em Pernambuco.
No início de 1926, quando a Coluna se aproximava daquele estado, o tenente Cleto Campelo reuniu-se com outros revolucionários na casa do líder comunista Cristiano Cordeiro. O objetivo do encontro era preparar a tomada do poder local, dando uma base mais sólida para os revoltosos. Desta reunião também participou Josias Carneiro Leão, comunista e filho de tradicional família pernambucana. Ele e o ex-tenente Valdemar de Paula Lima, simpatizante comunista, já haviam entrado em contato com o comando da Coluna quando este estava no Piauí. Delatados, alguns foram presos e outros tiveram que se esconder. Mas os planos da insurreição continuaram.
Sobre esse episódio emblemático citemos o brasilianista Foster Dulles: “o resoluto Cleto Campelo, com a ajuda de Valdemar de Paula Lima, preparou novo levante com um grupo de operários, entre os quais três membros do PCB, os padeiros José Francisco de Barros e José Caetano Machado, e o operário da construção civil Sabino Cardoso da Silva.
Partindo da casa de José Francisco de Barros à meia noite de 17 de fevereiro, os insurgentes seguiram em direção a Jaboatão”. Tomaram um trem e partiram para o interior. Numa tentativa de assaltar o quartel de Gravatá, Cleto Campelo foi morto. O restante bateu-se em retirada. Nas refregas que se seguiram morreu José Francisco de Barros. O último comandante do agrupamento, Valdemar de Paula Lima, foi preso e assassinado na cadeia. Alguns anos mais tarde José Caetano Machado – um dos sobreviventes daquele trágico episódio – se tornaria secretário-geral do PCB.
Os comunistas procuram Prestes no Exílio
Em janeiro de 1927 ressurgiu o jornal A Nação, agora sob direção do Partido Comunista do Brasil. Desde o primeiro número já podemos observar a grande simpatia dedicada à Coluna Prestes. Na capa estava estampada a matéria “Luiz Carlos Prestes completa hoje 29 anos”, confeccionada com a ajuda de dona Leocádia, mãe do Cavaleiro da Esperança, que recebeu representantes do diário comunista e forneceu-lhes algumas informações biográficas sobre o filho e as fotos que ilustrariam o texto.
Apesar do tom elogioso à atuação do comandante, o jornal afirmava de maneira crítica: “Temos que nos bater pelo ‘povo’ e pela ‘verdade’, mas isso só não basta. Temos de ir além. Temos que nos bater, sobretudo, pela transformação da propriedade capitalista em propriedade comunista: pela ditadura do proletariado (...). Prestes ficou no meio do caminho: bateu-se pelo povo e pela liberdade, mas não foi além”. E concluiu: “temos que completar o movimento de Isidoro e Prestes”. Advogava a aliança revolucionária com a pequena burguesia – representada pelo tenentismo – sob a condição de que a hegemonia pertencesse ao proletariado, dirigido por sua organização de vanguarda: o Partido Comunista do Brasil.
Um dos textos mais interessantes publicados em A Nação intitula-se: “Da Coluna à Comuna é questão de um passo”. Ele, inclusive, faz um apelo para que os tenentes revolucionários ingressem no Partido Comunista: “nós os pequenos abrimos-lhes os braços. Chamamo-los para o nosso lado. Sentiríamos orgulhosos de sua presença entre os nossos, entre os melhores do nosso partido (...). As revoluções de 1922 e de 1924 foram movimentos da pequena burguesia (militar e civil) contra a grande burguesia. Agora o movimento será mais amplo: será logo do proletariado, com o apoio da pequena burguesia, contra aquela grande burguesia: será logo a ditadura do proletariado contra esta força que aí está de ‘governo democrático’; será do comunismo contra o capitalismo, dos pequenos contra os grandes. Prestes e seus bravos cavaleiros da coluna não podem ficar de braços cruzados ante o embate grandioso que se vai travar. Da Coluna à Comuna é questão de um passo, de uma letra” (A Nação, 18-01-1927).
O artigo revelava um excessivo otimismo em relação àquele movimento militar, mas não deixaria de se confirmar justo no caso de seu principal comandante, que em poucos anos abandonaria o tenentismo (e o prestismo) e aderiria ao comunismo.
Estávamos próximos das eleições e o Bloco Operário – coligação organizada pelo PCB – havia lançado dois candidatos a deputado federal: o operário comunista João da Costa Pimenta, pelo 1º distrito; e o médico Azevedo Lima, pelo 2º distrito. Este último não era militante do partido. Para complicar o quadro, o socialista Maurício de Lacerda apresentou o nome de Prestes para disputar uma vaga pelo 1º Distrito, concorrendo diretamente com o nome indicado pelos comunistas. Era quase uma declaração de guerra feita por alguém muito próximo aos tenentes.
A reação do PCB, através d’A Nação, foi imediata: “Maurício Lacerda serve-se do nome glorioso de Prestes para jogá-lo contra o Bloco Operário (...). Ontem foi anunciada a candidatura do operário João da Costa Pimenta pelo 1º Distrito, sustentado pelo Bloco Operário. Hoje vem Maurício e joga Prestes contra Pimenta, explorando a auréola de glória do grande chefe revolucionário. Maurício quer dividir. Nós queremos unir e reunir. Prestes contra Pimenta significa revolução contra o proletariado. Tentativa divisionista” (A Nação, 18-01-1927). Em outro artigo, como fórmula de unidade e fortalecimento da oposição, os comunistas propõem que Prestes concorra a uma vaga no Senado.
