Parente, o serpente
O ranço ideológico guia Pedro Parente, presidente da Petrobras: ele quer desmontar tudo que possa ser instrumento de autonomia brasileira.
Artur Araújo
Pedro Parente, presidente da Petrobrás, publicou panfleto em um periódico.
É
boa uma de suas afirmações: “(...) a Petrobras defende uma política de
conteúdo local que ajude a indústria a ser competitiva globalmente e
está disposta a contribuir para isso. A política precisa incentivar a
inovação, as parcerias, a produção com qualidade, custos e prazos
adequados. (...) Esta é a verdadeira escolha: entre o ranço ideológico,
que a poucos beneficia, e a dignidade e o bem-estar que um novo emprego
pode proporcionar a milhões de brasileiros e a suas famílias.”.
Só
que ao longo do texto – ironicamente intitulado “Ranço ideológico e
vida real” – o objetivo real de Parente vai se revelando em sinuosos
movimentos. Ele nos conta, por exemplo, que “a exigência de um conteúdo
local muito acima da capacidade da indústria impôs prejuízo
significativo ao governo e ao setor. Quem diz isso não é a Petrobras,
mas o Tribunal de Contas da União, que em auditoria recente concluiu que
‘existe um alto custo da política, em função da baixa competitividade
da indústria nacional’.”. Em bom português, isso é cascata.
Nem
é necessário lembrar do efeito desastroso do real artificialmente
valorizado (para “ancorar a inflação”), cenário que já liquida boa parte
da competitividade de quem gera empregos, paga impostos e reinveste no
Brasil. Juros internos absurdamente superiores aos internacionais é
fator negativo mais do que conhecido. Parente sabe muito bem disso, só
tem amnésia interessada.
E
mesmo com essa desvantagem competitiva de largada, há, sim, capacidade
tecnológica e preços competitivos de fornecedores nacionais de
construção pesada; de máquinas & equipamentos; de construção,
manutenção, reparos e suporte navais, além de uma enorme gama de bens e
serviços correlatos. Só não fala disso quem - por ranço ideológico,
acobertamento da vida real e interesses econômicos ocultos – finge que
não vê e não quer que ninguém mais veja.
As
empresas que estão instaladas de fato no Brasil (pouco importa se seu
controle acionário é de brasileiros ou não) não só permitem a geração e
absorção local de tecnologia, como reduzem a pressão em nosso balanço de
pagamentos (menos royalties a se enviar para o exterior) e são
essenciais para a sustentação de uma extensa cadeia de “subfornecedores”
locais de insumos, componentes e projetos. Mais uma informação vital
ausente do texto de Parente.
O
auge do cinismo é atingido quando o presidente da Petrobrás saca duas
“histórias de interesse humano”. Escolhe a dedo duas empresas instaladas
no Brasil há décadas e que, portanto, são fornecedoras nacionais. Faz
de conta que é a elas que se refere a crítica à nova política da
Petrobrás, política que privilegia empresas transnacionais que
DESENVOLVEM TECNOLOGIA, PROJETAM, FABRICAM, PAGAM IMPOSTOS, GERAM
EMPREGOS E INVESTEM FORA DO BRASIL, em detrimento das que aqui operam,
com maioria de capital brasileiro ou não.
As
histórias de vida dos dois trabalhadores - da Schlumberger e da WEG –,
que ele relata em clima emocional, é realmente meritória e entusiasma. E
é essa a vida real que Parente quer encerrar. A reorientação que ele
quer dar às compras da Petrobrás impedirá que muitas outras empresas
instaladas no Brasil se viabilizem. E que muitos outros Adires e
Ademires contribuam com suas famílias e com nosso país.
O
ranço ideológico guia Parente: quer desmontar tudo que possa ser
instrumento de autonomia brasileira. A vida real que ele nos propõe é o
atraso: sermos meros entregadores de óleo bruto e deixar que todos os
efeitos positivos da cadeia produtiva do setor de petróleo & gás
vazem para as sedes dos conglomerados transnacionais que tanto o atraem.
Esse é o bote da serpente.
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