O desafio Bolsonaro: entre a punição e o prêmio
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Há um grupo de oportunistas
que descobriu há algum tempo que a espetacularização costuma garantir
bons frutos políticos, mesmo quando ela se conecta com o que há de mais
bizarro e, inclusive, criminoso. Por muito tempo no Brasil isso foi
conhecido como o voto Cacareco. O coitado do Cacareco nem tem muita
coisa a ver com isso na verdade.
Aliás, vale a pena conhecer essa
história. Em 1959, um simpático rinoceronte foi “lançado” candidato a
vereador em São Paulo e teve quase 100 mil votos. Foi a forma que
eleitores encontraram para protestar contra o que consideravam o baixo
nível dos candidatos reais.
Mas há outros casos tão famosos quanto.
Por exemplo, o do Macaco Tião, que era famoso por atirar alimentos nos
visitantes do Zoológico do Rio, e que foi lançado candidato pela turma
do Casseta Popular, em 1988, pra prefeito do Rio de Janeiro e obteve 400
mil votos. Nem Cacareco e nem Tião assumiram seus mandatos. Era época
do voto em cédulas e essas opções não se consumavam.
Mas há casos em que pessoas fizeram o
discurso da antipolítica e de alguma forma se deram bem. Cicciolina, a
atriz pornográfica italiana que se elegeu mostrando os seios, é dessa
mesma safra. Tiririca também. Se elegeu como palhaço e agora se reelegeu
porque de alguma forma levou mais a sério o mandato de que muitos dos
seus pares.
Na votação em urna eletrônica, votar em
cacarecos ou macacos Tião não é possível. Ou você anula o voto ou busca
um candidato que tenha essas características para protestar. Ou ainda,
procura alguém que você acha que pareça a antítese do modelo vigente. E
ao que parece é neste espaço que um Bolsonaro deita e rola.
O deputado pepista que se elegeu como o
mais votado do Rio de Janeiro representa não só os saudosos dos tempos
obscuros da ditadura militar, como também uma parcela da população que
acha todos os políticos iguais. E aí, ele que ataca a todos e a própria
instituição que representa, passa ser opção.
É evidente que isso não explica o
fenômeno inteiro, porque Marco Feliciano se elegeu com imensa votação
fazendo um discurso contra a população LGBT e sem defender a ditadura
militar ou ameaçar um colega de estupro, como Bolsonaro. Mas se conectou
a partir desse discurso com os setores mais conservadores.
Sim, os conservadores e ultraconservadores existem e precisam ser representados no processo democrático.
A questão é que quando os grupos que lhe
combatem acabam dando muito destaque aos seus discursos, numa sociedade
de circulação de informação rápida e abundante, isso pode acabar se
tornando um prêmio muito mais do que uma punição. Mais gente que pensa
como Bolsonaro e Feliciano vai lhes premiar com votos na próxima
eleição. É isso o que tem acontecido nos últimos tempos com esse tipo de
personagem político.
Mas então devemos ficar todos quietos
com as estapafúrdias declarações desses meliantes políticos que chegam a
fazer apologia ao estupro, por exemplo. Evidente que não. Este é um
caso que deveria ser tratado como exemplar. Ao invés de fazer muito
barulho contra o deputado milico-bandido (sim, milico-bandido, porque o
sujeito é capitão e fez apologia ao estupro), as organizações feministas
deveriam fazer de tudo para puni-lo judicialmente e no Legislativo. A
cassação de Bolsonaro neste caso é algo absolutamente justificável.
Ao mesmo tempo, deveríamos pensar em
como denunciar ações que buscam promoção para setores específicos sem
tornar esses cafajestes em símbolos de bandeiras que condenamos. O
ultraconservadorismo tem seu espaço na sociedade e quanto mais se vier a
falar deles, mais referências públicas eles se tornarão para
representar esse campo político.
A luta sem fulanização é sempre melhor
por isso. Criar uma agenda positiva para as nossas bandeiras pode não
dar muita audiência, mas é muito menos arriscado do ponto de vista de
transformar bandidos em heróis. Os movimentos de Direitos Humanos, em
especial aqueles que lutam por direitos civis, deveriam pensar em como
lidar com essa questão.
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