Ao saber que os revolucionários da Coluna Prestes haviam se refugiado na Bolívia, A Nação reforçou sua solidariedade ao movimento que refluía: “enviamos as nossas saudações a Isidoro, a Prestes, a Siqueira Campos e Miguel Costa, a todos os pequeno-burgueses que estão e estiveram em armas. Não somos os amigos das horas fáceis. Somos os amigos fiéis das horas trágicas e das horas amargas. Vitoriosos ou vencidos, os respeitamos e os defendemos. Tendes sempre para nós o mesmo valor. Vossos ideais são as preliminares dos nossos ideais. Vosso inimigo – o feudalismo – é o nosso inimigo (...). Se a burguesia cafeeira não está mentindo, se é verdade que o ciclo da segunda revolta está terminado, só temos uma resposta: – Viva a terceira revolta!”.
No final de 1927, a Comissão Central do PCB discutiu a necessidade de fortalecer os laços com os tenentes que se encontravam no exílio. “Quatro ou cinco sessões foram realizadas (...). A ideia de aliança, sob qualquer forma que fosse, foi combatida por um só membro do CC, o doutor Rodolfo Coutinho, em parte apoiado por Joaquim Barbosa. Este na votação absteve-se, votando todos os demais a favor, com exceção do doutor Coutinho, que votou contra”, afirmava um informe do PCB.
Em dezembro Astrojildo Pereira foi destacado para se encontrar com Prestes na Bolívia. Viajou na condição de repórter do jornal A Esquerda o jornalista Pedro Mota Lima. Na mala, afirmou ele, levou “tudo quanto pudemos conseguir na ocasião de literatura marxista existente no Rio – Marx, Engels, Lênin etc., uma boa dúzia de volumes, quase todos em francês das edições L’Humanité (...). Conversamos longamente. Eu lhe transmiti claramente o pensamento da direção do partido sobre as questões que nos levaram a procurá-lo e que tudo se resumia em coordenar as nossas forças tendo em vista os objetivos comuns. Era, em suma, o problema político da aliança entre os comunistas e os combatentes da Coluna Prestes”. O certo é que em nada de concreto se avançou naquele momento, mas a semente estava plantada. Prestes iniciou o seu estudo sobre o marxismo e o comunismo.
Entre maio e junho de 1929, Paulo de Lacerda, respondendo pela secretaria geral do PCB, e Leôncio Basbaum visitaram Prestes na Argentina. Na ocasião, eles o convidaram para ser candidato do Bloco Operário e Camponês (BOC) à presidência da República. Apesar do encontro cordial, não houve acordo nem quanto ao nome – pois Prestes não aceitava a candidatura – nem quanto ao programa. Segundo Basbaum, estavam na reunião Siqueira Campos e Juarez Távora e nela os comunistas teriam apresentado um programa do qual constava: “nacionalização da terra e repartição dos latifúndios; nacionalização das empresas industriais e bancárias imperialistas; abolição das dívidas externas; liberdade de organização e de imprensa, direito de greve, legalidade para o PCB, jornada de oito horas, lei de férias, aumento de salários e outras melhorias para os trabalhadores”. Os tenentes o consideraram como um programa muito radical e apresentaram outro mais genérico e anódino que pregava: “voto secreto, alfabetização, justiça, liberdade de imprensa e organização, melhoria para os operários”.
Prestes, numa entrevista, contestou a versão dada por Basbaum. Ele disse que nas reuniões não estavam presentes Siqueira Campos e Juarez Távora. Nelas,teria dito que estava de acordo com o programa apresentado por Paulo de Lacerda. Contudo, não poderia aceitá-lo naquele momento, pois devia fidelidade aos tenentes. “Só depois de conversar com eles é que poderia tomar uma posição”, concluiu Prestes. De fato, ao romper com os tenentes no início de 1930, seria um programa muito próximo ao apresentado pelo PCB que ele defenderia nos seus manifestos.
O encontro mostra que os comunistas, em meados de 1929, ainda não haviam desistido de manter uma aliança privilegiada com o tenentismo, especialmente com a sua ala esquerda. Logo as coisas iriam mudar. Já estava em curso uma guinada esquerdista na direção da III Internacional, quando passaria a predominara política “classe contra classe” e a tese do “social-fascismo”, que dizia não haver diferença significativa entre a socialdemocracia e o fascismo. Chegava-se mesmo a afirmar que a esquerda socialdemocrata era mais perigosa, pois tinha melhores condições de iludir os trabalhadores e os desviar da revolução.
Os 18 do forte de Copacabana, rebelião que deu origem ao Movimento Tenentista.
Obs. A bibliografia seguirá na segunda parte desse artigo.
* Augusto C. Buonicore é historiador, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e a revolução brasileira: encontros e desencontros e Meu Verbo é Lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas, ambos publicados pela Editora Anita Garibaldi.
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