Uma pesquisa oportunista
Escrito por: Luciano Martins Costa
Fonte: Observatório da Imprensa
Fonte: Observatório da Imprensa
Os pesquisadores do instituto Datafolha saíram às ruas precisamente nos dias 16 e 17, logo após as manifestações de protesto contra o governo ? estimuladas pela imprensa ?, o que, com certeza, condiciona um grande número de respostas.
Os principais diários de circulação nacional trazem na quarta-feira
(18/3) duas reportagens valiosas para a análise da crise política. Numa
delas, a Folha de S. Paulo apresenta um levantamento da popularidade da
presidente da República, onde ela, evidentemente, aparece com alta taxa
de reprovação. No outro assunto, tanto a Folha como o Estado de S. Paulo
e o Globo citam um documento supostamente reservado, com uma análise
extremamente negativa sobre a política de comunicação do governo
federal.
A pesquisa Datafolha não pode ser considerada apenas em seus aspectos
estatísticos. Aliás, embora o jornal dê toda ênfase aos números – que
apontam o mais baixo índice de aprovação de um governante desde o fim do
mandato de Fernando Collor de Mello –, o que importa aqui é a
circunstância em que foram colhidas as opiniões. Os pesquisadores do
instituto saíram às ruas precisamente nos dias 16 e 17, logo após as
manifestações de protesto contra o governo – estimuladas pela imprensa
–, o que, com certeza, condiciona um grande número de respostas.
Interessante observar também que o levantamento inclui perguntas sobre a
situação econômica, que revelam igualmente um aumento do pessimismo,
curiosamente numa circunstância em que o noticiário aponta perspectivas
mais otimistas sobre a economia (ver aqui, aqui e aqui).
Evidentemente, as respostas sobre a avaliação da presidente sofrem
forte influência das manifestações e da cobertura intensamente negativa
feita pela imprensa no período. Da mesma forma, é ocioso afirmar que, no
clima conflagrado, a perspectiva dos consultados sobre a situação
econômica tenderia a ser a pior possível.
Para os observadores da imprensa, a quarta-feira produz um exemplo de
como funciona o círculo de convencimento da mídia tradicional. Como se
sabe, a Folha de S. Paulo estimulou a participação dos leitores nas
manifestações do domingo, dia 15, oferecendo espaço em seu portal, o
UOL, para fotos e vídeos dos protestos. A iniciativa foi copiada por
outros jornais e portais da internet. Em seguida, o Datafolha sai a
campo para referendar, com uma pesquisa oportunista, o que seria o ânimo
da população com relação ao governo e à economia do país.
A comunicação errática
O outro assunto destacado pelos jornais – um estudo interno do Planalto
sobre a crise política – é o reverso do quadro. Esse quadro mostra, de
um lado, uma imprensa partidarizada agindo de maneira extremamente
eficiente no processo de demonizar o grupo político que ocupa o Planalto
e, do outro, um governo incapaz de produzir uma estratégia de
comunicação minimamente funcional.
O próprio vazamento do estudo, apontado como um “informe interno”,
revela a incapacidade do Executivo de sequer manter em território
restrito documentos de seu interesse. Trata-se de um relatório não
assinado (ver aqui), portanto anônimo e, por isso, possivelmente apócrifo.
O que fez com que os três principais diários de circulação nacional o
aceitassem como um documento oficial? Evidentemente, o que dá
credibilidade ao texto é sua fonte, ou seja, quem vazou o documento é
reconhecido como alguém ligado ao governo.
A situação lembra um episódio ocorrido durante o governo do
ex-presidente Lula da Silva, quando a Folha de S. Paulo publicou uma
nota dizendo que havia um “espião” no Planalto vazando informações para a
imprensa. Ora, conforme se revelou posteriormente, o “espião” era um
funcionário de confiança da Secretaria de Comunicação, que havia feito
carreira na própria Folha, e que se dedicava, em suas relações sociais, a
contar anedotas sobre reuniões ministeriais e sobre o próprio
presidente Lula.
Não é de hoje, portanto, que os governos do Partido dos Trabalhadores
se veem em situação desconfortável diante da chamada opinião pública,
por conta de uma comunicação amadorística, sem rumo e, quase sempre,
vulnerável às manipulações da mídia tradicional. Nos três mandatos
sucessivos da aliança que governa o país desde 2003, são raros os
momentos em que a Secom deu demonstrações de ter uma estratégia coerente
com o que se espera de um governo com o perfil petista.
O relatório que a imprensa reproduz diz que o Brasil vive “caos
político”, conforme destaca o Estado de S. Paulo em manchete, e afirma
que o governo produz uma comunicação “errática”.
Não se pode afirmar que se trata de um documento válido, ou se é parte
de conspirações internas entre assessores da presidente. Mas a surra que
o Planalto está sofrendo na disputa pelo apoio da população mostra que o
autor do texto sabe do que está falando.
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