Fonte: AEPET.
Autor: Larissa Ramina e Carol Proner
Larissa Ramina e Doutora em Direito e Professora de Direito Internacional da UFPR e UniBrasil
Carol Proner é Doutora em Direito e Professora de Direito Internacional do DGEI-FND-UFRJ.
Autor: Larissa Ramina e Carol Proner
Por Larissa
Ramina e Carol Proner* - A reflexão que podemos fazer sobre a crise
atual na perspectiva internacional não exime a responsabilidade sobre
erros cometidos pelo governo brasileiro nem eventuais desmandos de
membros de partido de composição, esquemas de corrupção e outros, mas o
Brasil assiste a um processo de natureza política inaudito, incomparável
a qualquer outro que já vivemos e com graves consequências à nossa
soberania. A origem da crise no Brasil não é apenas econômica. É claro
que estamos sendo solapados pelo impacto dos movimentos especulativos,
principalmente no mercado das matérias primas. É claro que o capitalismo
financeiro impõe severas limitações ao avanço dos progressos sociais. É
evidente que a globalização financeira está diante de nossos olhos e
torna difícil a adoção de políticas macroeconômicas independentes.
Mas fundamentalmente a
origem da crise brasileira na fase em que se encontra é política,
nutrida por uma elite que demonstra a cada dia não ter apreço pelo
futuro do país e que jamais se conformou com a derrota nas urnas. Na
agenda inconfessável dessa elite, entre tantos retrocessos, está o
desejo de reimplantar o projeto neoliberal renunciando ao patrimônio
nacional se for preciso, reservas naturais, empresas públicas,
estabilidade política, democracia, em suma, uma agenda que nos devolve
ao lugar da subserviência diante dos interesses hegemônicos
internacionais.
Assim como ocorreu com a
Vale do Rio Doce durante o mandato do ex presidente Fernando Henrique
Cardoso, agora é a vez do pré-sal brasileiro. O Senador José Serra
apresentou Projeto de Lei (PLS 131/2015) que permite às petrolíferas
estrangeiras explorar o pré-sal sem fazer parceria com a Petrobras. Na
noite do dia 23 de março, por 33 votos a 31, o Senado decidiu manter o
regime de urgência na tramitação do projeto. É grande a pressa para o
entreguismo, este que deveria ser considerado um crime de lesa-pátria. É
preciso que a sociedade entenda a dimensão da importância do pré-sal
para o futuro do Brasil como Estado-Nação.
O historiador Luiz
Alberto Moniz Bandeira alerta que os Estados Unidos não admitem a
ascensão de outra potência na América do Sul. O Brasil figura como uma
das maiores economias do mundo, detém grandes reservas naturais e
minerais – como o urânio, por exemplo, o aquífero Guarani, o maior
estoque de biodiversidade do planeta – a Amazônia, um dos maiores
mercados consumidores do mundo e um potencial imenso para ameaçar a
hegemonia norte-americana no continente. Nada mais importante que
extirpar a ameaça, quebrando a economia brasileira e comprando as
empresas estatais a preço baixíssimo e assim nutrir a onda de
socavamento dos governos progressistas na América Latina que se iniciou
junto com o novo século.
Aliás, não vamos
esquecer que os golpes de Honduras e do Paraguai inauguraram a “moda”
dos golpes de Estado “frios” na região contra os governos de corte
progressistas. Nos dois casos, o primeiro em 2009 e o segundo em 2012,
um órgão estatal dominado por interesses elitistas destituiu um
presidente democraticamente eleito por meio de um processo político
fantasiado de legalidade e com apoio evidente dos Estados Unidos. Ambos
os golpes desgastaram governos da região usando largamente o argumento
da corrupção em compras governamentais e o caso brasileiro poderá
representar o tiro certeiro para retomar um neoliberalismo de nova
geração, com o perdão da redundância, o novo do novo. Este é o caso dos
“tratados de liberalização de comércio de nova geração” a exemplo do
Tratado Transatlântico de Comércio e Investimentos entre Europa e
Estados Unidos (TTIP), onde o “novo” se resume em uma palavra:
“segredo”, premissa da negociação a portas fechadas deixando do lado de
fora a cidadania e a democracia.
E porque os interesses
hegemônicos querem o fim dos governos progressistas? Esta pergunta foi
também colocada pelo Ministro Marco Aurélio Mello do STF, a quem
interessa inviabilizar a governança pátria? A resposta do ponto de vista
internacional é um exercício de lógica. Porque na contramão dessa
ofensiva que visa recuperar a hegemonia estadunidense frente a China e
Rússia (atacando os BRICS) estão posturas insubmissas de governos
progressistas que buscam outro tipo de aliança e que, além do insulto ao
imperialismo, ainda realocam a tônica nas políticas sociais – Estado
regulador e interventor contrário ao ideário da Escola de Chicago – e
diferem na decisão sobre a distribuição da riqueza e o modo de inserção
no mercado internacional. Insolentes que somos, rejeitamos a via única
de livre comércio com países hegemônicos e priorizamos as iniciativas
destinadas à integração regional e sub-regional e a ressalva do
crescimento com distribuição de renda. No caso específico do Brasil,
após a rejeição da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), o acento
foi deslocado para a diversificação da pauta comercial brasileira com a
inclusão do comércio intra-regional e para o fortalecimento do Mercosul.
