A Petrobras e a guerra do pré-sal
Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Presidente da Petrobras por sete anos, quando participou da
transformação que fez da empresa uma das maiores petroleiras do planeta,
o economista Sérgio Gabrielli é uma referência obrigatória no atual
momento político. Quando o senado discute um projeto de José Serra
(PSDB-SP), que propõe mudanças no sistema de partilha, que hoje assegura
participação da Petrobras em pelo menos 30% da exploração do Pré-Sal,
Gabrielli é a voz mais autorizada pela manutenção do regime atual.
Nesta segunda-feira, ele manteve uma conversa de quatro horas com a
bancada de senadores do PT, em Brasília, onde explicou, em tom didático,
por quê o país e a empresa só terão a perder com a mudança. "Foi uma
aula," resumiu um dos presentes, apoiado no respeitável currículo
acadêmico de Gabrielli, PhD em economia pela Universidade de Boston, com
uma pesquisa sobre financiamentos de empresas estatais durante o
governo Geisel. Na manhã desta terça-feira, Gabrielli conversou com o
247 sobre o pré-sal e o futuro da empresa:
Você tem questionado a simples ideia de se discutir uma mudança no regime do pré-sal neste momento. Poderia explicar isso?
A realidade mostra que mesmo quem acredita na hipótese de que poderia
haver alguma vantagem em mudar o sistema de exploração do pré-sal
precisa admitir que não é conveniente fazer isso no momento atual.
Por que?
Como todo mundo sabe, os preços se encontram num patamar muito baixo.
Isso significa que a vantagem está ao lado de quem quer comprar áreas de
exploração de petróleo, e não de quem quer vender, como é nosso caso.
Para nós é prejuizo na certa, sem necessidade.
Mesmo assim, a mudança não teria outros benefícios, como atrair novos investimentos?
Em primeiro lugar, isso não é necessário. Neste momento o país tem
reservas provadas para 14 anos e meio. É um prazo confortável, que não
exige nenhum esforço urgente de ampliar a exploração e os investimentos.
Muitas pessoas argumentam que o petróleo está condenado como matriz
energética e que esta pode ser uma rara oportunidade para evitar perdas
no futuro.
O problema desse raciocínio é que não se apoia em parâmetros realistas.
Basta pensar no tamanho da frota mundial de caminhões, automóveis,
aviões, navios, movidos a partir de derivados de petróleo para perceber
que qualquer mudança de matriz irá implicar em investimentos caríssimos.
O simples fato do preço do petróleo encontrar-se num patamar muito
baixo desestimula mudanças, pois ele é bastante vantajoso do ponto de
vista dos custos. Isso permite calcular que não se deve esperar mudanças
significativas nos próximos 40 ou 50 anos. Claro que podem surgir
novidades tecnológicas, positivas e interessantes sob determinados
aspectos. Mas elas não devem mudar a procura pelo petróleo. O preço do
barril do petróleo não está baixo porque a procura diminuiu, mas porque
enfrentamos uma crise economica mundial profunda e prolongada.
Um dos argumentos favoráveis a mudança é que ela permitiria a entrada de
recursos capazes de reforçar os programas sociais do Estado brasileiro.
Não é assim que as coisas funcionam. A preocupação com o financiamento
dos programas sociais está correta. Mas a melhor forma de fazer isso,
hoje, é acelerar a exploração dos campos já existentes e não imaginar
que os recursos poderão sair de áreas que não foram sequer definidas nem
leiloadas.
Qual a situação da Petrobras?
A empresa está com a capacidade de novos investimentos prejudicada e deve permanecer assim por um período. Isso
se deve a política deliberada de subsídio dos preços dos combustíveis,
que ficaram congelados durante três anos por decisão de governo, para
evitar altas da inflação. A Petrobras acabou internalizando o
prejuízo. Outro fator foi a explosão do cambio, que obviamente afetou
uma dívida inteiramente dolarizada, da ordem de 500 bilhões de reais.
Olhando para o futuro próximo, não se pode imaginar mudanças dramáticas
no cambio, nem para cima, nem para baixo. Deve permanecer como se
encontra agora.
Qual a perspectiva então?
A curto prazo, a prioridade deve ser acertar a situação financeira. A
dívida sem dúvida é grande mas está equacionada. Haverá um grande
pagamento para 2017, estimado em 81 bilhões de reais. É muito dinheiro,
mas suportável. Também cabe considerar que 47% das dívidas vencem depois
de 2020. É sempre muito dinheiro, mas não se pode deixar de considerar o
tamanho da Petrobras.
Nessa situação, a atração de novos investidores não seria conveniente?
Ninguém imagina que teremos novos investidores com o mercado nessa
situação. Estamos falando de atrair empresas interessadas em comprar
campos de exploração na baixa mas que só irão investir recursos em larga
escala quando puderem compensar seus gastos -- na alta. Essa é a
lógica. Estamos falando de empresas convencionais, que são atraídas pela
oportunidade de ganhos. Não tem a menor relação com o sistema de
partilha e seus objetivos.
Dá para explicar?
A vantagem de manter a Petrobras como operadora única é que se pode
criar escala para o produto nacional, como fizemos nos últimos anos.
Você contrata fornecedores que passam a construir uma industria voltada a
produção de petróleo. Isso explica a decisão de garantir à Petrobras o
direito de explorar no mínimo 30% do pré-sal. Não é um número
artificial. Em vários países, a média das operadoras é 30%. Se não for
assim, não funciona. Isso permite que, além de pesquisar e explorar a
produção de petróleo, essa atividade tenha um impacto positivo sobre o
conjunto da economia. Por essa razão, eu acho que a Petrobras não pode
ser pensada como uma empresa igual as outras.
Essa é uma crítica muito comum. Diz-se que o erro do governo foi não
pensar a Petrobras como uma empresa igual às outras. Por que?
Esse é o verdadeiro debate, que reapareceu depois que as descobertas do
pré-sal colocaram o Brasil como um dos grandes produtores de petróleo do
planeta. Há muito tempo que os economistas sabem que os países que
exploram grandes reservas de petróleo podem receber grandes benefícios
mas enfrentam riscos em igual proporção. Tudo depende do método
escolhido para explorar essa riqueza.
Como assim?
Isso acontece por causa da chamada doença holandesa, que é uma distorção
na economia produzida quando um único bem é responsável por uma parcela
desproporcional da riqueza nacional. É assim porque o petróleo gera
tantas oportunidades e tantas possibilidades de enriquecimento para
tantas pessoas que acaba inibindo um desenvolvimento harmônico. Você tem
países que se tornam inteiramente dependentes do petróleo, o que gera
distorções em todos os níveis: políticos, econômicos, sociais. A
exploração do petróleo pode ser um grande negócio para as empresas que
participam dela. Mas pode trazer ameaças a um desenvolvimento
equilibrado, favorável a maioria da população.
Como se evita a doença holandesa?
A solução é permitir que a produção de petróleo seja usada para reforçar
o produto nacional. Em vez de criar uma espécie de monocultura, que não
interessa a ninguém, o petróleo passa a estimular a industrialização,
que interessa a todos, pois gera empregos melhores, estimula a pesquisa,
qualifica os trabalhadores. A riqueza gerada é reaplicada no próprio
país. Essa é a discussão real em torno do modelo de exploração do
pré-sal. Cada bilhão investido contribui para gerar pelo menos 20 000
empregos e acrescenta outros 860 milhões ao PIB.
Nenhum comentário:
Postar um comentário