terça-feira, 30 de março de 2021

Artigo do Leonardo Sakamoto.

 


A reforma ministerial que Jair Bolsonaro realizou, nesta segunda (29) tentou acomodar os interesses do centrão e diminuir, dessa forma, a tensão surgida com as cobranças relacionadas à ineficácia do governo no enfrentamento à pandemia. Além disso, procurou aumentar a influência presidencial sobre as instituições do governo federal que andam armadas. Tudo numa tentativa de demonstrar força diante do desastre na condução da pandemia e da perda de apoio do empresariado.
Um presidente é livre para fazer muita coisa, desde que seja previamente autorizado por lei para tanto. A lei não permite, por exemplo, usar as Forças Armadas para fazer pressão sobre outros poderes ou utilizar a Advocacia-Geral da União (AGU) para defender interesses pessoais. Por isso, trocas no Ministério da Defesa e na Advocacia-Geral da União foram no sentido de permitir o esgarçamento de limites.
Para Bolsonaro, foi imperdoável que o advogado-geral José Levi não tenha assinado a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6764, através da qual o presidente pediu ao Supremo Tribunal Federal que governadores não pudessem decretar lockdown. O STF negou a ação.
Ou que o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, não fizesse de tudo para tornar real uma expressão sistematicamente usada pelo presidente: "meu Exército". O mesmo vale para o comandante da força, general Edson Pujol - que deve sair com as mudanças.
Bolsonaro disse que queria mais "demonstração de apreço do Exército", apesar da instituição dever lealdade à Constituição e à democracia e não a indivíduos que, momentaneamente assumem cargos públicos. Deseja que a cúpula e os oficiais demonstrem o mesmo apreço que ele sabe que tem entre soldados, cabos e sargentos.
Ao mesmo tempo, o presidente quis assentar os interesses do centrão em seu governo para garantir apoio que o afaste de um processo de impeachment, que depende do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ou de uma CPI da Pandemia, que está nas mãos do presidente do Senado, Roderigo Pacheco (DEM-MG).
Bolsonaro já havia negado à sua base no Congresso a sugestão do nome para substituir o então ministro da Saúde Eduardo Pazuello, corresponsável junto com ele pelo patamar de mortos por covid-19. E demorou para trocar o chanceler Ernesto Araújo, cujos ataques à China e a defesa de posições negacionistas ajudaram a atrasar a importação de insumos para vacinas.
Bolsonaro moveu o ministro-chefe da Casa Civil, general Walter Braga Netto, para a Defesa e o ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Luiz Carlos Ramos, para a Casa Civil.
Com isso, liberou a Secretaria de Governo, responsável pela articulação com o Congresso Nacional (negociação de emendas e cargos, por exemplo), para o centrão. Será ocupada pela deputada federal Flávia Arruda (PL-DF), esposa do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda - primeiro governador encarcerado durante o mandato por um caso de corrupção.
Com a saída de André Mendonça do Ministério da Justiça, a pasta foi entregue ao atual secretário de Segurança Pública do DF, delegado da Polícia Federal Anderson Torres, amigo do senador Flávio Bolsonaro. Ele já havia sido cotado para ser delegado-geral da PF. Agora, vai controlar a instituição que controla a Polícia Federal.
Por fim, o Ministério das Relações Exteriores terá um nome mais palatável ao centrão, ou seja, que não é terraplanista e negacionista como Ernesto Araújo, que se demitiu hoje. O novo chanceler, embaixador Carlos França, teve como última missão no exterior o posto de ministro-conselheiro em La Paz, na Bolívia.
Embaixadores com os quais a coluna falou elogiaram França em comparação com outros nomes que estavam na disputa, como o do embaixador Luiz Fernando Serra, mas afirmaram que ele não tem a experiência que de espera de um chanceler. Mas, segundo eles, ele sabe que as vacinas não contém microchips para que os chineses controlem as mentes dos brasileiros - o que é um avanço. Será importante verificar se ele terá autonomia ou a mão peluda do olavismo vai continuar sobre o Itamaraty.
O mais provável é que posições mais duras estejam no outro lado da Esplanada dos Ministérios, na pasta da Justiça e Segurança Pública. Ela pode ser usada para agradar o bolsonarismo-raiz, decepcionado com a perda do Itamaraty - se houver a perda, claro.
Bolsonaro, desde que assumiu, vem comendo instituições de monitoramento e controle. Receita Federal, Coaf, Procuradoria-Geral da República, Polícia Federal, Incra, Ibama, Funai, ICMBio... Agora, é mais um passo nesse sentido, com pessoas mais próximas a ele nas Forças Armadas. Que podem ser acionadas para tuítes não-republicanos ou demonstrações de força pouco democráticas nos aniversários do Golpe Militar de 1964.
As mudanças não representam a iminência de um autogolpe de Estado, ao contrário do que temem alguns. Claro que o bolsonarismo daria um golpe se pudesse. Mas não há ambiente para isso. Pelo menos, não ainda.

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