Lula, entre JK e Gandhi
Autor: José Augusto Ribeiro
Se Lula fosse pelo
menos dez anos mais velho, poderia pensar que está acontecendo com ele o
que aconteceu com JK, nosso Presidente mais querido, depois do golpe de
1964: não basta que o conduzam coercitivamente, no caso um eufemismo
para uma forma de prisão que não ousa dizer seu nome. É preciso
humilhá-lo, como alguns oficiais mais exaltados fizeram com Juscelino.
Temendo as consequências de prendê-lo e até de conduzi-lo
coercitivamente, submeteram-no a uma série de interrogatórios tolos e ao
mesmo tempo boçais, um deles pelo menos no famoso quartel da Rua Barão
de Mesquita, no Rio, onde funcionava o centro de tortura do Doi-Codi.
Num desses interrogatórios, sabe-se que o jovem e árdego interrogador
fez uma pergunta sobre o registro civil de Juscelino:
Era uma bravata
infanto-juvenil, o oficial deve ter achado engraçadíssima sua piada e
com certeza não percebeu o quanto ela comprometia sua farda, a mesma
farda ensanguentada que vestiam antecessores seus ao morrerem pelo
Brasil nos campos de batalha da Segunda Guerra Mundial.
Lula, segundo nos
informaram, foi conduzido coercitivamente, sem ter sido previamente
intimado a depor, pela suspeita de que não obedeceria à intimação, caso a
recebesse. A suspeita resultava do fato de que, embora tivesse atendido
a todas as intimações anteriores da Polícia Federal, ele se recusara a
atender a uma intimação do Ministério Público estadual de São Paulo e
entrara com uma petição ao Supremo Tribunal Federal para que este
decidisse se o caso era estadual, de São Paulo, ou federal, da Lava
Jato. É inevitável a impressão de que Lula foi submetido à condução
coercitiva como castigo pelo atrevimento de perguntar quem podia
interrogá-lo.
Em seguida alguém ou
alguns do Ministério Público de São Paulo apresentou denúncia contra
Lula, com pedido de prisão preventiva, a uma juíza criminal que
preferiu mandar os pedidos ao juiz Sérgio Moro, da Lava Jato. Uma juíza,
portanto, decidiu que o Ministério Público de São Paulo não tinha
direito de intimar Lula nesse caso.
Lula, logo depois, foi
convidado a integrar o governo, como ministro – e resistiu muito.
Afinal aceitou a nomeação e sua posse foi proibida por um juiz que não
se declarou suspeito, embora tivesse participado de pelo menos uma das
manifestações contra Dilma e Lula em Brasília e usasse as redes sociais
para piadas contundentes contra Lula. Essa proibição foi revogada pelo
presidente do Tribunal Regional Federal de Brasília, mas outras ações
chegaram ao Supremo e o relator, Ministro Gilmar Mendes, confirmou a
proibição da posse e determinou que as investigações sobre Lula voltem
ao juiz Sérgio Moro.
Nessa escalada, o
próximo passo pode ser a prisão preventiva de Lula, embora ele ainda não
tenha sido nem denunciado e seja apenas investigado. Pensando, porém,
no que pareceria impensável, talvez o melhor para Lula seja mesmo a
prisão – o que o levaria, se ele fosse mais velho, a considerar o caso
de Gandhi.
A melhor coisa que os
colonizadores fizeram por Gandhi e pela independência da Índia foi
prendê-lo várias vezes e criar situações a que ele respondia com suas
greves de fome. Lula, que é sabidamente guloso, talvez não chegue a
tanto, mas prisão ele já conhece, dos tempos da ditadura, quando lutava
contra ela, o que não aconteceu com tantos dos que hoje clamam contra
ele.
Mas Lula tornou-se um
corrupto, um ladrão – dizem os acusadores - e seu passado não justifica a
impunidade. Então basta condená-lo, e não é só o juiz Sérgio Moro que
tem coragem para isso. O Supremo também tem: como disse o Procurador
Geral Rodrigo Janot, o foro privilegiado não garante a impunidade de
ninguém.
Neste dias de
tormenta, pelo menos dois ministros do Supremo, Marco Aurélio Melo e
Carmem Lúcia - já disseram de público, em entrevistas à TV, que a
condução coercitiva, que desencadeou toda essa confusão assustadora, só
deve ser determinada quando a pessoa intimada não comparecer ou
recusar-se a comparecer para depor. Lula não foi sequer intimado.
Depois disso, atormentado como tem sido, Lula disse em telefonemas uma
porção de coisas que não devia dizer e ofendeu até o Supremo. Que o
condenem por essas manifestações às penas mais duras.
Mas o país, como fica,
varrido por essa tormenta? Era necessário vivermos tudo isso, esse
vendaval de paixões e demência? Ou, sem os protagonistas perceberem,
esse espetáculo de grand guignol tem a conduzi-lo forças ainda
invisíveis, para as quais, em matéria de Brasil, vale aquela palavra de
ordem do quanto pior, melhor?
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