As panelas estão caladas, por Luiz Ruffato
Outro dia curti uma frase que me chegou pelo Facebook que propunha uma anedota culinária: o sujeito era coxinha em janeiro, virava trouxinha em abril na votação da abertura do impeachment e, agora, diante do governo Temer, o prato era de escondidinho.
Lembrei da brincadeira lendo o texto do premiado escritor Luiz Ruffato, constatando que aquelas multidões de camisas da CBF não visavam o fim da corrupção, mas apenas “refletiam o inconformismo dos que perderam as eleições”.
Sua crônica, no El Pais, tem mais valor justamente porque Rufatto está anos-luz de simpatias pelo governo afastado. Ao contrário.
O estranho silêncio das ruas
Ainda há pouco, em nome do combate à
corrupção, milhões de pessoas manifestavam-se pelo impeachment da
presidente Dilma Rousseff. Batiam panelas vazias, acampavam em parques,
soltavam foguetes, desfilavam indignadas pelas vias públicas, cerravam
fileiras, agressivas, nas mídias sociais. Após o afastamento de Dilma,
no dia 12 de maio, um denso nevoeiro baixou sobre o país. O silêncio das
ruas e avenidas espelha com clareza que os protestos nunca visaram o
desmando que tomou conta da máquina do Estado, mas tão somente refletiam
o inconformismo dos que perderam as eleições. Pura hipocrisia.
Se fosse uma reivindicação honesta,
os manifestantes estariam novamente nas ruas e avenidas acompanhando os
carros de som, ou nas varandas das residências munidos de panelas ou no
Facebook, Instagram e blogues conclamando os cidadãos para continuar a
luta pela decência e a dignidade na política. Afinal, em apenas um mês
como presidente interino, Michel Temer teve de afastar três ministros –
Romero Jucá, do Planejamento; Fabiano Silveira, da Transparência; e
Henrique Eduardo Alves, do Turismo – por envolvimento com denúncias de
corrupção, um recorde na história recente da República. Outros cinco
ministros – Geddel Vieira Lima, da Secretaria de Governo; Mendonça
Filho, da Educação; Raul Jungmann, da Defesa; Bruno Araújo, das Cidades;
e Ricardo Barros, da Saúde – também são investigados pela Operação
Lava-Jato.
Aliás, o próprio Temer viu seu nome
envolvido em denúncias de corrupção. O ex-presidente da Transpetro,
Sérgio Machado, afirmou em depoimento que o presidente interino pediu R$
1,5 milhão de propina para financiar a campanha de Gabriel Chalita à
Prefeitura de São Paulo em 2012 – esse mesmo Chalita que agora é
candidato a vice-prefeito na chapa liderada pelo petista Fernando
Haddad. Temer torna-se assim apenas mais um ocupante do cargo máximo da
política brasileira a ter seu nome ligado a falcatruas. Todos os
presidentes do período da chamada Nova República (iniciado com o fim da
ditadura militar) estão sendo investigados por suspeita de corrupção: do
peemedebista José Sarney ao petista Luiz Inácio Lula da Silva, do
livre-atirador Fernando Collor ao tucano Fernando Henrique Cardoso.
A única pessoa que não teve – até
agora – seu nome envolvido em práticas ilegais é justo a presidente
Dilma Rousseff, ironicamente a única punida até o momento. Seu
afastamento se deu por uma irregularidade fiscal, manobra efetivada por
pelo menos 16 dos atuais governadores, um crime menor diante do saque
aos cofres públicos perpetrado por políticos de todos os partidos. É
como se alguém que tivesse ultrapassado o sinal vermelho fosse condenado
por um júri formado por ladrões, falsários e fraudadores. Dilma sem
dúvida vinha fazendo um governo desastroso, inábil do ponto de vista
político e incompetente no âmbito econômico, mas a maioria dos
manifestantes saiu para as ruas para demonstrar sua revolta contra a
perda de privilégios, não por se escandalizar com a roubalheira que
grassa no país acima de todas as ideologias.
Os movimentos que lideraram
manifestações pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff – dizendo-se
apartidários e assentados em discursos pela ética e contra a corrupção –
sempre se recusaram a prestar contas sobre a origem do dinheiro gasto
na organização dos protestos. Hoje sabe-se, por exemplo, que o Movimento
Brasil Livre (MBL), encabeçado pelo empresário Renan Santos (filiado ao
PSDB até o ano passado), teve financiamento e apoio logístico dos
partidos de oposição (DEM, PSDB, SD e PMDB). E que Renan Santos é réu em
16 ações cíveis e em mais de 45 processos trabalhistas – as acusações
incluem fechamento fraudulento de empresas, dívidas fiscais, calote em
pagamento de débitos trabalhistas e em ações por danos morais, em um
total de R$ 4,9 milhões. O MBL anunciou que lançará candidatos, por
vários partidos, às eleições deste ano.
Já o movimento Vem pra Rua foi criado
em 2014 por um grupo de empresários para apoiar a candidatura do
senador tucano Aécio Neves à Presidência da República. Seu principal
articulador, Colin Butterfield, é presidente da Radar SA, do grupo
Cosan, uma das maiores empresas privadas do Brasil, com negócios nas
áreas de lubrificantes e produção de etanol, dona da Comgás e da Rumo,
líder mundial de logística de açúcar para exportação. A Radar administra
270.000 hectares espalhados em oito estados, dedicados ao plantio de
cana, soja, algodão e milho. O Revoltados On-Line, gerenciado pelo
empresário Marcello Reis, que não esconde sua simpatia pela ideia de
intervenção militar como solução para o Brasil, tem ligações com o
deputado fascista Jair Bolsonaro (PSC-RJ), pré-candidato à Presidência
da República. Marcello Reis, que foi recebido pelo ministro Mendonça
Filho, junto com o ator pornô Alexandre Frota, para discutir os rumos da
educação brasileira, vende em seu site camisetas, bonés e adesivos sem
nota fiscal.
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