Bolsonaro fecha o cerco. Por José Dirceu
Por José Dirceu
Acuado e isolado, com a pandemia e a economia em descontrole, o presidente faz da troca de ministros uma operação de Estado Maior. Resta saber se ela o salvará até 22.
Sempre é arriscado escrever em cima dos fatos. Mas temos experiência suficiente e já conhecemos bem nosso personagem para dizer, a exemplo de outros analistas, que o presidente da República, na prática, saiu das cordas e reforçou seu controle sobre peças-chave do xadrez de seu governo. Braga Neto assume o Ministério da Defesa no lugar de Fernando Azevedo, que, pela sua nota e por fatos recentes como declarações do diretor de RH do Exército, general Paulo Sérgio, na linha oposta à do governo na mais importante questão hoje do país, a pandemia, caiu porque pretendeu manter as Forças Armadas fora da estratégia bolsonarista.
As declarações da deputada Bia Kicis, presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, no mesmo dia da troca de comando no Ministério da Defesa, compõem o cenário de radicalização que Bolsonaro vem desenhando. A deputada bolsonarista estimulou, em post na redes sociais, a greve dos PMs da Bahia contra o governo Rui Costa em função de fato gravíssimo ocorrido no final de semana que, no entanto, não é responsabilidade do governo estadual. Essa não é a primeira agitação em quartéis das PMs; já houve motim no Ceará. Fora o fato de que as declarações de Kicis ocorreram logo depois de as milícias bolsonaristas estimuladas por Eduardo Bolsonaro iniciarem uma série de manifestações nas portas dos quartéis do Exército pedindo intervenção militar. O que vem depois ainda não sabemos.
A troca de Ernesto Araújo por Carlos França e a indicação da deputada do PL Flávia Arruda expressam a força dos partidos do chamado centrão: agora PP, PR, PL estão no governo, garantindo, por enquanto, uma maioria capaz de impedir o processo de impeachment. No Itamaraty, a troca não expressa uma mudança de política, no máximo de estilo, mas foi estimulada pelo consenso dos senadores contra Ernesto Araújo, agravado ao limite após seu ataque covarde à senadora Kátia Abreu, presidente da Comissão de Relações Exteriores.
Já na Saúde houve de fato uma mudança relativa, o que demonstra fraqueza do governo frente à crescente indignação e oposição à sua política negacionista e criminosa frente à pandemia. No fundo, o governo teve que ceder à pressão da Câmara, por meio de discurso de seu presidente Artur Lira, e do Senado, com as posições defendidas pelo seu presidente Rodrigo Pacheco.
Blindagem da família
O presidente moveu mais duas peças importantes, uma torre e um bispo, o Ministério da Justiça e a AGU, sua primeira linha de defesa depois do Congresso Nacional com risco real de termos um Estado policial. Nesses postos colocou dois guarda costas – Anderson Torres, delegado da Polícia Federal e íntimo da família, e André Mendonça, que já integrou seu governo – para proteger sua família e atacar seus adversários, não tenhamos nenhuma dúvida. Manteve ao seu lado Luiz Eduardo Ramos na Casa Civil. A conclusão desses movimentos é que o presidente reforçou sua linha de defesa no Congresso e buscou superar os vetos, isso mesmo, a dois ministros já sem nenhuma sustentação política, Eduardo Pazuello e Ernesto Araújo. E colocou dois fiéis na Justiça e AGU preparando-se para a batalha que continua e depende de outras variáveis, a pandemia e a economia.
Quem é o rei e a rainha, Bolsonaro ou as Forças Armadas? Essa pode ser a variável ainda não esclarecida, principalmente com a demissão dos comandantes das três armas, o que pode indicar uma crise militar. E os adversários com as peças brancas, a oposição e o povo o que farão, até onde o país suportará Bolsonaro e seu governo?
Os últimos sinais políticos –aumento da pressão no Parlamento e na mídia, a manifestação dos banqueiros, a volta de Lula com força para mudar o cenário para 22 e, principalmente, o agravamento da pandemia e da crise social– indicam um isolamento cada vez maior do governo e riscos reais de perda do controle. Afinal, o fim do auxílio emergencial e a aprovação de uma ajuda irrisória para fazer frente à escalada de preços da cesta básica vão aumentar miséria. Daí o contra-ataque de Bolsonaro com uma operação de Estado Maior. Resta saber se o salvará até 22.
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