A criação da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), com o impulso
brasileiro, é reflexo dessa tentativa de fortalecimento dos laços na
América do Sul. Quem não fez isso foi o México que preferiu firmar o
Tratado Norte-americano de Livre Comércio (NAFTA). O nome do documento
já diz bastante e hoje o México é um dos Estados institucionalmente mais
deteriorados.
Ora, nunca é demais
lembrar que o projeto dos Estados Unidos para a América Latina e para o
Brasil jamais incluiu o desenvolvimento ou a integração regional e a
Aliança do Pacífico está aí para demonstrar. Durante a ditadura militar
ficou evidente o nível grave de ingerência externa na política e
economia brasileira, basta recordar a obra “1964: A Conquista do Estado”
de René Armand Dreifuss na qual denuncia as companhias participantes da
Adela Investment Company em conspiração para a derrocada do governo
João Goulart. "Adela" é o acrônimo para Atlantic Community Development
Group for Latin America, grupo multibilionário formado em 1962,
encabeçado pelo vice-presidente do grupo Rockfeller e que reunia cerca
de 240 empresas industriais e bancos. O documentário Mario Wallace
Simonsen, entre a Memória e a História, de Ricardo Pinto e Silva mostra
como essa aliança afetou algumas companhias brasileiras, o caso da COMAL
e da Panair do Brasil.
Eles nos querem
vassalos e submissos e por isso alimentam nosso complexo de vira-lata.
Em momento de crise diante do enfraquecimento político e econômico
brasileiro, aproveitar-se das debilidades internas e da nossa falta de
autoestima nunca foi tão interessante. É preciso derrotar a diplomacia
soberana, altiva e criativa que fomos capazes de construir na última
década. Querem nos ver de joelhos, pois “todos somos americanos”.
No século XXI o Brasil
mudou sua cara. Hoje a melhora nas condições de vida do brasileiro em
termos de saúde, moradia e educação fez com que viva cerca de dez anos a
mais, sendo que a mortalidade infantil foi reduzida pela metade. As
instituições brasileiras também amadureceram, tornando possível pela
primeira vez em nossa história a apuração da corrupção entranhada nas
elites políticas e econômicas. É lugar comum que estamos todos de acordo
no combate contra a corrupção. A ironia da crise brasileira é que a
Presidente que se pretende depor é uma das poucas pessoas que não está
implicada em nenhum esquema de corrupção, ao contrário de quase todos ao
seu redor, incluindo membros da “honrada” Comissão de Impeachment (40
dos 65 deputados estão sendo investigados na Lava Jato).
Por outro lado, quais
são as propostas coerentes daqueles que pretendem o impeachment? Quais
são as propostas coerentes da direita, no Brasil ou nos Estados Unidos
ou na França? A prova desta incoerência é que proliferam alternativas
políticas de esquerda como o Podemos na Espanha, o Bloco de Esquerda em
Portugal, Syriza na Grécia ou o chamado Plano B para a Europa com a
liderança de Varoufakis. Estamos, mesmo na esquerda, um pouco autistas
nesse debate.
Neste momento dramático
de nossa vida política precisamos unir nossas forças capazes de
empurrar o governo para a agenda progressita, para que se possa garantir
os avanços conquistados em termos de direitos civis, políticos e
sociais desde a adoção da Constituição de 1988 e aprofundar a democracia
nas promessas que não foram cumpridas, muitas abandonadas ou preteridas
diante dos acordos de governabilidade. Precisamos barrar o discurso de
abertura do país a uma dominação sem entraves do capital internacional e
capaz de romper com as limitações impostas pela elite financeira ao
desenvolvimento do país. O caminho adiante deveria ser qualificar ainda
mais a democracia na luta contra a desigualdade, por meio da inclusão
social e da extensão dos programas sociais. Neste momento a oposição não
deveria ser contra a Presidenta Dilma Rousseff, digna e honesta, mas um
pacto de governo para que ela avance mais e retome as promessas
anunciadas na campanha presidencial. Nisso os movimentos sociais têm
dado o recado de forma muito precisa e o MST afiançou: a esquerda está
unida para pautar um projeto de governo realmente popular.
Larissa Ramina e Doutora em Direito e Professora de Direito Internacional da UFPR e UniBrasil
Carol Proner é Doutora em Direito e Professora de Direito Internacional do DGEI-FND-UFRJ.
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